terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Casas baratas e país às baratas

Há várias razões para o imobiliário em Portugal ter ficado bastante caro. Do lado da procura, podemos mencionar as seguintes: depois da crise da dívida soberana e como forma de estabilizar a banca portuguesa e conseguir fundos para a economia, o governo português decidiu promover a compra de casas em Portugal por parte da comunidade emigrante. O aparecimento do Airbnb e a dinamização de grupos de emigrantes portugueses no Facebook também incentivou a aquisição e a a renovação de casas como oportunidade de negócio tanto por emigrantes como por residentes em Portugal.

O fenómeno dos emigrantes portugueses gastarem dinheiro em casas em Portugal não é novo, já tinha acontecido durante o Estado Novo, só que enquando que os emigrantes de outrora construiam casas nas aldeias onde tinham as suas famílias, hoje em dia os emigrantes procuram casa em áreas mais urbanas e com boas oportunidades de lazer, ou seja, há uma concentração de procura em sítios como Lisboa e no Porto. Suspeito que o número de vistos Gold deve ter tido menos impacto no imobiliário do que o da comunidade emigrante. Dos meus amigos portugueses nos EUA, vários têm casa e nenhum a tem arrendada a outras pessoas. Recentemente, também houve políticas de incentivo ao retorno de emigrantes para Portugal e estas pessoas não foram para aí para ter menos poder de compra do que os residentes.

Depois há também os imigrantes que procuram Portugal como um sítio onde conseguir melhor qualidade de vida do que nos países de origem. As redes sociais e a imprensa internacional estão cheias de páginas a promover Portugal junto dos estrangeiros não só como destino de férias, mas também como sítio onde se viver. Mesmo sem a promoção oficial, é natural que Portugal não escapasse a esta tendência que parece ser internacional. Por exemplo, o Cheap Old Houses começou sendo uma página no Instagram onde se fazia publicidade a casas americanas com interesse arquitectónico a precisarem de ser renovadas, mas expandiu a geografia de interesee e agora tem uma lista internacional de casas baratas e até tem direito a programa de TV na HGTV. Há muitas contas de expatriados que promovem o seu estilo de vida noutros países: a Jamie Beck, americana, mudou-se para Provence, na França; a Stephanie Jarvis, inglesa, comprou um castelo a precisar de obras na França e criou um canal no YouTube para financiar o trabalho; a Gayle McNeill, inglesa, vendeu a sua casa em Inglaterra e mudou-se para o Algarve com o marido. E por aí fora...

Do lado da oferta, não se pode dizer que haja falta de casas em Portugal, dado que, segundo um estudo da OCDE, Portugal até tem mais casas per capita do que a maioria de países da OCDE, dado que está em quarto lugar, atrás da Grécia, França, e Itália. No entanto, talvez as casas que existem não se adequem às necessidades de quem procura casa. Os segmentos da população que têm maior dificuldade em mudar de/encontrar casa são as pessoas de mais baixos rendimentos, inclusive os reformados e os jovens que iniciam a vida profissional. Para estes, casas mais pequenas e de menor custo poderiam ajudar a resolver o problema. Talvez interessasse ao estado promover a renovação de prédios devolutos, mas aproveitando-os para fazer apartamentos mais pequenos, quiçá estúdios, que permitam aumentar a densidade populacional, sem sacrificar a privacidade.

Há também ideias que estão a ser implementadas que podiam ser exploradas a maior escala. Por exemplo, no Porto há o Programa Aconchego que emparelha jovens estudantes universitários que precisam de casa com pessoas de idade que vivem em casas com espaço para os acolher (tenho uma amiga neste programa). E porque não ter um programa deste género que emparelha reformados com casa que gostariam de companhia com reformados sem casa que não se importassem em dar companhia?

Outra ideia para aumentar a oferta de casas é facilitar a renovação de casas já existentes que precisem de obras, talvez com crédito com boas condições, ou até o estado a financiar as obras com a condição da casa ser arrendada a pessoas de rendimentos mais baixos. Frequentemente o licenciamento para obras é um dos entraves, logo as autoridades locais podiam rever as regras para agilizar o processo ou até educar a população acerca das regras para que a pessoa não gaste o dinheiro em obras e depois não passa a inspeção.

