quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Não alinho

Acerca da minha posição sobre a taxa moderadora do aborto, o Peregrino de Meca disse-me:
"Já agora, ter de provar a violação para não pagar a taxa moderadora, não é acrescentar humilhação à provação?"

Eu não alinho com esta racionalização. Para já, o exame médico de uma violação é uma coisa desejável para a sociedade. A sociedade onde eu gosto de viver quer que a vítima de um crime procure ajuda e que quem cometeu o acto seja encontrado e punido. Se ter uma taxa moderadora do aborto incentiva a que as vítimas procurem ajuda, acho bem. Acho muito pior uma sociedade que permite que as vítimas sofram em silêncio porque associam o exame médico de uma violação a uma experiência humilhante.

Aliás, essa ideia de que ser violada e ir a um hospital para ser examinada é uma coisa humilhante é, para mim, absurda e completamente repudiável. Será igualmente humilhante ir ao hospital meter gesso na perna depois de se escorregar e a partir? É melhor ser violada, não ir ao hospital fazer o tal exame "humilhante", e depois ter a oportunidade de fazer um aborto grátis? Entretanto, quem violou anda por aí à caça da próxima vítima, mas as provas que o poderiam incriminar foram para o esgoto.

Se isto é uma razão para dar abortos grátis a todas as mulheres, eu, como mulher, digo "Não, obrigada!" Parece-me mais uma razão para proteger homens que violam mulheres.

Adenda: No meu post inicial, eu disse que as mulheres que tivessem sido violadas deveriam receber isenção de taxa moderadora de aborto depois de completarem um exame médico.

27 comentários:

  1. Pois Rita, agora sou eu também não alinho na sua racionalização. Para mim o exame médico para uma violação tem de ser uma decisão da mulher, não da sociedade. O resto parece-me uma violência inaudita (e por favor, agora não venham dizer que eu estou a favor que as mulheres possam acusar alguém de violação sem ter de fazer exame médico, não é evidentemente isso que estou a dizer, como nunca a protecção a violadores esteve de longe nem de perto no meu comentário Rita). É mais uma vez uma questão de ser "pro-opção" ou "contra-opção". Eu, como tenho pouca imaginação, não consigo imaginar o que pode ser para uma mulher ser violada, o fazer um exame médico e muito menos fazer um aborto. Mas mantenho, ser obrigada a fazer um exame de violação para obter uma taxa moderadora parece-me humilhante.
    O que me parece é que a questão não gira em torno da taxa moderadora, que sejamos francos, não mudará nada para ninguém do ponto de vista financeiro ou nem na hora de toma a decisão de fazer ou não um aborto. Parece-me sim que é principalmente sobre a posição ou opinião individual de cada um em relação ao aborto. Eu tenho a minha.

    PS. Para o detalhe, é Peregrino a Meca e não de Meca :-)

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    1. Uma mulher violada não está nas melhores condições psicológicas; imaginemos que o violador a traumatizou psicologicamente para ela não ir ao médico. Então ela não ir ao médico não é decisão dela, mas sim do medo que lhe incutiu o violador. E se for um violador repetitivo? Então ele pode contar com abortos grátis do Sistema Nacional de Saúde para continuar a violar a vítima? Não posso concordar com isto. Acho que pode causar situações em que o estado é cúmplice de monstruosidades. Peço desculpa, mas não posso aceitar.

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  2. http://www.publico.pt/politica/noticia/violacao-passa-a-ser-crime-publico-por-iniciativa-do-be-1679975
    O bloco de esquerda está de acordo consigo no que diz respeito às condições psicológicas (e eu também)
    Um crime público é um crime que deve ser investigado a partir do momento em que é conhecido (público) independentemente da vontade da vítima.
    Entre isso e uma taxa moderadora vai um mundo

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    1. O mundo onde eu cresci não era muito agradável e por isso formei estas opiniões. Peço desculpa pelo erro no nome.

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    2. E eu claro cresci na Eurodisney rodeado do Pateta e do Pato Donald...
      Desculpas aceites pelo nome (ou pseudo), mas não tem mesmo problema nenhum. Ja me chamaram coisas piores

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  3. Peregrino, se não for feito um exame médico como se poderão obter indícios que permitam levar o violador à justiça?

