O recentemente falecido historiador Tony
Judt publicou em 1995 um ensaio sobre a Europa, traduzido recentemente para
português. Judt era um europeísta convicto e, no entanto, estava convencido de
que uma Europa verdadeiramente unida é altamente improvável e é
contraproducente insistir nessa ideia.
A partir de meados do século XIX,
brotaram várias vozes a clamar pelos “Estados Unidos da Europa” e desde então
até aos anos 30 do século XX houve diferentes propostas para delinear uma
federação económica europeia. A maioria não deu em nada. As que foram além do
papel duraram pouco. O caso mais conhecido é o Cartel Internacional do Aço, assinado
em Setembro de 1926 pela França, Alemanha, Bélgica e Sarre. Em 1931, no auge da
Depressão, a coisa já se tinha desfeito. No final da II Guerra Mundial, ainda
ecoavam os planos nazis de uma Nova Ordem Europeia e, por isso, a ideia de uma
Europa Unida surgia então com conotações sinistras.
É, pois, um mito a versão oficial de que
a União Europeia é o resultado de um destino histórico ou que a “Europa” foi
reconstruída por idealistas. Em meados dos anos 50, era raro descobrir na
Europa políticos ou intelectuais essencialmente preocupados com uma Europa
unida. A maioria estava concentrada nos problemas e nas políticas do seu
próprio país. Os egoísmos nacionais, de que tanto se queixam hoje os
idealistas, não nasceram ontem, estiveram presentes desde sempre. Só 50 anos de
propaganda maciça e de histórias da carochinha contadas a sucessivas gerações
explicam o esquecimento ou a omissão deste facto essencial.
Não houve, pois, qualquer consciência
europeia no nascimento da “Europa”, houve, isso sim, uma “europeização” de
problemas internos, sendo a França a grande incentivadora e beneficiária desse
processo.
A França, uma das grandes derrotadas da
Guerra, precisava desesperadamente de carvão para a sua indústria de aço e só a
Alemanha lho podia fornecer. Depois de várias tentativas frustradas para se
apoderar da valiosa matéria-prima, que passaram nomeadamente por negociações
com os russos (que controlavam uma parte da Alemanha), viram-se obrigados a
fazer um acordo com a Alemanha, os países do Benelux e a Itália para criar a
CECA em 1951. Foi uma iniciativa inspirada e de pura sorte. Os americanos e,
sobretudo, os ingleses estavam mortinhos por se verem livres do fardo de
alimentar milhões de bocas (10 milhões vinham das antigas comunidades alemãs na
Checoslováquia, Polónia, Roménia, etc.) e interessava-lhes em consequência que
a Alemanha se desenvolvesse. Por seu lado, o chanceler Konrad Adenauer viu logo no Plano
Schuman uma ” oportunidade” da Alemanha recuperar a sua
soberania e regressar ao seio da comunidade internacional.
Entretanto, com o início da guerra fria
em 1947, a “Europa” pôde contar com o chapéu americano e com os dólares do
plano Marshall (1948-1952), que, independentemente das mil e uma interpretações
sobre os seus efeitos, acelerou sem dúvida o processo de crescimento económico
europeu. Duas guerras devastadoras, com uma grande depressão pelo meio, criaram
ao mesmo tempo um enorme potencial de crescimento, uma espécie de efeito do tempo
perdido - só em meados dos anos 70 o peso das exportações e importações dos países europeus se tinha aproximado do seu valor de 1929.
Os europeus criaram entretanto a ilusão
de que tinham encontrado uma fórmula mágica para o crescimento económico, sendo
a “Europa”, retrospectivamente, vista como o ingrediente decisivo. Isto
permitiu-lhes criar o Estado Social e tornar a “Europa” um polo magnético cujo
sucesso, supostamente, exigia uma integração cada vez mais reforçada.
A
queda do muro de Berlim foi o princípio do fim de muitas ilusões. Com a adesão
dos países de leste, que a França, compreensivelmente, tudo fez para evitar, a centralidade
económica da Alemanha foi reforçada com a centralidade geográfica. A França começou
lentamente a cair na realidade, vendo-se reduzida à sua verdadeira dimensão, a
de uma potência regional (grande parte do seu comércio está centrado em apenas
9 países europeus). Ficava agora à vista de todos que a grandeur da França era
uma ilusão, sustentada, em grande parte, pelo poder, até então, discreto da Alemanha.
O abrandamento do crescimento económico e, em especial, a crise que atravessamos trouxeram à superfície as velhas divisões ("egoísmos", como alguns dizem) e abalaram irremediavelmente as perspectivas optimistas em que assentava todo o projecto europeu.
O euro pode bem ter sido o último grande salto em frente da “Europa”. Como sublinha Tony Judt, seja o que for que possibilitou a Europa Ocidental que hoje temos, foi certamente único – e irrepetível. E nunca mais ninguém terá igual sorte.
O abrandamento do crescimento económico e, em especial, a crise que atravessamos trouxeram à superfície as velhas divisões ("egoísmos", como alguns dizem) e abalaram irremediavelmente as perspectivas optimistas em que assentava todo o projecto europeu.
O euro pode bem ter sido o último grande salto em frente da “Europa”. Como sublinha Tony Judt, seja o que for que possibilitou a Europa Ocidental que hoje temos, foi certamente único – e irrepetível. E nunca mais ninguém terá igual sorte.