sexta-feira, 29 de outubro de 2021

1920

Esta noite foi a primeira vez que vi um filme numa sala de espectáculos desde o início da pandemia. Apesar de no condado de Shelby, onde eu moro, o uso de máscara ser considerado facultativo desde recentemente, continuei na minha e usei máscara. Não vale a pena arriscar, quando parece que já estamos tão perto do fim.

Fui ver um filme de 1920, que se enquadra no expressionismo alemão, Das Cabinet des Dr. Caligari (O Gabinete do Dr. Caligari), considerado um clássico e o primeiro filme de terror. O filme é mudo, mas contámos com uma performance ao vivo da banda The Pop Ritual, que tinha como convidado o Luís Van Seixas, que é português. Gostei imenso. Não conhecia o filme, mas fiquei fã. E a música estava mesmo excepcional e criava uma atmosfera óptima para acompanhar a película.

E já viram o quão apropriado é? Em 1920, quando o filme estreou, também estávamos dois anos pós-pandemia. Para quem tiver curiosidade, aqui está o filme, mas com uma banda sonora diferente da que ouvi.

quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Uma vergonha

É deprimente acordar e ver as notícias de Portugal. Não há qualquer noção de decoro institucional ou de respeito pelos princípios básicos da República, mas a verdade é que mesmo durante a ditadura Portugal era uma República.

O Presidente da República anda a fazer de secretário do governo, a ver se consegue apoio para o orçamento junto dos partidos. Como é possível que alguém que ensinou Direito Constitucional numa Universidade não compreenda que o seu papel enquanto Presidente da República é de fiscalizar o Governo e assegurar que os princípios básicos da CRP são respeitados. Não cabe ao PR viabilizar o orçamento, dado que a elaboração do orçamento é da competência do executivo, que depois o sujeita à apreciação do poder legislativo. É o governo que negoceia com os partidos da oposição, não é o Presidente da República.

Se não há pesos e contra-pesos não estamos perante um regime democrático. Acho que depois de quase 50 anos de ditadura, isso já devia ser mais do que óbvio. Sinto vergonha por esta gente. Cada dia que passa sente-se o peso cada vez mais crescente da desilusão. Portugal não tinha de ser reduzido a isto.

quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Talvez o milagre das rosas

Parece que em Portugal anda meio mundo a tentar salvar o (des)governo do PM Costa. Não bastava MRS andar com o executivo ao colo e fazer a famigerada ameaça de demissão que Costa teima não só em não produzir, como ainda garante que não se demite, agora vem Miguel Albuquerque, ilustre Presidente do Governo Regional da Madeira pelo PSD e amante de jardinagem e, em particular, de rosas, dar o seu apoio ao Orçamento, se for vantajoso para a Madeira -- tinha de haver um espinho.

Isto parece uma geringonça avançada. A anterior envolvia apenas partidos com assento no parlamento; esta tem o PS, o Presidente da República, e agora um governo regional. Atrevo-me a pensar que, se isto vai a eleições, o PS se coligue finalmente com o Chega.

terça-feira, 26 de outubro de 2021

Os "atencionistas"

É tradição que, nas situações de aperto, o PM Costinha ameace demitir-se e as coisas encaixem após alguns dias. Desta vez, parece que não só não houve ameaça, como houve garantia de não-demissão, logo estou indecisa na minha avaliação da situação: não sei se o PM acha a situação de martirização do governo vantajosa ou se ele não está interessado em que o pseudo-Orçamento chegue a bom porto. Eu preferia que ele ameaçasse porque o PR Celito já avançou a sua ameaça, logo ia ser giro ter as duas mais importantes figuras da República numa corrida para ver quem demitia o governo mais depressa. E podíamos fazer um totoloto e sacar mais algum dinheiro dos pobres porque eles ainda não foram explorados o suficiente.

