terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Ouro puro

O Gregory Dunne, aquele rapaz que entrou no filme "Who's That Girl?" com a Madonna, fez um documentário sobre a sua tia, a Joan Didion, que é tão bom, tão bom! Está no Netflix e chama-se "The Center Will Not Hold". Há uma parte que é descrita em baixo, nesta peça da The New Yorker, da qual me lembro nitidamente porque quando ouvi a resposta de Joan Didion fiquei estupefacta com a franqueza, mas também fiquei cheia de curiosidade de ler a senhora.

"In one of several genial interviews, Dunne asks Didion about an indelible scene toward the end of her Haight-Ashbury essay—which, as any student who has ever taken a course in literary nonfiction knows, culminates with the writer’s encounter with a five-year-old girl, Susan, whose mother has given her LSD. Didion finds Susan sitting on a living-room floor, reading a comic book and dressed in a peacoat. “She keeps licking her lips in concentration and the only off thing about her is that she’s wearing white lipstick,” Didion writes. Dunne asks Didion what it was like, as a journalist, to be faced with a small child who was tripping. Didion, who is sitting on the couch in her living room, dressed in a gray cashmere sweater with a fine gold chain around her neck and fine gold hair framing her face, begins. “Well, it was . . .” She pauses, casts her eyes down, thinking, blinking, and a viewer mentally answers the question on her behalf: Well, it was appalling. I wanted to call an ambulance. I wanted to call the police. I wanted to help. I wanted to weep. I wanted to get the hell out of there and get home to my own two-year-old daughter, and protect her from the present and the future. After seven long seconds, Didion raises her chin and meets Dunne’s eye. “Let me tell you, it was gold,” she says. The ghost of a smile creeps across her face, and her eyes gleam. “You live for moments like that, if you’re doing a piece. Good or bad.”

Fonte: The New Yorker, 27/10/2017

domingo, 28 de janeiro de 2018

Malandragem!

No dia 23 de Janeiro, comprei filme para a minha Fujifilm Instax Mini na Amazon: seis pacotes de 20 fotos cada, totalizando $85.86. Como sou forreta escolhi a entrega grátis, que é a que demora mais tempo. Entregaram hoje, ao Domingo, enquanto eu estava na sala a desfrutar o meu café, poucos minutos depois de ter terminado o último post aqui no blogue.

Ele há muita malandragem no mundo: então a senhora que me veio entregar o pacote não tinha nada que estar a trabalhar a estas horas e que companhia tão mal-gerida, que demora menos de uma semana a entregar uma coisa ao cliente — o pacote veio de Las Vegas, no Nevada, que fica a mais de 2300 Km de mim, ou seja, são mais de 21 horas de carro, mais tempo para dormir, refeições, etc. Em Portugal, que é um país pequenito, mas mais eficiente e civilizado, demoraria muito mais tempo.

(Des)igualdades

Não entendi as notícias sobre a creche dos miúdos dos trabalhadores da Auto-Europa. Já percebi que há quem ache mal que se trabalhe ao Sábado, mas quem é que vai trabalhar ao Sábado para tomar conta dos putos? Também gostaria de saber se os trabalhadores da Auto-Europa que são “prejudicados” por trabalhar ao Sábado são maioritariamente homens, enquanto que os trabalhadores que são “beneficiados” por trabalhar em creches ao Sábado são maioritariamente mulheres.

Já agora, acho que todos os portugueses deviam assinar um compromisso dizendo que, daqui para diante, só terão acidentes e ficarão doentes durante o horário normal de trabalho. Ao final de Sexta-feira, os doentes hospitalizados terão de ir para casa e só regressar ao hospital na Segunda-feira de manhã. Ah, e nada de frequentar transportes públicos, centros comerciais, cinemas, museus, restaurantes, cafés, etc. ao fim-de-semana porque toda a gente tem o direito a desfrutar de tempo com a família.