A diversificação geográfica da actividade económica também pode ser usada para adequar a oferta e a procura. Hoje em dia com a Internet não se justifica que tantos empregos ainda estejam localizados em Lisboa e Porto, com o resto do país subaproveitado.

Quanto à ideia de se construir mais casas, acho má. Por um lado, com o envelhecimento da população e a baixa da natalidade, não faz sentido estar a gastar recursos em construir casas, a não ser que o plano seja mudar toda a gente que vive em zonas rurais para Lisboa e Porto e deixa-se o resto do país às moscas. Seria muito mais produtivo para o país se o financiamento fosse usado para construir negócios que gerassem empregos e dinamizassem outras regiões do país, em vez de mais casas. Até porque dificilmente quem tem dificuldade em encontrar casa agora tenha recursos para se mudar para uma casa acabada de construir, ainda por cima com o custo de construção a aumentar devido à inflação.

Mas pode ser que o problema se resolva a si próprio. Nos últimos dias apareceram vários portugueses num dos meus grupos de Facebook a perguntar como emigrar para os EUA. Ele é tecnicos de HVAC, licenciados em Desporto, soldadores, motoristas de pesados, geógrafos,... Daqui a nada, Portugal fica só com baratas e pessoal dos partidos.

sábado, 18 de fevereiro de 2023

Uma lata de tinta ou uma hora com um advogado

Estava a ouvir o LA-C a ser entrevistado na SIC e ele sugeriu que se fizesse um inquérito acerca do porquê de proprietários não colocarem as casas a arrendar. Como eu sou senhoria em Portugal, e também já fui nos EUA, posso falar da minha experiência -- aliás já uma vez aqui vos mostrei a diferença de como o meu apartamento português é tratado em Portugal e nos EUA para efeitos de impostos: nos EUA essa propriedade tem uma perda e eu não pago impostos de rendimento sobre ela, enquanto que em Portugal, o estado considera que a propriedade tem lucro e nos últimos dois anos paguei mais de 400 euros em IRS anualmente. No meu caso, no curto prazo é irracional eu ter o meu apartamento em Portugal arrendado porque a renda não cobre as minhas despesas, mas note-se que eu ainda estou a pagar a hipoteca e considero isso parte das despesas.

Quais os parâmetros da minha propriedade? Eu comprei por 98 mil euros em 2006 porque os meus pais queriam que eu tivesse uma casa em Portugal. Depois de os meus pais deixarem de lá viver, decidi arrendar. Na altura, a renda era de 250 euros mensais, mas com a crise financeira, tive de baixar para 200 e até chegou uma altura em que apenas cobrei 175 a um casal de reformados. Esse senhor já faleceu, mas era uma pessoa muito boa, sempre preocupado com as minhas coisas. Há sete anos, quando mudei de arrendatários decidi cobrar apenas 200 euros.

Nunca lhes aumentei a renda, nem sequer a actualizei para a inflação. Por um lado, não quero que saiam porque são boas pessoas dá-me gosto saber que têm um sítio seguro a bom preço que lhes permite dar uma qualidade de vida melhor aos filhos. Por outro lado, o dinheiro adicional que eu receberia com a actualização de renda não me aquece, nem arrefece. E, finalmente, eu sou de uma geração que recebeu imenso do estado em Portugal porque tive uma educação de boa qualidade e a custo acessível, logo acho que devo dar alguma coisa em troca ao país. Para elém disso, ter a casa a arrendar baixa o custo que paguei e talvez recupere o meu investimento se algum dia vender. Qual o papel do estado português nisto? Para além do IMI, sempre que pago a hipoteca, o estado cobra imposto de selo, e depois há o IRS que era de 28% sobre a renda líquida, mas agora baixou para 25%. A renda líquida em Portugal é a renda que recebo menos as despesas, que incluem despesas de manutenção, despesas de condomínio, 15% dos juros que pago pelo empréstimo, etc.