Li ontem nos jornais que o partido do mal-aVenturado está bem posicionado nas sondagens, caso haja eleições. Também seria engraçado se ele tivesse realmente o maior número de votos. Talvez fosse a picada no rabo que a sociedade portuguesa precisa para deixar de ser tão permissiva para com os abusos de poder. Só que, dada a situação do país, ter de recorrer à estratégia do Chega para chegar ao poder não abona muito a favor da inteligência do Andrézito. É verdade que haverá os que o acharão um génio, mas eu não acho. É outro medíocre que precisa de tácticas de "attention whore" para chegar ao poder. Há anos que isto é o que mais se vê, logo nem sequer é original.

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Continuação

Continuando com os meus episódios da vida americana, dado que pensar em Portugal, é demasiado deprimente. Um dos livros que tenho andado a ler tem um título engraçado e chama-se "How to read literature like a professor." Um dos capítulos é dedicado ao acto de partilhar refeições, que é umas das formas que nos aproxima uns dos outros, daí a simbologia da última ceia de Cristo, rodeado das pessoas que supostamente lhe eram mais póximas. Comer pode significar tanta coisa...

A semana passada, como foi me causou um bocadinho de ansiedade por causa de regressar ao trabalho após férias -- já viram o preço de futuros do algodão? Ai, caramba! -- achei por bem fazer algo engraçado no Sábado de manhã, como por exemplo beber mimosas e comer. Desde que o Sr. Trump perdeu as eleições que há sempre uma garrafa de champanhe no frigorífico, logo só faltava o sumo de laranja que disse aos meus vizinhos terem de ser eles a tratar. A comida ficaria sob a minha tutela, só que na altura em que organizei o evento não tinha qualquer ideia do que preparar para o brunch.

Há umas semanas, um colega meu escreveu "tortilla de patata" num dos róis de mensagens das nossoas video-conferências, o que achei muito engraçado de dizer em voz alta. Afinal era engano, ele pensava que estava a escrever para um dos colegas e aquela era uma piada entre os dois, mas acabou por ser para toda a gente. Mas talvez por causa disto, e também porque vi a série espanhola Valéria no Netflix, fiquei com a tortilla de patata na ideia e achei que seria um bom prato para confeccionar, pois não tem cereais, nem lacticínios, logo posso comer, e é um prato normal, ou seja, sabe a comida de gente, apesar da minha dieta restritiva.

Fui investigar como se fazia, enquanto idealizava o resto do menu. Quando fiz compras as ideias ficaram claras e decidi que haveria um prato de acepipes: tomatinhos cereja, pimento encarnado assado, azeitonas Kalamata, pickles de pepino, salame soppressata, salame tradicional, presunto, e bolinhas de mozzarela marinadas em azeite, especiarias e ervas de cheiro. Do lado dos doces, teríamos fruta (uvas, amoras, e framboesas), e uns pães acompanhados de compota de airela de montanha (lingonberry).

Apesar da tortilla de patata só ter quatro ingredientes, é um bocado difícil de fazer, mas, segundo o que li na Internet, o segredo é cozer as batatas em azeite e separadamente dourar a cebola, depois escoar e misturar com os ovos, e deixa-se estar tudo durante 15 minutos à temperatura ambiente. A outra etapa bicuda é a de cozer a tortilla porque corremos o risco de os ovos ficarem com a consistência de borracha -- as omeletes também têm esse problema. Sabem quem fazia omeletes excelentes? O meu ex-marido e a minha mãe. A mim falta-me o gene da omelete, logo fiquei com medo que me tivesse escapado o da tortilla.

Quando fomos para comer, pedi desculpas antecipadamente se a tortilla estivesse uma desgraça, mas estava deliciosa. Aliás, estava tudo excelente, e estivemos ali quase duas horas a comer, beber, e contar histórias. A minha vizinha só dizia "I missed my Rita..." porque antes de eu ir de férias, ela tinha ido com a família, logo já há tempos que não tínhamos um convívio animado. Para a semana é Halloween e já está marcado outro evento que ela organizou. Comprometi-me a fazer um bolo de abóbora. Só me falta decidir como irei vestida -- a única fantasia que tenho é uma de diabinha, logo talvez deva diversificar o portefólio, mas não há nada de mal em ser diabinha.