sábado, 27 de janeiro de 2018

Engolir a pílula

“Pais e filhos”, publicado em 1862, é o melhor romance de Ivan Turguéniev (1818-1883) e um dos melhores do século XIX. Nikolai Petróvitch ouve por acaso uma conversa entre o seu filho Arkádi e o amigo Bazárov, um niilista radical – é, sem dúvida, a grande personagem do livro. Bazárov diz: “O teu pai é boa pessoa, mas é um homem antiquado, o tempo dele já passou.” Estas palavras desanimam o “velho” Nikolai, na altura com quarenta e poucos anos. Apesar de viver no campo, este aristocrata generoso e culto esforçava-se por se manter actualizado e a par das modas intelectuais e políticas, havia lido os grandes autores, autores que a juventude via agora com desdém, considerando-os inúteis e uma perda de tempo. Nikólai desabafa então com Pável, o seu irmão mais velho: “Sabes do que me lembrei mano? Uma vez discuti com a nossa falecida mãe: ela gritava, não me queria escutar… Eu por fim disse-lhe: «a mãe não me pode compreender, pertencemos a duas gerações diferentes.» Ela ficou horrivelmente ofendida, e eu pensei: que fazer? A pílula é amarga, mas é preciso engoli-la. Pois agora chegou a nossa vez, e os nossos herdeiros também nos podem dizer: vocês são de outra geração, engulam a pílula.”
Turguéniev captou de forma genial uma questão intemporal. De uma forma ou outra, tarde ou cedo, temos de engolir a pílula. É a vida.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Contra a democracia

Em 2016, antes ainda da vitória de Donald Trump, Jason Brennan publicou o seu provocatório “Against Democracy”. Brennan parte de uma premissa: em geral, os votantes são uns ignorantes – os americanos, mas não há nenhum motivo para acreditarmos que os do resto do Ocidente são melhores. O cientista político vê a sociedade americana dividida em três grandes grupos. Os hobbits são as pessoas desinformadas, não sabem nem querem saber dos assuntos públicos e deviam abster-se de qualquer responsabilidade política – nos EUA correspondem, grosso modo, aos abstencionistas, mais de 40% do eleitorado. Os hooligans acompanham as notícias da política como quem acompanha as notícias do seu clube de futebol, ou seja, de forma completamente enviesada. Por fim, os vulcanos estudam os assuntos políticos com objectividade, ouvem os outros e ajustam se necessário as suas opiniões. Estamos perante tipos-ideais, para usarmos a terminologia de Max Weber. De qualquer maneira, a larga maioria dos americanos é hobbit, hooligan ou fica algures entre os dois.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Alternativas

Na Terça-feira, fui ao Tribunal da minha cidade para ser seleccionada para o júri de um julgamento. Não contei o número de pessoas que lá estavam, mas deviam ser mais de 30 porque estava programado haver quatro julgamentos, mas três foram cancelados -- cada julgamento precisa de 6 pessoas no júri, mas temos de ter em atenção que algumas saem porque têm conflitos de interesse, outras são excluídas pela defesa ou pela acusação.

Surpreendeu-me que, no meio de tanta gente, quase todos fossem brancos e predominantemente homens. Uma das formas de sermos desculpados do "dever de ser jurado" (traduzo assim "jury duty") é ter ao nosso cuidado uma criança de 12 anos ou mais nova, logo este critério deve excluir muitas mulheres. Eu devia ser a mulher mais jovem que lá estava e, para minha surpresa, fui a única seleccionada para participar no julgamento.

Como nunca tinha sido chamada para uma coisa destas, para mim foi uma experiência educativa, que ainda estou a processar. Recordei-me de um episódio que me aconteceu há uns anos, em que um colega meu, ao falar da evolução dos preços de uma commodity disse que havia três alternativas: ou o preço subia, ou descia, ou ficava na mesma, logo 33,3% para cada lado. Quando ele disse aquilo, tive uma reacção visceral imediata porque a probabilidade de um preço ficar na mesma de um dia para o outro é quase nula, logo os 100% são quase na totalidade divididos entre ou vai para baixo ou vai para cima. Mas aquele erro é muito comum...

