quarta-feira, 6 de abril de 2016

História gótica


29. "Iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!!!!!!!!!".
O homenzinho tentava libertar-se e levou ainda alguns minutos até parar de gritar. Valodu, as mãos tapando as orelhas e os olhos fixos no homúnculo caso fosse preciso agarrá-lo outra vez, não se apercebeu do bando de anões que se aproximou por trás dele e, empurrando-o para o chão, lhe lançou para cima uma rede. Ainda se debateu mas um dos homenzinhos deu-lhe uma grande cacetada na cabeça com o bordão que transportava, e Valodu desmaiou. Estes anões eram todos muito parecidos uns com os outros, os mesmos cabelos vermelhos saindo espetados de chapéus verdes todos iguais. Os mesmos casacos de veludo preto sobre camisas brancas de colarinhos e faldas de fora, os mesmos calções verdes com enormes botões castanhos, as mesmas meias brancas e os mesmos sapatos pretos com fivelas de prata. Todos eles usavam também um daqueles bordões de madeira com nós, de madeira retorcida e dura, que tanto serviam de apoio como de arma. As caras também não variavam muito, com os seus narizes abatatados de onde saíam pêlos vermelhos, e com os seus lábios carnudos, dentes muito brancos, e sobrancelhas espessas, vermelhas também. As bochechas muito rosadas completavam o ar caricato destes habitantes da floresta, não fora a expressão malévola que tinham. Depois de libertarem o primeiro anão, juntaram-se num dos lados de Valodu e empurraram-no para dentro de um buraco na orla da clareira. O corpo inerte caíu como um fardo de palha batendo no chão. Os anões sentaram-se em volta do prisioneiro, esperando que acordasse. Assim que Valodu acordou, um dos homenzinhos levantou-se e acertou-lhe novamente com o bordão. Para criaturas tão pequenas, tinham uma grande força, e foram repetindo este processo, cada um à vez e com um sorriso perverso, até que uma figura entrou na gruta por um corredor e parou ao lado de Valodu. "Bom trabalho", disse o indivíduo que acabara de chegar, um corcunda sem um fio de cabelo, dentes aguçados, e orelhas carcomidas. Tirou de um bolso interior da capa uma moeda de ouro e atirou-a para o meio dos anões. Estes mergulharam para apanhá-la, dando cotoveladas e dentadas uns aos outros como lobos disputando comida. O corcunda arrastou Valodu, sempre inanimado, ao longo de um corredor escavado na terra e iluminado por caldeirões de ferro cheios de carvão em chama, e os gritos e sons de pancada dos anões foram ficando cada vez mais distantes. No final do túnel esperavam-nos quatro mulheres cegas e esfarrapadas, quatro cariátides disformes que se apressaram a levantar o corpo e o carregaram até ao meio de uma sala de paredes de pedra. Depositaram-no sobre um estrado de madeira que estava no centro da sala e esperararam. "Súcubas, as facas." Cada uma delas retirou do vestido uma lâmina. "Barregãs, cortai." Com golpes certeiros, cortaram a rede que ainda prendia Valodu e imobilizaram-se mais uma vez. O corcunda apalpou os braços, as pernas e a barriga de Valodu, como se quisesse assegurar-se de que ali havia carne e gordura, e não apenas osso. Valodu, não sendo muito avantajado, também não era franzino, e algum sustento daria a quem o devorasse. "Vamos." O corcunda e as mulheres abandonaram a sala e a primeira coisa que Valodu sentiu assim que acordou, antes mesmo de abrir os olhos, foi um cheiro infecto de cadáveres decompostos. Foi com horror que se levantou e olhou em volta para pedaços de corpos humanos pendurados do tecto alto da sala. Torsos, pés, braços, mãos, pernas que dariam para construir diferentes corpos inteiros, como peças que se combinariam para formar monstros. Só faltavam as cabeças. Não se via uma só. Reparando no túnel por onde o tinham carregado, e cuja porta ficara aberta, por distracção certamente, Valodu correu para lá sem olhar para trás. Tremia, e este tremor nunca mais o abandonaria.

1 comentário:

  1. Isto está-se a compôr...
    Tenho quase a certeza que vai acabar em orgia e os liliputianos mais as Súcubas e o careca vão acabar pendurados... e quem os vai "comer" é o Valodu. Para aquele menino Vale o duo, o trio e o mais que vier. Marcha tudo de enfiada!

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