Entretanto fica aqui o meu prato de cerâmica portuguesa cheio de acepipes. Ora digam lá se não é um prato bonitão?

sábado, 23 de outubro de 2021

Qual orçamento?

Não sei o porquê da fita relativamente ao orçamento. Não há dinheiro -- qual da três palavras é que as pessoas não percebem, para parafrasear o outro. Se antes da pandemia, quando as coisas não estavam tão mal, o país era financiado a dívida, transferências da UE, e agravamento fiscal, o que se pode esperar de agora? Milagres era no tempo da Rainha Santa; no século XXI, já nem rosas há, só espinhos. Depois, o orçamento é completamente irrelevante porque o governo não cumpre -- chamam-se cativações.

O Presidente da República devia dissolver a AR porque a actual governação não assegura os princípios básicos da Constituição da República, aquele documento que ele se comprometeu a defender. Ele não era professor de Direito Constitucional? Então devia saber o que fazer e até o que inovar dentro dos parametros da CRP para salvar o país e os portugueses. É que estamos mesmo nesse ponto -- é preciso que alguém se erga e salve o país.

sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Dinheiro bem gasto

Um dos meus colegas é extremamente extrovertido, ri-se muito, dá uma dinâmica muito agradável a reuniões, e conversar com ele é sempre muito fácil. Como tinhamos uma tarefa para completar, passámos algum tempo ao telefone. Já quase no final ele perguntou-me como estavam as coisas na minha vida pessoal e eu disse que estava bem, tinha acabado de vir de férias e estava a tentar prestar mais atenção à minha sanidade mental. Ah, também arranjei uma terapeuta permanete para lidar com a minha ansiedade.

Dado que ele acompanha o meu Facebook, disse-me que a ideia que ele tem de mim é que era uma pessoa muito feliz, muito contente comigo própria, que apreciava as coisas da vida, fazia as minhas viagens, etc. Eu estava correcta, deviamos ser assim porque só nós próprios é que podemos tratar da nossa felicidade, rematou ele.

Concordo, mas cá entre nós, detesto perseguir a felicidade. A minha felicidade acontece muito naturalmente, é quase serendipidade. Fiquei, no entanto, um pouco preocupada com ele, dado que esta pandemia tem sido bastante dura para com todos nós e eu sei que ele beneficiava bastante da energia do escritório, de poder sair com os colegas para almoçar, etc. Como me perguntou se frequentava restaurantes aqui na cidade, indiquei-lhe alguns sítios onde vou de vez em quando e que têm esplanadas.

Vários dias por semana também vou a parques onde passeio o Julian, o meu cão, e muitas vezes é mais por insistência dele do que ideia minha, dado que ele se estaciona em frente da porta que vai para a garagem, como que a dizer que vamos andar de carro. Nas raras ocasiões em que tem oportunidade de se escapulir para a garagem, encontro-o sentado à frente da porta do carro, no lado do passageiro, talvez a rezar um Abre-te porta.

Hoje fomos ao Hyde Lake, em Shelby Farms, para apreciar o crepúsculo, que é a minha altura preferida do dia. Estava absolutamente deslumbrante e uma pessoa anda ali e pensa que o dinheiro dos impostos foi muito bem gasto naquela obra. O lago foi ampliado, construíram habitats para os animais selvagens, incluíram mobilíario urbano interessante que serve as pessoas, etc. Aquilo ficou mesmo bem feito e vou sugerir ao meu colega que leve lá a família.