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    1. Repito um parcialemente o comentário de outro post:
      "As taxas moderadoras são cobradas com o objetivo moderar o acesso aos serviços de saúde"
      Não para mandar bandidos para a prisão

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    2. "As taxas moderadoras são cobradas com o objetivo moderar o acesso aos serviços de saúde"

      Precisamente, parte do debate sobre este assunto é um bocado louco porque as pessoas não argumentam dentro do paradigma do que são taxas moderadoras.

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  4. Rita
    O sistema de saúde em Portugal é tendencialmente gratuito. Está escrito na Constituição. As taxas moderadores não visam cobrar serviços. Servem para moderar o consumo, ou seja evitar um uso excessivo do sistema de saúde. Por exemplo, evitar que alguém que tem uma simples constipação vá ao hospital consumir recursos públicos desnecessários.
    No caso de uma grávida que quer abortar, visa-se moderar exactamente o quê? Espera-se que a gravidez passe por si, como se fosse uma constipação?

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    1. Então estás a dizer que não faz sentido não cobrar a taxa moderadora. Se se cobra a outros doentes, não faz sentido não cobrar a grávidas.

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    2. Consegues explicar melhor? Não consigo perceber a tua conclusão.

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    3. Cobra-se taxas moderadoras a pessoas que têm pedras nos rins.

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    4. Este comentário foi removido pelo autor.

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    5. Se quisesse polemicar gratuitamente preguntaria à Rita se as grávidas são doentes.
      Se quiser abrir um debate sobre o uso da taxa moderadora como fonte de financiamento do sistema nacional de saúde e o seu enquadramento constitucional é outra história

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    6. Se me estás a dizer que há muitas taxas moderadoras que não fazem sentido, porque há consumos que não podem ser moderados estamos de acordo.
      Mas se querem que o SNS deixe de ser gratuito e que as taxas moderadoras deixem de ser moderadoras e que passem a ser fonte de financiamento é outra questão.
      Já agora, só para recentrar o debate, o principal problema com a nova lei do aborto não foi a questão da taxa moderadora.

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    7. O meu problema é com o PS usar este tópico como se fosse uma violação de direitos das mulheres. Eu levei a mal o comentário do Sr. Brilhante. Se o problema taxa taxa moderadora do aborto é a privacidade das mulheres pobres, então arranjem políticas que acabem com a pobreza das mulheres e a sua dependência financeira de homens.

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    8. Rita, as pessoas não vão perceber este teu comentário, porque não seguiram a nossa troca privada de mensagens no Facebook.
      Caríssimos leitores, a Rita está a responder a este argumento da Isabel Moreira:
      "Uma mulher pode não ter forma de fazer prova da sua insuficiência económica. Uma mulher que dependa do marido e não lhe queira dizer, quebraria o sigilo e estaria em causa este momento absolutamente pessoal das mulheres"

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    9. Obrigada, Luís, como sempre, és o meu Anjo da Guarda. Nada mau para quem nem é religioso...

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    10. De qualquer forma, o Sr Brilhante foi desastrado. O principal problema da nova lei pouco tem a ver com as taxas moderadoras.
      Há dois problemas principais:
      1 - as mulheres passam a ser obrigadas a apoio psicológico (sendo a palavra-chave obrigadas);
      2 - os médicos que declaram objecção de consciência deixam de estar afastados do processo, podendo ser chamados a dar aconselhamento à mulher que pretende abortar.

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    11. Infelizmente, há muitos desastrados a legislar ou a querer legislar sobre mulheres...

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    12. Não foi desastre. Foi ideologia. Sabiam muito bem o que faziam.

