Esta só pode ser famosa, a julgar pela quantidade de vezes, e a variedade de assuntos, e a multidão de pessoas que a usa. Ainda hoje, antes de chegar, a ouvi. Diz que lá para o fim-de-semana já não chove. Ontem, ia eu a sair, também. Diz que o uísque é medicinal. Cada uma delas disse-a uma pessoa diferente e segundo cada uma delas há alguém, não identificado, que diz o que assim se repete. Ou é respeito pela autoria, ou é conveniência em fundar o que se diz numa autoridade, ou é manha de desresponsabilização. Não me pus a discutir o que motivou cada uma das duas pessoas que usaram a fórmula diz que x. Com elas, quero eu dizer. Não ia agora sobrecarregar-lhes o fim de um dia de trabalho, ou o início de outro, com uma expedição às profundezas da alma. E ainda podiam pensar que não acreditava no que tinham dito, o que está a um passo de lhes estar a pôr em cheque o carácter. Fosse porque se teriam deixado enganar por alguém que diz que. Seja porque reproduziriam falsidades com indiferença. Poucas coisas haverá que as pessoas levem tanto a mal como que desconfiemos delas. E nada faz pensar que se está a desconfiar de alguém como perguntar-lhe diz quem. Disse-lhes só pois é, diz que sim. Acima de tudo, a civilidade. É o que eu acho. E no que à civilidade diz respeito, não há nada como um pois é para manter a paz. Aprendi isto a duras penas, aliás. E desde que esta lição se me gravou no espírito, nunca mais tive problemas. Se alguém ocupa o lugar do estacionamento de que eu estava à espera há vinte minutos, respondo-lhe ao olhar triunfante de e agora que é que vais fazer, ó tanso, com um pois é. Nunca falha. O canalha fica desarmado. Varre-se-lhe do olhar o desafio e pespega-se-lhe na cara uma surpresa completa. Aposto que da próxima vez não repete a canalhice. Também funciona bem dizer pois é para que alguém pense que concordamos com o que diz que, mesmo que achemos o que diz que um disparate. Que é o que mais acontece. Diz que o Afonso Henriques bateu na mãe. As coisas em que as pessoas acreditam ou em que querem que nós acreditemos. Mas se em vez do pois é eu disser que disparate, lá vão as mãos para a cintura. Mas quem és tu, gritam. Daqui ao insulto é um fósforo. E chegado o insulto já não adianta recuar para o pois é. Mesmo que pudesse ser tão eficaz como no caso do canalha que nos rouba o lugar de estacionamento, e deixar o indignado de cara à banda, o mal está feito, a violência instalada, e nada se fica a ganhar adicionando à selvajaria o ataque ao bom nome. Há que preservar pelo menos este, já que não se pode fazer nada pela ordem pública.
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