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Fácil, mas assustadora

O meu lema de vida é "trabalhar muito e desfrutar ainda mais" e talvez a idade me tenha ajudado a chegar lá porque, antes, trabalhava muito e desfrutava pouco. Então nas minhas férias, sou muito mais motivada para a diversão do que o normal, apesar de que a pandemia tenha exigido que se faça férias mais recatadas. Nesta altura do ano pareceu-me que as coisas pandémicas estavam mais bem encaminhadas e encontrei-me com bastantes pessoas nos 10 dias que estive fora em Houston, só que eram pessoas que não eram totalmente desconhecidas: ou amigos ou amigos de amigos.

Na minha primeira Sexta-feira de férias tive uma festa de anos de um amigo. Não sou muito próxima dele, mas temos uma grande amiga em comum com quem eu fui. Obviamente, eu e ela tivemos de nos esmerar na aparência, dado que andámos à míngua social durante este último ano e meio. Decidi usar um vestido que comprei em Julho do ano passado e que ainda não tinha usado fora de casa. Não é que o vestido seja muito espampanante (eu não acho), mas tem um decote super-giro e revelador, o que parece deu alguma informação a meu respeito.

A festa consistia de cinco pessoas e mais tarde outras duas apareceram. As mulheres estavam em minoria, só duas comigo. Nós as duas entrámos em grande, às gargalhadas, no jardim do primeiro bar onde fomos, o que é perfeitamente normal, pois tínhamos estado a ouvir música portuguesa da nossa juventude. Também é difícil aos meus amigos ficarem mal-dispostos a meu lado porque digo umas coisas engraçadas.

Um dos convidados que eu não conhecia olhou para mim mais o meu decote e concluiu que eu era uma mulher fácil, achando por bem partilhar esta informação com o aniversariante. Passados uns dias, fui tomar café com o aniversariante, que dizia "Rita, tu és uma mulher muito interessante, mas assustas a malta." Só mais tarde soube pela amiga em comum o comentário da mulher fácil. As primeiras aparências enganam e, depois de uma noite a conversar comigo, acharam que não tinham bolina para a Rita das férias. Efectivamente, não sou muito modesta nem na língua, nem no decote.

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Apertar o cinto

Durante uma conversa com um amigo meu, calhou falar na necessidade de os europeus apertarem o cinto, o que o meu amigo achava não ser difícil porque já estão habituados. Até podiam não fazer férias. Não sou tão optimista pela simples razão de os europeus já andarem a apertar o cinto há muitos anos e, mesmo assim, necessitam de se endividar e continuar a apertar o cinto cada vez mais. Depois há a agravante de o apertar o cinto ser cada vez mais difícil. Se se aperta muito, começa-se a partir alguns ossos.

Uma forma de apertar o cinto é pela imigração, pois acaba por reduzir os salários praticados no país para onde se emigra, o que permite produzir bens e serviços a custos mais reduzidos. Quem emigra recebe melhores salários do que no país de origem e quem vive no país receptor é beneficiado pelos custos mais baixos das coisas. A teoria é gira, mas a prática é mais complexa; no entanto, os ingleses são seres supimpas e fizeram o favor de ilustrar o conceito com o Brexit.

Mesmo assim, há sempre o receio de que estas coisas na Europa alimentem os nacionalismos e a instabilidade social e a paz que tem havido não perdure muito mais. Nota-se que a geração actual não tem grande conhecimento do preço da paz. Esse também foi outro tópico que falámos: ignora-se bastante a história e mesmo em termos de ensino, a qualidade do conteúdo está desactualizada.

terça-feira, 19 de outubro de 2021

O arrependido

Morreu o Colin Powell, um homem bastante habilidoso e capaz de funcionar de forma bi-partidária ou até acima de questões partidárias. Na imprensa de esquerda, pontificam-se loas ao homem, mas com a devida reticência por causa do desastre que foi a segunda invasão do Iraque, que diziam não ser invasão, mas acabou sendo. Mas arrependeu-se desse snafu e mais recentemente falou contra Donald Trump, logo, apesar de ser de direita, ficou completamente reabilitado aos olhos da esquerda americana. Esta é capaz de ser uma grande diferença entre a direita e a esquerda nos EUA, dado que a direita não reabilita ninguém da esquerda.

