terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Descobertas natalícias

Durante anos achei que a expressão sobre serem os miúdos quem nos envelhece reflectia o desgaste que as crianças nos provocam: a privação de sono nos primeiros meses, a constante atenção, a preocupação quando ficam doentes, etc. Como não tenho filhos, estava muito descansada quanto à evolução da minha cutis faciei. Mas a Consoada deste ano fez-se em casa da minha irmã mais velha e descobri que a enteada dela já acabou o curso de Design. Porra!, eu ia jurar que lhe tinha oferecido uns Pinypons há dois anos. (Joana, se há dois anos te ofereci uns Pinypons, peço desculpa pela inadequabilidade de tal prenda à tua faixa etária.) Afinal, isso das crianças nos tornarem velhos é porque é através da idade deles que tomamos consciência da nossa.

Bom, mas não foi esta epifania que me levou a escrever este texto. Depois de descobrir que a Joana é uma recém-licenciada, veio a pergunta natural sobre os seus planos para o futuro profissional. Eu posso estar, afinal, velha, mas ainda conheço termos como Millennials e sei que ela faz parte deles. Sendo designer, vi-lhe boas oportunidades no estrangeiro, onde a criatividade portuguesa tem algum potencial para ser reconhecida. Mas a Joana respondeu com o CEAGP. "Cê-A-Quê?!". "GP, de Gestão Pública. Curso de Estudos Avançados em Gestão Pública." E assim veio a minha segunda descoberta da noite, tão ou mais admirável que a primeira. Parece, então, que existe em Portugal um curso que dá acesso directo a um emprego na função pública. É este: chama-se CEAGP e custa 5000 euros. Ou seja, quem tem 5000 euros pode garantir um emprego público. É ir ao site do INA e descobrir os pormenores. Mas não é muito mais que isto. É preciso ter uma licenciatura (em Design, por exemplo, ainda que possa parecer estranho que o Estado precise de designers); conseguir entrar no curso e completá-lo com média não inferior a 12 valores; e, claro, ter capacidade para pagar 5000 euros. Sou só eu a achar que isto é comprar um emprego na administração pública?! E que é um óbvio exercício de exclusão social?!

Entretanto, o meu nível de indignação reduziu-se bastante e estou muito mais tranquila. Tudo graças à mensagem de Natal do nosso Primeiro-Ministro. Eu sei que ele estava num jardim-escola, mas certamente "a democratização do conhecimento é essencial para reduzir as desigualdades e garantir a todos iguais oportunidades de realização pessoal" é algo que se aplica perfeitamente a este contexto, pelo que 2017 deverá acabar com esta discriminação.

1 comentário:

  1. Sob a dúvida que tem eu dirigir-me-ia, por email, ao Tribunal de Contas, perguntando se este dispõe uma avaliação da política pública a que se referiu, e que está a ser aplicada desde o ano 2000.

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