Agora que penso nas escolhas do veredicto, pergunto-me que impacto terá na forma como as pessoas processam as suas alternativas. No caso da multa, os veredictos possíveis eram "guilty" ou "not guilty", mas o "guilty" tinha também a possibilidade de escolha de uma multa que ia de um mínimo de $1 a um máximo de $200. Quando o advogado de defesa instruiu o júri, disse-nos que perante a lei nós tínhamos de presumir inocência, logo qualquer dúvida devia dar um veredicto de "not guilty". Só que não é bem o caso porque o veredicto tinha de ser unânime, logo todos os jurados tinham de reconhecer ter uma dúvida para concluir "not guilty".

O caso era insignificante: uma multa por conduzir a 70 milhas por hora, numa área em que o limite está assinalado como sendo 60. No Texas, não há limite de velocidade máxima, mas temos de conduzir a uma velocidade que não é “unreasonable and imprudent under the circumstance then existing”. Se está assinalado um limite, entra em consideração a questão de limites de velocidade "prima facie", em que velocidades acima desse limite podem não ser prudentes ou razoáveis -- ou seja, é necessário avaliar as condições.

No julgamento, tivemos oportunidade de ver o vídeo da polícia em que a pessoa acusada ultrapassa os 70 mph por uns segundos e é parada pela polícia. Na minha opinião, não achei a velocidade perigosa, aliás estava tudo a conduzir a mais de 60 mph, quase a 70 mph, inclusive um camião, que penso colocar um risco maior, mas a minha dúvida, que era partilhada por outra pessoa, não foi suficiente para absolver porque há quem ache que 70 mph é o limite de perigoso. Dizia eu aos meus colegas que havia um carro à frente que ia mais rápido do que o da pessoa acusada, logo a velocidade da pessoa acusada inseria-se no argumento de "flow of traffic", só que me responderam que esse carro ia muito mais à frente e estava mais longe da polícia e alguém cometer uma violação e safar-se não serve de desculpa para safar quem é apanhado.

Tenho a ligeira sensação de que o meu papel de refilona não serviu a justiça; apenas serviu para minimizar a injustiça. O meu opositor principal disse-me que, se eu aceitasse dar um veredicto de "guilty", ele aceitaria dar uma multa de $1. Pensei nas alternativas: a pessoa ia a tribunal outra vez e corria o risco de ser culpada e ter uma multa maior ou não ia a tribunal e pagava a multa, que é mais de $1. Aceitei mudar o meu veredicto em troca da multa mínima. No final, o homem que me opôs perguntou-me o que eu fazia: sou economista.

Um outro senhor, muito mais discreto do que eu e que também estava disposto a dar o veredicto de "not guilty", veio ter comigo no final e disse que aquilo era o melhor que podíamos ter feito dada a composição do júri e sugeriu que déssemos os $6 que cada um recebeu em troca do nosso serviço à pessoa acusada e que lhe disséssemos "We're sorry, but this is the best that we could do under the circumstances". Assim fizemos e entregámos os $12.

Mas continuo insatisfeita e com vontade de refilar: estou a avaliar as minhas alternativas...

