quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Se apenas a esquerda se tornasse numa melhor direita...

Quando leio artigos do João Miguel Tavares, fico sempre à espera que terminem com um “se apenas a esquerda deixasse de ser esquerda, eu deixaria de ser de direita”. A espera valeu a pena. No seu mais recente artigo Tavares diz o seguinte: “O meu grande problema com a actual esquerda nasce do desespero perante a impossibilidade de estabelecer os factos que deveriam preceder qualquer discussão (...) [esses factos] deveriam ser neutros, e a ideologia começaria a ser debatida a partir do seu assentamento: temos estes números e estes problemas, agora vamos definir as políticas – mais à esquerda ou mais à direita – para lhes dar resposta”. Quais são os factos que a esquerda devia aceitar como base para discussão? Nada menos que o programa político da direita. 

 Se nos abstivermos do primeiro “facto” (“a nossa capacidade de produzir riqueza”, curiosamente a maior obsessão política da esquerda nos últimos anos, e que tanta gente não se cansou de ridicularizar), são eles: “pagar a dívida”, “influenciar o rumo político em Bruxelas”, “enfrentar a crise demográfica” e garantir a “sustentabilidade da Segurança Social” (meu itálico). E qual é o papel que a esquerda devia cumprir, aceite o progama político da direita? 

A esquerda deve encontrar formas de fazer esse programa político funcionar – onde a direita, curiosamente, falhou olimpicamente. Com o último governo PSD/CDS, a dívida subiu galopantemente, o rumo político em Bruxelas não só não inverteu, como foi endurecido com a morte sacrificial do Syriza promovida pelo governo português - cujas políticas económicas levaram à saída de 400 mil pessoas do país, a maioria jovem e qualificada, resultando daí uma crise demográfica sem precendentes históricos e uma ameaça evidente à sustentabilidade da Segurança Social. 

 O que Tavares não percebe é que, a partir do momento em que aceitamos certos “factos”, não há que nada que possamos fazer para os mudar. Como bem entendeu este último governo. Se aceitarmos a necessidade de pagar a dívida sem “mas”, e se o programa do país ficar refém da esperança de “influenciar” o rumo político definido por Bruxelas, então não conseguiremos nem pagar a dívida, nem influenciar o rumo político de Bruxelas. É o desafio à inevetabilidade dos “factos”, são programas políticos alternativos que ameaçam a ruptura, que permitem devolver esperança às pessoas e libertar o país de um lento definhar. E é esse o papel que a esquerda deve cumprir. A meu ver. Que sou de esquerda.

3 comentários:

  1. Caro Luis Gaspar, nem sei qual dos estribilhos cansados hei-de eu aqui enaltecer!!
    Este " a morte sacrificial do Syriza promovida pelo governo português " é sempre delicioso.

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  2. Good luck with that, Mr Gaspar. The Left in its usual, delusional, mode.

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  3. Já que se recusa a aceitar determinados "factos", seria bom que, além de sustentar essa recusa na mera vontade de lutar contra inevitabilidade de tais "factos", pelo menos avançasse com uma explicação alternativa da realidade que justifique a não inevitabilidade de tais "factos".

    Neste momento não só não concordamos com o diagnóstico "o paciente tem cancro", como o único argumento que o Luís avança é "recuso-me a aceitar que seja cancro". Fá-lo sem avançar qualquer explicação alternativa para os "sintomas", dizendo apenas "se for cancro não vale a pena lutar, por isso o importante é lutar contra a inevitabilidade do diagnóstico". Qualquer discussão séria sobre a forma mais eficaz de atacar a "doença" fica bloqueada. Se quer efectivamente pôr em causa o "diagnóstico", a única forma eficiente do fazer é avançar uma teoria alternativa.

    O seu post não ajuda nada a mudar a perspectiva de quem está no outro lado, porque nem sequer o tenta fazer. Limita-se a recusar debater nos termos do outro, sem propôr uma base diferente de discussão.

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