Vamos a contas para ver se rendas acessíveis em Portugal faz sentido. Imagine-se uma casa que já está paga e que se coloca a arrendar, logo não há despesas com hipoteca, apenas as despesas de manutenção, seguro, o IMI e depois o IRS. Alguém que queira colocar essa casa a arrendar tem de fazer algumas obras para a colocar no mercado. Uma lata de tinta custa 25 a 50 euros, segundo o Leroy Merlin. Mão de obra é acima do salário mínimo para este tipo de arranjos, mas suponha-se que se contrata alguém por uma semana para fazer as obras. Se se pagar o salário mínimo a essa pessoa (760 euros/mês vezes 14 meses, a dividir por 52 semanas), o total é pouco mais de 200 euros por essa semana. Ao trabalho adiciona-se os materiais: só para se pintar tudo vai ser uns 100-200 euros ou mais porque também há pinceis, rolos, etc. Ou seja, o custo de meter a casa no mercado é pelo menos um mês de uma renda de 300-400 euros. (Estou a ser bastante optimista, um ano tive de fazer obras no apartamento em Portugal e ficou em 527 euros.)

Se se usar uma agência para encontrar um inquilino, eles ficam com o primeiro mês de renda, logo já perdemos dois meses de renda para despesas iniciais. O IMI mais o seguro de propriedade custam mais um mês de renda, logo o senhorio já perdeu uns 3 meses. O IRS a 25% da renda líquida vai incidir em 12 meses menos 3 meses de depesas e impostos de propriedade, ou seja, o estado leva 2,25 meses. No primeiro ano que a casa está no mercado as despesas e os impostos levam quase meio ano da renda ou mais. Se os inquilinos derem problemas e for necessário ir a um advogado, a taxa à hora é de 55-150 euros/hora. Conclusão, não faz sentido comprar uma casa para a meter a arrendar a uma renda acessível porque não se faz dinheiro para cobrir os custos do imóvel.

Nos EUA, tive uma propriedade arrendada que custou 98 mil dólares em 2004, ou seja, mais barata do que o meu apartamento em Portugal. A renda cobrada variou entre 600 a 800 dólares por mês. Em 2014, quando vendi a propriedade, o seguro e o imposto de propriedade custavam $1600 por ano, ou seja, uns dois meses de renda. Nessa altura já tinha uma agência que me geria a propriedade e cobrava 10% da renda. As obras para meter a casa a arrendar variaram entre 350 a 1000 dólares, mas quando se arrenda, os inquilinos fazem um depósito normalmente igual a um mês de renda e esse dinheiro é usado para pagar as obras, se houver obras a fazer. Se os inquilinos tratarem a casa bem, não são necessárias obras e o dinheiro é devolvido aos inquilinos. O senhorio só paga obras que não forem cobertas pelo depósito. Por lei, o depósito das casas arrendadas tem de estar numa conta à ordem à parte e só é usado quando os inquilinos saem.

No sistema americano, há outra diferença enorme e que é o cálculo da renda líquida para efeitos de impostos. Nos EUA, 100% dos juros são deduzidos da renda colectável e, para além disso, o valor da casa também pode ser amortizado. Se a propriedade dá perda depois de se considerar todos os custos, as perdas transitam para o ano seguinte e o estado só começa a receber impostos quando a propriedade começar a cobrir todas as despesas incluindo o custo de aquisição. Segundo me informaram, este detalhe da amortização em Portugal não está disponível para os pequenos senhorios, mas as empresas comerciais de imobiliário têm um sistema mais semelhante ao americano. Obviamente, essas empresas não têm grande interesse em negociar em casas de rendas baixas porque têm mais retorno se se especializarem em casas de renda mais cara.