A morte da perícia

Tom Nichols publicou The death of expertise em 2017, depois do Brexit e da vitória de Donald Trump. Para Nichols, a morte da expertise não é sinónimo de um saudável cepticismo em relação aos especialistas. A morte da perícia é, antes de mais, um rancor ou ressentimento dos leigos para com os especialistas. Nesta fase pós-industrial, todos os cidadãos acreditam ser especialistas em tudo e mais alguma coisa.
Perante a morte da perícia, a explicação recorrente é acusar a internet. De facto, a internet é um extraordinário repositório de conhecimento e, ao mesmo tempo, uma fonte de conhecimentos errados. Mas esta explicação é demasiado simples. Os ataques ao conhecimento estabelecido têm uma longa história. A internet é apenas o elemento mais recente num problema com raízes profundas. Assim, além da internet, Nichols identifica mais três grandes causas da morte da perícia: as fraquezas humanas (a aversão à ambiguidade e à dissonância; a crença, bastante enraizada, num mundo ordenado) que nos levam a cometer erros sistemáticos (enviesamentos); a educação; e o novo jornalismo.
A educação poderia ser a solução de problemas como o “enviesamento da confirmação” ou das falhas e lacunas de conhecimento dos cidadãos. Infelizmente, a educação faz hoje parte do problema. O estudante é tratado como um cliente. O cliente paga e tem sempre razão. Esta tendência gerou efeitos altamente perversos. A necessária humildade do bom estudante deu, muitas vezes, lugar a uma arrogância sem fundamento, acompanhada de um conhecimento ilusório. Os estudantes não desenvolvem hábitos de autocrítica que lhes permitam continuar a aprender e a avaliar as complexas questões sobre as quais terão de deliberar e votar como cidadãos.
Por fim, os jornalistas profissionais enfrentam novos desafios na era da informação. No meio altamente competitivo dos media, os editores e produtores não têm mais a paciência – ou os meios financeiros – para permitir aos jornalistas desenvolverem a sua própria perícia ou um conhecimento mais profundo dos assuntos. Para mais, não há sequer provas de que a maioria dos consumidores esteja interessada em muitos detalhes. E as pessoas envolvidas na indústria das notícias sabem hoje que, se as reportagens não entreterem o suficiente, o público pode facilmente encontrar outras com um simples clique.
O desprezo pelos especialistas está a minar a democracia, conclui Nichols. Os representantes eleitos não podem dominar todos os assuntos e, por consequência, irão precisar sempre dos especialistas e de outros profissionais. Os especialistas aconselham; os líderes eleitos decidem. Para julgar o desempenho dos especialistas e as decisões dos políticos, os cidadãos devem familiarizar-se com os assuntos em questão. Tal não significa um estudo profundo sobre as políticas, mas exige interesse em obter uma literacia básica nos assuntos que afectam as suas vidas.
Quando os cidadãos se afundam na ignorância, perdem o controlo das decisões importantes. Pior, a democracia pode ser sequestrada por demagogos ignorantes ou as instituições democráticas podem, paulatinamente, cair na decadência. A democracia pode transformar-se numa tecnocracia autoritária. E este último ponto leva-nos ao "elitismo" - uma espécie de populismo virado do avesso - e ao livro “Against democracy” do cientista político norte-americano Jason Brennan de que falarei noutra oportunidade.

Contos zen para crianças boas 80

1.      Cavalgamos por aquele bosque cerrado, até chegarmos a uma clareira pequena, após atravessarmos um rio veloz, com os nossos cavalos já cansados, porque lutámos contra ursos e cavalgamos desde madrugada, sob a ameaça dos lobos, para chegarmos ainda nessa noite, ou entre a noite e a alvorada, sem parar um minuto que seja, nem perante o evidente cansaço dos cavalos, nem por causa de uivos aterradores, ou de árvores fantasmagóricas, à clareira pequena onde nos espera refúgio de ursos e lobos, alimento para cavalos e uma cama merecida junto a uma fogueira crepitante. Não somos salteadores, nem príncipes. As aventuras acontecem a qualquer pessoa.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Um mal bastante disseminado e democratizado

“Madoff: Teia de mentiras” (The wizard of lies) é o melhor filme que se fez até ao momento sobre a tragédia Madoff. Barry Levinson é um realizador competente, um bom artesão. Robert De Niro e Michel Pfeiffer cumprem bem o seu papel de casal Madoff. Em Dezembro de 2008, Madoff revelou à família a enorme fraude que andara a urdir durante mais de 16 anos. Foram os filhos que o entregaram à justiça, apesar de Madoff declarar várias vezes que se entregaria de qualquer maneira. Antes de mais, o filme centra-se na tragédia familiar. Os dois filhos morreram, entretanto. O mais velho suicidou-se com 46 anos em 2010. O mais novo morreu em 2014 de cancro, com 48. Madoff, agora com 79, espera pela morte na prisão. A mulher, Ruth, deixou de lhe falar e foi abandonada e ostracizada por todos, excepto por uma irmã, ela própria vítima das vigarices do cunhado. O filme aborda, de raspão, a incompetência dos reguladores, os quais não cruzam informação entre si, e são ingénuos ao ponto de acreditarem na palavra de um vigarista - onde é que já vimos este filme?
Madoff deixa no ar a pergunta se é ou não um sociopata. Claro que é, como o são muitos desses gurus empresariais e da alta finança. Gente especialista em contornar regras, atreitos a correr grandes riscos e sem um pingo de remorsos nas veias. A diferença de Madoff é que confessou e, por isso, está preso – a justiça americana também não é bem essa maravilha que às vezes se diz. Os outros sociopatas, os que puseram a economia mundial à beira do precipício, foram os primeiros a erguer-se e, muitas vezes, a aproveitar-se dos destroços que eles próprios provocaram.
Madoff diz várias vezes que o problema é a ganância das pessoas. Ele próprio recomendava aos seus clientes que não investissem mais de metade do seu dinheiro nos seus fundos. Mas os clientes não resistiam. Queriam mais e mais, e depois muitos ficaram a arder, sem nada. Isto não iliba nem desculpa Madoff, claro. Mas é um problema que muitas vezes nos esquecemos ou preferimos ignorar. Preferimos atribuir a culpa toda aos Madoffes deste mundo – ele bem se queixa, com alguma razão, que foi transformado no bode expiatório de todo o sistema. Estes vigaristas aproveitam-se das fraquezas humanas, e uma delas é a ganância, um mal bastante disseminado e democratizado. Infelizmente.