Pessoalmente, sempre achei que seria um bom candidato ao meu voto e, se eu tivesse de escolher entre Biden e Powell, preferiria Powell sem qualquer hesitação. É duvidoso que os republicanos arranjem alguém deste calibre para futuras eleições.

segunda-feira, 18 de outubro de 2021

De volta

Terminei as minhas quartas férias deste ano e, mais uma vez, fui para fora cá dentro. Passei o dia a conduzir e consegui parar apenas para meter gasolina duas vezes durante os 912 Km que separam Houston de Memphis. No Arkansas havia imensos camiões em ambos os sentidos, o que não é normal. A rota Little Rock-Memphis costuma ser a que tem mais camiões, mas, com a aproximação das festas natalícias, deve haver bastante mercadoria em trânsito por todo o lado. Pelo caminho, vi um acidente e batantes animais atropelados: três cachorros, veados, guaxinins, etc. Tive imensa pena da bicharada, mas há muito mais gente a conduzir agora, o que não deve ajudar, especialmente depois de termos tido aquele período mais lento, em que muitos animais expandiram o seu território em resposta à menor mobilidade de pessoas.

Na estrada também vi bastantes caravanas. Com a pandemia, as pessoas começaram a reformar-se mais cedo e há também menos reformados a trabalhar em part-time, logo desatou tudo a comprar caravanas. Uma das minhas colegas até se reformou antes dos 65 para poder andar a viajar com o marido. Tive imensa pena que saísse, pois gostava bastante do trabalho dela. Combinámos ir sair para almoçar, mas ela mal tem andado por estas bandas. Não me admiraria se pessoas como ela acabassem por vender as respectivas residências para serem completamente móveis. Uma outra colega também já tinha saído antes da pandemia; ela e o marido tinham comprado um apartamento em Orange Beach, no Alabama, que arrendam a terceiros quando não estão lá.

Ainda é cedo para perceber as implicações da pandemia na sociedade americana, mas suspeito que serão bastante profundas. Estas mulheres que se reformam mais cedo que os maridos preocupam-me um bocado, dado que provavelmente irão sobrevivê-los e ao reformarem-se mais cedo ficam com uma pensão menor e sacrificam parte da sua carreira profissional. Não sei se isto não se tornará num problema no futuro.

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Leis do não

Em 2015, no dia do meu aniversário, conheci uma senhora que tinha o mesmo aniversário que eu, mas que nasceu 43 anos antes de mim. A ocasião era mesmo o seu jantar de aniversário, que por também ser o meu, levou a que eu fosse convidada. Ela e eu temos várias coisas em comum para além da baixa altura: ambas vivemos em cidades chamadas Fayetteville e eu vivi numa rua de nome Sweetwater, enquanto que ela viveu numa cidade com esse nome. Ontem fomos almoçar juntas porque ela tornou-se parte do meu grupo de amigos de Houston.

Conversar com pessoas mais velhas nos EUA é muito engraçado porque elas ouvem-nos e tratam-nos como se fossemos iguais. Mesmo o meu ex-sogro, que agora tem 82 anos, conversa comigo e faz-me perguntas, genuinamente interessado na minha opinião. Aquela ideia que os mais velhos devem ser colocados num pedestal em que têm a última palavra em tudo é aqui bastante estranha. A minha vizinha que tem 96 anos, esta senhora que tem 92, e o meu ex-sogro todos andaram na universidade -- ele até chegou a fazer um doutoramento, apesar de serem todos de origens humildes e até de regiões rurais.