Por mais voltas que o governo dê, não faz sentido nenhum falarem em rendas acessíveis quando o obstáculo principal é a carga fiscal a que os pequenos senhorios estão sujeitos, mais uma política de salários baixos. Baixar o IRS de 28% para 25% para um senhorio como eu reduz o IRS em 50 euros por ano. Isso dá para quê? Uma lata de tinta ou um hora com um advogado. Quem não tem a casa arrendada não a vai meter a arrendar para não pagar ao estado 50 euros por ano.

Agora tiveram a ideia de obrigar as pessoas a arrendar as suas casas. Vão obrigar como, exactamente? Basta meter uma cama e ir lá dormir uma semana por ano ou aos fins-de semana e a casa já não está vazia, é uma casa de férias.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

A cidade e a saúde

Se a minha mãe tivesse nascido uns anos antes, é natural que eu não existisse. Isto porque quando ela tinha uns 11 anos adoeceu com febre reumática, o que danificou as válvulas do coração e a tornou numa doente cardíaca. Aos 18 anos passou um ano no hospital. Sem dúvida que, sem a melhoria de cuidados médicos e o facto de ter nascido e crescido numa cidade, não teria sobrevivido; mas, mesmo assim, morreu aos 64 anos, abaixo da esperança de vida da sua geração, mas talvez acima da de uma pessoa com a sua condição.

O meu pai, que é homem, mas nasceu em Lisboa, sobrevive-a em quase 15 anos. A minha avó paterna teve então razão de pedir ao meu avô de sair da aldeia onde viviam, na Guarda, e de se mudarem para Lisboa, dado que, na aldeia, ela tinha perdido uns 9 ou 10 filhos e apenas um dos que lá nasceu sobreviveu (morreu aos 82 anos). Depois da família se mudar para Lisboa, nasceram mais cinco crianças e todas chegaram à vida adulta.

Quando os meus tios nasceram em Lisboa, a cidade era mais pequena, para além de ter melhores serviços médicos, tinha mais espaços verdes, menos edifícios, e menos trânsito e a poluição que daí resulta. Talvez como reação ao urbanismo do Estado Novo, ou por ignorância política, hoje em dia os jardins que são construídos, se é que são construídos e se é que são jardins, tendem a ser uns espaços abertos, em que o único verde é o da relva (ou talvez das ervas daninhas, que são ligeiramente melhor do que relva). São espaços completamentos inertes em termos de valor para a ecologia local e para a saúde dos residentes.

Saiu recentemente um estudo europeu que indica que plantar mais árvores em zonas urbanas na Europa pode reduzir o risco de morte prematura em um terço. Para além das árvores ajudarem a regular os microclimas urbanos e a dimimuir a temperatura do ar, também contribuem para o bem estar mental dos residentes e promovem actividades de lazer, o que dimimui a prevalência de obesidade e diabetes de tipo II. Nas crianças, as zonas verdes também estimulam o desenvolvimento cognitivo e da memória.

A ausência de zonas verdes é mais comum nas zonas mais pobres das cidades, os residentes mais pobres são também os que costumam ter mais problemas de saúde, e as crianças pobres têm mais dificuldades de aprendizagem. Lisboa que antes ajudava a salvar é capaz de hoje em dia contribuir para a doença. É pena que não haja dinheiro para re-pensar o planeamento urbano das cidades portuguesas. A situação tenderá a piorar, dado que com os preços altos do imobiliário, a pressão vai ser para que se construa mais e se sacrifiquem os espaços verdes.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Perdemos um carvalho

A fuga de água da minha vizinha já está a ser arranjada. Hoje -- sim, hoje, domingo -- enquanto passeava o Julian, vi um senhor de volta do contador de água. Nem chamou os detectives de fugas, nem os senhores que identificam onde estão as ligações do gás, electricidade, etc. O carvalho que provavelmente causou o problema já era, foi logo a primeira vítima. Fiquei triste de se perder aquela árvore, era tão saudável e já devia ter quase uns 30 anos, dado que a casa foi construída em 1996. Só que foi plantada mesmo ao lado do contador da água, o que não faz sentido nenhum. Claro que as raízes se iriam entrelaçar com o cano da água e, um dia, ia dar asneira.