domingo, 21 de janeiro de 2018

Uma ideia, não uma raça

Quando o Presidente Trump acusou alguns países de serem "shitholes" e questionou porque é que os EUA não atraíam mais pessoas da Noruega, a pessoa que o opôs foi Lindsey Graham, um senador republicano da Carolina do Sul que disse "A America é uma idea, não é uma raça" e ofereceu a diversidade dos EUA como uma força, em vez de uma fraqueza.

Ontem, na Marcha das Mulheres, em Houston, o Mayor da cidade, Sylvester Turner, um homem democrata e negro, afirmou o mesmo no seu discurso. Houston é a cidade com mais diversidade dos EUA: uma em cada quatro pessoas nasceu noutro país e os residentes de Houston falam mais de 140 línguas. "A causa é justa", disse, acerca da motivação da Marcha das Mulheres, mas diversidade é apenas uma condição necessária, não é uma condição suficiente para honrar os valores mais altos pelos quais marchamos. Também é necessário que haja inclusão, alertou o Mayor, que todos tenham representação democrática: que haja maior diversidade nos candidatos, no voto, e na eleição e nomeação de pessoas. É importante que todos os residentes encontrem uma forma de participar na construção do futuro da cidade para que o processo de inclusão seja aprofundado. Nesse aspecto, apresentou Houston como um farol para o resto do país: o futuro dos EUA é tornar-se ainda mais diverso e inclusivo, não há como parar este movimento e quem o opuser estará do lado errado da história.

Quem olha para a Marcha das Mulheres e acha que para os americanos é suficiente que haja mais mulheres no governo não compreende a natureza dos EUA. A causa da Marcha das Mulheres é elucidativa: procuram-se candidatos, homens e mulheres, de raças e etnias diferentes, de orientação sexual diferente, de estratos sociais diferentes, etc. Ser mulher não é suficiente. Aliás, é essa uma crítica que se faz à Casa Branca de Trump: não há diversidade étnica, nem racial, nem socio-económica. Omarosa Manigault-Newman, uma mulher negra assessora de Trump na Casa Branca, que era uma linha de defesa contra esta crítica, demitiu-se recentemente. Em fotografias oficiais, o Presidente Trump rodeia-se de mais homens, quase todos brancos, em contraste com as fotos da Administração Obama -- a equipa de Trump contem mais homens do que as equipas dos últimos seis presidentes.

A 20 de Março irão realizar-se as eleições primárias para as mid-terms de 2018, nos EUA. Nessa altura, poderemos avaliar se a mensagem de diversidade e inclusão está a ganhar força.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Oposição construtiva

Depois de Rui Rio ter ganhado a liderança do PSD, o Primeiro Ministro António Costa afirmou que a oposição de Rui Rio não seria "seguramente difícil" de ser melhor do que a de Pedro Passos Coelho e desejou que fosse uma "oposição construtiva".