Nessa altura, quando estas pessoas se formaram, os EUA não eram considerados a potência que são hoje e até se pode dizer que a infância destas pessoas foi bastante marcada pelo período pós-Grande Depressão e depois a Segunda Grande Guerra Mundial, alturas em que a comida escasseava e os recursos eram desviados para o esforço de guerra. Mesmo assim, a educação desta geração não foi sacrificada. No entanto, não nos podemos esquecer que estas pessoas minhas amigas são uma minoria: a maioria dos americanos apenas frequentava o ensino secundário, que foi bastante promovido entre 1910 e 1940.

Ontem na nossa conversa de almoço falámos de várias coisas, inclusive sexo e a forma como as mulheres encaram relações amorosas. Dizia a minha amiga que conhecia várias mulheres que tinham parceiros apenas para satisfazerem as suas necessidades sexuais e algumas até tinham mais do que um, o que me fez recordar alguns dos artigos que saem na revista The Atlantic sobre a sociedade e o sexo. Muitos desses artigos argumentam que as mudanças sociais de atitude relativamente a relações e sexo são iniciadas pelas mulheres: elas é que mudam o "contrato social" quando lhes convém. Mesmo assim, há certas coisas que se mantêm: muitos homens, independentemente da idade, preferem mulheres na casa dos 20 anos, já as mulheres preferem homens que têm idade mais próxima às delas, de acordo com os dados recolhidos por páginas de Internet de encontros amorosos.

Talvez fosse mais fácil contrariar estas predisposições dos homens e das mulheres quando as pessoas se encontravam pessoalmente e se criava alguma atracção física, mas agora, que muitas pessoas se conhecem online e as preferências são declaradas antecipadamente, parece que entrámos num período em que é mais difícil chegar a um compromisso. Em vez de leis da atração, receio que o que prevalecerá será potencialmente as "leis do não".

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

Construção

Uma das primeiras coisas que vi ao entrar em Houston foi o que me pareceu um cão vadio. Deu-me imensa pena ver o animal ao lado da estrada, mas parecia estar bem alimentado. Já não me recordo se estava na parte da US-59 ou da I-69, dado que se sobrepõem. Depois o telemóvel mandou-me por umas ruas secundárias perto do Bush Internationa Airport porque a I-69 estava em obras. Era tudo meio feinho e senti exactamente o mesmo da primeira vez que cá vi: esta cidade é muito feia. Nem todas as partes são feias, mas as que são sobre-compensam. É difícil imaginar o futuro quando estou perto de coisas feias. Mesmo assim, adoro Houston. Cresci imenso aqui, tive experiências incríveis, nem todas boas ou más, e tenho bastantes amigos ligados ao tempo que passei aqui.

Na Sexta-feira, passei a tarde com a minha vizinha que tem 96 anos. O plano da família é que ela chegue aos 100, mas ela ainda não se convenceu. Por causa da pandemia, deixou de jogar golfe e agora perde o equilíbrio facilmente quando está em terreno mais incerto, como é o caso do relvado lá de casa. Passou a usar uma bengala de apoio que detesta, mas ainda vive sozinha e, recentemente, conduziu o carro pela vizinhança para ver se a bateria não vai abaixo. Uma das filhas que passa lá por casa frequentemente ralha com ela se ela tira a máscara em frente a amigos e também deixou recado para eu não entrar em casa. Como uns senhores estavam a cortar a relva e fazia muito barulho, tive cartão verde para entrar, mas sem o conhecimento da filha.

Conversámos sobre muitas coisas, inclusive de arrependimentos, que eu disse ter pouquíssimos. O facto de eu ser lenta é devido a passar demasiado tempo a analisar as coisas, logo quando decido algo, considero que, dada a informação que tenho, essa era a decisão acertada. Ela que já viu muito mais coisas do que eu, sente o peso de algumas experiências menos conseguidas. Acha que foi má para algumas pessoas, fez coisas que agora acha feias, etc. Pois, mas nós não somos perfeitos e cada momento da nossa vida é definido por tudo o que veio atrás. Sem o passado não existe presente -- para o bem e para o mal.