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    13. Voltei a ler o seu post, e na verdade, em segunda leitura, confesso que se calhar me enganei. Contrariamente ao que eu entendi, o centro da mensagem não era a questão do pagamento ou isenção de taxas moderadoras em caso de violação, nem um primário “bater no ceguinho” (no seu caso o PS). O tema central parece-me este: “é razoável que o estado não tenha um aborto mais barato do que é comprar um preservativo. Se é para ter sexo recreativo ocasional, é preferível que as mulheres usem um preservativo.”
      Ora bem, nesse caso, ou se trata de ser desastrada como o Senhor Brilhante, ou vimos efectivamente dar a uma questão ideológica sobre o aborto (tal como na nova lei do aborto). Ou como diria o Luís, "recentremos o debate". E nesta recentragem não posso estar de acordo consigo, muito menos com o nível da citação. (Quase) todas as opiniões são válidas e debativeis. Eu é que prefiro não debater algumas (como esta depois da recentragem)

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  5. Eu também adiciono um pouco de lenha, porque detesto a charlatanice baseada em engenharia social.

    Na introdução de taxas moderadoras sobre a realização de abortos existiu o objectivo de proporcionar uma ajuda política a grupos que têm estado colados à governação, como se o Estado ainda pudesse conceder posições privilegiadas com base em ideários místicos. E, evidentemente, não escrevo isto com base nas intenções de A ou B, porque nada sei sobre intenções, apenas sob as suas consequências.

    Ora, na discussão pública questionavam alguns, e muito bem, que se sujeitasse a mulher a ser achincalhada através de interrogatórios, fosse sob que forma fosse, e por quem quer que fosse, porque, bem ou mal, é de lei que a mulher pode tomar a decisão sem depender de ninguém, nem sequer de quem a engravidou.

    O resto era palha para burro de quem tentou vender gato por lebre, fingindo que estava a reabrir a discussão encerrada por um referendo que, a bem dizer, não deveria ter sido realizado. Só que os deputados da República não foram suficientemente bons para procederem á descriminalização e estabelecerem um quadro legal apropriado, inclusive no que se refere à economia e administração de casos desta natureza.

    Enfim... Politiquices sobre politiquices, nada para admirar quando se vê juristas a fazerem de economistas, economistas a fazerem de psicólogos, psicólogos a fazerem de astrólogos e charlatães a a dirigirem instituições políticas, com cientistas verdadeiros a verem, por vezes cobardemente calados, fazendo que se duvide se são mesmo cientistas verdadeiros.

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    1. Eu acho que uma mulher que decide fazer um aborto deve ser acompanhada medicamente e acho que isso deve incluir ajuda psicológica; mas eu penso que o médico que a assiste com certeza que acha que encaminhá-la para esse serviço é uma coisa aconselhável. Os senhores deputados não têm nada de obrigar os médicos a fazer X ou Y porque, se os médicos têm licença para exercer medicina, é porque o estado confia na decisão deles. Como tal, a partir do momento em que se decide que o aborto é permitido, trate-se a questão do aborto como se trata as outras questões médicas: defira-se para o médico e a paciente. Se as outras coisas pagam taxa moderadora, não vejo razão para todos os abortos não pagarem, a não ser em casos pontuais para os quais os profissionais do centro de saúde devem estar mais do que sensibilizados e podem decidir sem grande esforço.

      Se um médico(a) é contra o aborto, acho que deve encaminhar a paciente para outro profissional e até acho mal que o(a) obriguem a prestar aconselhamento.

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  6. Bem, vou lançar mais umas achas na fogueira.

    Primeiro, a contextualização / disclaimer que é sempre relevante nestes casos:

    Eu sou, assumidamente, contra o aborto/IVG. No entanto, tenho a percepção suficiente para saber que a questão é muito pessoal em termos morais (mais do que societária, talvez) e que a Sociedade como um todo não oferece, em muitos casos, uma alternativa viável - basta ver o estigma social que (ainda) recai sobre as chamadas "mães solteiras".

    Como tal, não condeno a legalidade da IVG e considero que mesmo que a Sociedade alcançasse um patamar de consenso que levasse a se considerar de forma esmagadora a IVG como um "mal" (e portanto, algo a proibir legalmente), esta proibição deveria isentar casos em que o feto é medicamente inviável, em que a vida da mãe está em risco (e se possa equacionar em termos de "mal menor" a IVG ou consequências secundárias) e situações em que a gravidez foi fruto de violência (pelos mesmos motivos do "mal menor" e consequências secundárias).