"Oposição construtiva" dito por António Costa parece-me um oxímoro, pois, do ponto de vista dele, algo construtivo não pode ser oposto ao que ele quer e algo oposto não pode ser construtivo. Senão, vejamos: se a oposição de Rui Rio é vista como construtiva por António Costa, significa que o Governo está a fazer alguma coisa que precisa de ter oposição e se esta oposição é construtiva, então a coisa que está a ser feita não deve ser muito boa. Nesse caso, se a coisa não é boa por que é que António Costa a defende?

Mas se ele acredita em "oposição construtiva", certamente que a praticou quando Pedro Passos Coelho era Primeiro-Ministro, logo seria importante que algum jornal ou TV nos fizesse uma revisão do que é "oposição construtiva" segundo António Costa enquanto líder da oposição. Recordo-me que, quando António Costa subiu ao poder, ninguém percebeu o que iria ser um governo dele.

Faz, no entanto, sentido falar-se em "oposição construtiva" do ponto de vista dos cidadãos. Pessoalmente, prefiro situações em que todos os partidos são fortes e têm pessoas competentes que consigam articular os diferentes pontos de vista do eleitorado. É lógico que é impossível agradar a toda a gente, mas haver forças opostas significa que o país seguiria um caminho mais regrado, em que os excessos são improváveis.

Espero que Rui Rio consiga aumentar a qualidade do debate político em Portugal. A primeira tarefa é controlar a mensagem do PSD, um partido que passa demasiado tempo a lavar roupa suja em público e descura o estudo e a proposta de políticas alternativas. Não é suficiente estar na oposição para se fazer oposição. É preciso conhecer o país e o mundo em que nos inserimos, identificar riscos e oportunidades, e ter planos de curto e de longo prazo. A curto prazo, é preciso compreender os pontos fracos da política proposta pelo governo e oferecer alternativas, mas deixem-se do pseudo-liberalismo esquizofrénico e do moralismo anacrónico a que nos habituaram.

Uma forma fácil de ser alternativa ao PS é melhorar a qualidade dos deputados do PSD: diversidade etária, de género, de percurso profissional, etc. Invistam em pessoas com valor que sejam bons líderes hoje, mas que também possam liderar no futuro, em vez de andarem a fabricar pessoas como Miguel Relvas. E liberalizem os votos da bancada do PSD no Parlamento: deixem que os deputados votem com a sua consciência -- note-se que é necessário que tenham consciência -- e incentivem o contacto dos deputados com o eleitorado. Com a Internet não é assim tão difícil e caro de fazer. O PSD precisa de demonstrar que está no Parlamento para servir o povo que representa e não para tratar da vidinha dos do costume.






quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Domingo: Power to the Polls

No próximo Domingo, irá celebrar-se o primeiro aniversário da Women's March on Washington, D.C., que foi um evento que mobilizou pessoas por todo o mundo: foi apenas a maior manifestação colectiva de sempre. Irá haver outra marcha, no Domingo, que terá vários propósitos: o primeiro é o de celebrar a Women's March; o segundo é o de marcar o início oficial do movimento "Power to the Polls, cujos objectivos incluem aumentar a participação das mulheres na vida política dos EUA, aumentando o número de candidatas para as eleições de Outubro de 2018 (as mid-terms), e também aumentar a participação política em distritos críticos para mudar a orientação do Congresso americano.

Tal como no ano passado, irá haver uma marcha principal, desta vez em Las Vegas, Nevada, que foi o local do tiroteio que matou 58 pessoas e feriu mais de 500, em 2017, e outras marchas de solidariedade por todo o mundo. Portugal não tem nenhuma marcha registada, mas um de vós pode organizar uma no sítio onde vive. Se o fizerem, não se esqueçam de registar o evento na página oficial do Power to the Polls.

domingo, 14 de janeiro de 2018

Óptimos

"How do you drive to Memphis?!?" perguntou a J. Respondi-lhe "Drive to Texarkana, then Little Rock, AR, turn east and go until you hit Memphis." Fazia-lhe confusão que eu fizesse um percurso tão longo de carro, quando ela, com 92 anos nunca tinha sequer tomado uma refeição num restaurante sozinha -- a culpa era do marido, diz-me ela frequentemente, que a tinha mimado demasiado e, mesmo após ele morrer, há mais de 10 anos, ela apenas come fora acompanhada.