Estou curiosa para saber onde é que a vizinha vai plantar a árvore substituta e se vai plantar outro carvalho ou uma zelkova, que é a árvore que eu tenho em frente da minha casa. A minha zelkova é um monstrinho, a maior da vizinhança. Muitas das outras que foram plantadas não se deram bem e a minha rua não tem as árvores todas do mesmo tamanho. A rua da vizinha tinha os carvalhinhos todos alinhados, frondosos e bonitos, que, no Outono, ficam com umas cores muito apropriadas à estação. A minha zelkova também muda de cor e eu até gosto dela, mas era mais giro se não fosse umas das poucas que ficaram viçosas.

Quanto a mim e ao meu contributo para a poupança da conta de água da vizinha, que pelas minhas contas deve ir em mais de $300, nem um cartãozinho recebi, mas talvez ainda seja cedo para esperar um agradecimento.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

Fugas

Depois da tempestade de Natal e da minha consequente fuga de água, quando passeava o cão pela vizinhança caía na tentação da auto-comiseração. Olhava para as casas dos vizinhos e não via nenhuma fuga de água e perguntava ao universo o porquê de me ter saído aquela lotaria. Lá para o fim pensei que, se era para acontecer a alguém, pronto, eu faria paz com o universo e aceitaria a minha sina, até porque eu tinha meios de pagar o custo. A semana passada tivemos outra tempestade. Nevou, depois ficou tudo cheio de gelo, e desta vez não tive nenhuma fuga de água, mas também deixei uma torneira a pingar durante uma noite.

Quando o tempo melhorou, retomei os passeios com o Julian (o meu cão) e notei, há três dias, que uma vizinha possivelmente tem uma fuga de água. Afinal acontece aos outros e, se calhar, eu já tinha visto outras coisas destas antes, mas não sabia identificar. No primeiro dia em que a vi, passei e andei porque pensei que a vizinha notasse e tratasse do assunto. Ontem e hoje toquei à campainha para a avisar, mas ninguém atendeu. E se calhar ela ainda não deu conta porque chega à casa depois de escurecer. Isto está a pesar-me imenso porque começo a pensar no custo das contas de água e esgotamento, se ela não trata do problema, para além do desperdício de água. Amanhã tenho de deixar uma nota no correio.

Uma história gira aconteceu com esta vizinha que, poucos dias depois de se mudar para a casa, me apanhou a passear o cão e perguntou se era ele que fazia caca na relva dela -- foi logo na primeira vez que falou para mim. Ora, eu apanho sempre a caca do meu cão, aliás, é ilegal não apanhar e nós até temos caixotes de lixo equipado com dispensadores de sacos para apanhar os detritos dos cães espalhados pela vizinhança, cortesia da Home Owner's Association, à qual nós pagamos, claro (eu pago $162 trimestralmente). Para além disso, eu levo sempre sacos comigo, tanto no dispensador da trela, como na minha carteira. Os vizinhos até me perguntam a razão de eu passear com carteira. Aliás, uma vez fui às compras e uma senhora estava atrapalhada com o seu cão no parque de estacionamento porque não tinha um saco para apanhar o lixo e eu dei-lhe um rolo.

Adiante; lá disse à vizinha que não, não era o meu cão e, se fosse, eu teria apanhado a caca dele porque apanho sempre. Qual a parte engraçada disto? É que eu tinha comprado uma garrafa de vinho e um cartão postal para dar as boas-vindas à vizinha e depois já não dei boas-vindas nenhumas e bebi eu o vinho. É a vida, tal como a minha fuga de água e agora a dela.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

Na mesma como a lesma

Aqui há uns tempos houve a ideia de se tirar a restrição de haver bidés nos quartos de banho para incentivar a construção de casas. Eu concordo com a parte de que um bidé não deve ser obrigatório em todos os quartos de banho, mas mais por design do que por necessidades de natureza económica.