    Pelo motivos referidos acima, a legalidade da IVG deve estar limitada à viabilidade natural do feto, de acordo com as condições de acompanhamento de nasciturnos precoces (e que, passando esse prazo, qualquer mulher nas condições referidas acima, possa requerer um parte induzido).

    Agora, à questão da "taxa moderadora":

    Eu sou contra a existência de "taxa moderadora" na IVG porque considero o procedimento electivo (i.e. fora as situações excepcionais em que consideraria sempre a possibilidade da IVG, as outras são uma manifestação expressa da mulher e não uma opção clínica). A IVG deve ser paga por inteiro e não ponho de parte que se possa - caso hajam condições e cobertura suficiente - restringir os actos à medicina privada. Isto não impede - e em termos da minha visão da sociedade até acho o príncipio positivo - que se formem organizações privadas que assistam mulheres que queiram recorrer à IVG e não tenham meios para tal.

    Quanto à actual lei em vigor, considero excessivo o requerimento que a grávida tenha "aconselhamento obrigatório" - deve assinar um termo de responsabilidade (como em qualquer outra cirurgia, aliás) e deve ter aconselhamento MÉDICO (não moral). Deve igualmente ter, POR OPÇÃO, aconselhamento psicológico. Abro, no entanto, a excepção para abortos frequentes e repetidos, em que seria obrigatório um acompanhamento por parte de assistentes sociais e psicólogos, porque a IVG não pode ser considerada um método contraceptivo.

    Quanto aos médicos objectores de consciência, tendo em conta o ponto anterior, acho que este não se aplica, porque deixam de ter qualquer papel no processo.

    No entanto, e no que diz respeito à IVG

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  7. Caros LAC e Peregrino, permitam-me a intromissão!!
    Estou em crer que os meus caros laboram em erro sobre a natureza da coisa. Meus caros, todas as taxas são instrumentos de moderação sobre o consumo, essa é, pelo menos, a sua co dimensão positiva proclamada (propinas, taxa de justiça...). Querendo isto significar fundamentalmente que inexiste uma relação íntima entre o preço público de um serviço e o seu custo económico. A natureza jurídica, contudo, mantém-se incólume como taxa. Ou seja, ainda que não ocorra ou não se verifique a dimensão positiva de moderação do consumo, pela natureza do serviço e ou da necessidade do mesmo, esta não deixa de ser uma prestação pecuniária devida que ocupará a sua pequena parte no financiamento do sistema. Ainda que passassem a nomear, a taxa moderadora, de rifa, esta não perderia a sua natureza de taxa. A taxa moderadora é, pela sua natureza, uma taxa ainda que não preencha sempre a sua função de instrumento moderador do consumo de um determinado serviço e, como taxa, é da sua natureza ser fonte de financiamento do sistema. A alusão aos preceitos constitucionais só vem criar ruído quanto a este assunto. Não podemos teimar em converter preceitos programáticos, sem densidade suficiente para que deles constituamos, sem mais, relações jurídicas intersubjectivas, em preceitos garantia com aplicabilidade directa. Mais, não podemos estender as normas programáticas para além da proclamação que levam sob pena de subvertermos, no futuro, o programa possível e constitucionalmente consagrado, por programa nenhum!! O art 64, 2, a, da CRP diz-nos "...um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito". O que é que podemos ler aqui!? Que o SNS há-de respeitar um princípio de universalidade. Há-de ater-se uma espécie de princípio de progressividade ou, pelo menos, não proporcional ou regressivo "...tendo em conta as condições económicas dos cidadãos..." e que o preço público não tenha relação tendencial com o custo do serviço prestado "...tendencialmente gratuito" significando que o sistema deve ser financiado, fundamentalmente, com impostos e não com as taxas. Pelo pouco que sei, as taxas no SNS cobrem cerca de 1% do seu financiamento!!
    Importava fazer este esclarecimento quanto à natureza da coisa.
    Dito isto. Porque haverá o aborto beneficiar de uma isenção de princípio e uma fractura exposta do perónio não!!? Porquê atribuir ao aborto esta especial e excepcional dignidade!?
    Esta, parece-me, foi, fundamentalmente, a questão que a caríssima Rita aqui, muito bem, colocou!! O resto é pouco relevante!!

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