São quase 950 Km pela rota mais curta; mas nos EUA distâncias assim são normalmente medidas em termos de horas. Se não há trânsito em Houston e em Memphis e não há muitas obras na auto-estrada, consigo fazer o percurso em cerca de pouco mais de 10 horas, incluindo paragens para meter gasolina e comer, mas só posso comer fast food. Se comer uma refeição completa, e eu gosto sempre de parar pelo menos uma vez no Cacker Barrel durante as minhas roadtrips, demoro mais uma meia-hora, pelo menos.

No Domingo passado, quando regressei a Houston, completei o percurso em 9 horas e 53 minutos, o meu melhor tempo. Saí de Memphis depois das 13 horas e parei para verificar a pressão dos pneus. Pensei em almoçar dentro da cidade, mas como já era tarde e ainda estava cheia do pequeno-almoço tardio que tomei em casa de uma amiga, achei melhor fazer-me à estrada. Não resisti, no entanto, a descer a Poplar Av. até à baixa, em vez de adoptar uma das circulares. Demora mais, mas é uma das minhas ruas preferidas porque atravessa a cidade.

Talvez tenha sido um erro não ter almoçado porque, entre Memphis e Little Rock, não há quase nenhum sítio de jeito onde parar. Enquanto ruminava a sensatez da minha decisão, vi a saída para Palestine, AR, população 681, no census de 2010, e decidi parar, encher o depósito do carro e comer. Dentro do Love's -- a bomba de gasolina --, havia pouca escolha, mas resignei-me em comer no Chester's Chicken, cujo menu estudei durante vários minutos.

Há quem escolha comida pelo preço, mas eu costumo escolher pelas calorias e, como no Natal comi doces a mais e fiquei bastante doente, também tentei escolher algo que não tivesse muito trigo. Decidi que dois panados de frango, cole slaw, e uma taça de fruta seriam um bom almoço. Cole slaw é uma salada de couve branca crua cortada em julienne, cenoura, e um molho (normalmente vinaigrette ou maionese).

Quando chegou a minha vez, fiz o pedido: "two chicken tenders, cole slaw, and a fruit bowl", ao que o rapaz, que era magro e desenvolto, falando com um sotaque do sul pronunciado, respondeu "three-piece meal or six-piece?" Repeti "two chicken tenders, cole slaw, and a fruit bowl" e ele repete a mesma coisa "three-piece meal or six-piece?" e diz que não vou poder comprar "two chicken tenders". Olho outra vez para o menu e está lá o preço individual dos itens: volto a pedir e ele volta a recusar-se.

Desisto e digo "three-piece meal" -- pronto, lá se vão as calorias para o galheiro e ainda por cima a refeição traz um "biscuit", que é um pão de buttermilk, com 400 calorias, apenas um terço das minhas calorias diárias... O empregado explica-se "I'm not trying to be difficult, but you can get everything you want in a meal and it's cheaper. I'm just trying to save you money." O homem que está atrás de mim na fila comenta o empregado ser obstinado. Digo-lhe que o dinheiro é meu e tenho o direito de gastar como me apetecer, mas de nada vale. Pago a refeição, agarro na comida e vou sentar-me numa mesa.

Na TV, falam do ritual do chá no Reino Unido; no alti-falante anunciam quando os duches estão livres para os camionistas. Não comi tudo; guardei parte para o jantar e foi por isso que demorei menos de 10 horas a conduzir de Memphis a Houston. Nem sempre o cliente tem razão. De vez em quando, há um puto esperto que acha que sabe optimizar o consumo dos outros e acaba poupando-lhes tempo...

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Fall in love

“Fall in love with some activity, and do it! Nobody ever figures out what life is all about, and it doesn't matter. Explore the world. Nearly everything is really interesting if you go into it deeply enough. Work as hard and as much as you want to on the things you like to do the best. Don't think about what you want to be, but what you want to do. Keep up some kind of a minimum with other things so that society doesn't stop you from doing anything at all.”


― Richard Feynman