Portugal tem mais casas per capita do que outros países na Europa, logo os bidés não funcionam como entrave à construção, nem sequer à compra de casa. Incentivar o país a construir mais casas é não só um desperdício de recursos, como contribui para o empobrecimento do país. É que o investimento que podia ir para outros sectores com potencial acaba por ir para o imobiliário e, por sinal, já há bastantes casas vazias em Portugal. Casas a mais faz mal ao ambiente porque retiram espaços verdes às comunidades. Sem espaços verdes, há mais aquecimento urbano, interrompe-se o ciclo da água, há mais inundações, pior qualidade do ar, pessoas mais doentes física e mentalmente, etc.

A economia funciona mal porque o estado português funciona mal. O sonho dos portugueses é comprar casa porque é uma forma de se isolarem dos efeitos nocivos das políticas do estado. Quem é proprietário, quando for velho, pode não ter grande coisa, mas tem um teto e está protegido contra a inflação das rendas de casa e, se tem filhos, tem algo para deixar aos filhos, e eles se calhar não têm grande interesse em assumir o risco de as arrendar e preferem mantê-las vazias.

O mercado imobiliário também está ligado ao mercado de trabalho. Veja-se o caso dos trabalhadores que querem ser professores do ensino público. No outro dia, conversei com uma amiga minha, que é professora e tem mais de 10 anos de experiência. Este ano foi colocada a 80 km de casa, com um horário de 14h semanais cheio de furos, sem subsídio de almoço e sem descontos para a segurança social. Esta pessoa tem condições para mudar de casa para poder ir ensinar? Ou sequer manter a sua casa actual e fazer a comuta para esta escola? Depois conclui-se que não há professores e que as rendas são caras, apesar de haver casas vazias.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

Calma antes da próxima tempestade

Desde há uns seis meses para cá que a China tem tido níveis de procura deprimidos por causa da pandemia: primeiro era a política do governo chinês de zero-Covid; depois, quando esta foi abandonada, foi o aumento de casos que levou a que os cidadãos chineses voluntariamente restringissem as suas actividades. Estes eventos beneficiaram o ocidente porque coincidiram com o Outono/Inverno, o que libertou mais recursos para satisfazer a procura do resto do mundo. Agora a expectativa é que as coisas normalizem na China, logo irá aumentar o consumo mundial de energia e outros productos, o que deverá ter efeito inflacionista.

Entretanto, mais de um terço da Reserva Estratégica de Petróleo dos EUA foi usada para combater os preços altos, mas ainda este mês devem-se iniciar as comprar petróleo para a reconstituição da Reserva. E por falar em Reserva, hoje a Reserva Federal Americana decidiu aumentar as taxas de juro de referência em apenas 0,25%, metade do último aumento, o que indica um abrandamento da política monetária americana, logo o dólar não irá apreciar tanto e até deve depreciar, dado que a expectativa é que o Banco Central Europeu irá ter uma política monetária mais agressiva do que a americana. Não sei foi boa ideia aumentar as taxas de juro tão pouco. Parece-me que a economia americana ainda tem bastante pressão inflacionista, dado que o mercado accionista está a recuperar, o mercado de trabalho ainda está com falta de trabalhadores, e há mais pessoas a comprar casa.

A economia europeia ainda não está refeita do efeito da guerra. No quarto trimestre de 2022, a economia alemã encolheu 0,2%, segundo as estimativas iniciais, apesar da política fiscal expansionista. A Alemanha tem mais de 20 fundos especiais para financiar gastos públicos que não contam para o orçamento normal. Um destes fundos serve para lidar com a crise energética e há outro que financia depesa militar e a intenção é só começar a ser mais poupadinho lá para 2024, dado que em 2023, a emissão de dívida irá atingir níveis record. Claro que tudo isto irá pressionar as taxas de emissão de dívida, assim como a inflação. O BCE terá que aumentar as taxas de juro para lidar com a inflação ou arrisca-se a perder credibilidade.

Com tudo isto a acontecer em simultâneo, é difícil prever o que irá acontecer, mas a probabilidade das coisas correrem mal não é negligenciável. E falta dizer que a Sérvia e o Kosovo andam às turras e há quem fale no potencial de uma outra guerra na Europa.