Ainda não me sinto crescida, não acho que sou adulta, disse-lhe, e ela respondeu-me que ela também não. Toda a nossa vida é uma sucessão de aventuras, de dias cheios de eventos que nos eram desconhecidos momentos antes. Todos os diálogos inventados na hora, os movimentos improvisados como se tivessemos certeza que era assim que deviam ser. Mesmo aos 96, a nossa vida é tão curta.

O meu jantar de hoje foi passado com algumas amigas que conheci através dela, pessoas das relações dela há décadas e que entraram na minha há uns cinco ou seis anos. Tornámo-nos bastante amigas e, apesar da distância e da pandemia, falamos todas as semanas, fazemos viagens juntas, e visitamo-nos frequentemente. Se estou deprimida ou em baixo, telefonam-me para me animar, enviam-me livros de auto-ajuda, máscaras para o Covid-19, autocolantes de bouledogues franceses para o meu carro, etc.

Não somos crescidos, mas é assim que crescemos. Acima de tudo, a nossa vida é um encadeado de amizades: através de umas pessoas conhecemos outras. Constantemente, há quem entre e saia do nosso dia-a-dia, mas é juntos e desta colecção de momentos que construímos esta coisa a que chamamos vida.

domingo, 10 de outubro de 2021

Doce

Passei os últimos dois dias a desenferrujar algum do meu português e tem sido bastante bom. Na Sexta-feira à noite, o convívio durou das 10 das noite até quase às 5 da manhã, noitadas destas eram normais durante a faculdade, mas agora já duvidava que aguentasse até à meia-noite. Parece que sim e bem bom, como cantavam as Doce.

A noite começou com uma digressão pela música portuguesa, com músicas e bandas clássicas, e eu a professar a minha eterna admiração pelos GNR, indiscutivelmente a melhor banda portuguesa. Também houve fado porque nós somos os portugueses a sério, aqueles que saíram e descobriram o mundo. Pelo meio, conversámos de Anna Akhmatova, uma poeta russa que descobri há pouco e que ando a digerir. Surpreendentemente, não foram os meus amigos russos e ucranianos que me falaram dela. Também veio à baila a Arooj Aftab, uma cantora paquistanesa, que tem uma voz de sonho. Estas tertúlias em que se fala de arte, filmes, música, literatura, política, história... são das coisas que mais aprecio. Mas é tão bom ter alguém com quem trocar ideias em português.

Prometeram-me um bacalhau à Brás que aguardo ansiosamente, pois nunca fiz. Recordo-me da minha mãe fazer isso e também bacalhau à Gomes de Sá, mas o único bacalhau que eu costumava cozinhar era o com natas. Sempre achei as outras receitas intimidantes. Os meus amigos portugueses falam frequentemente das comidas e bebidas que trazem de Portugal, mas eu quase que nunca trago coisas para comer. Invisto mais em artesanato e livros, logo rodeio-me de coisas portuguesas não-comestíveis. A maior parte do Portugal comestível que eu consumo é comprado nos EUA. Achei engraçada esta diferença.

sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Leao

Estou de férias e vim a Houston. Antes de partir, dei um pulo ao cabeleireiro, mas como a minha estilista habitual não está a ver ninguém porque a filha testou positivo para Covid, tive de ir a outro lado. Fiz a reserva online e reparei que o sobrenome da estilista que me ia atender me parecia português: Leao. Era mesmo, é uma senhora que já deve ter mais de 60 anos, que nasceu em Hong Kong, de pai português e mãe chinesa. O pai registou-a como portuguesa, mas ela só descobriu há pouco tempo, quando pediu a uma amiga que falava português para traduzir um papel.

Perguntei-lhe se tinha passaporte, mas não tinha o português, nem se apercebeu que podia tirar, que podia viver em Portugal, que direitos tinha enquanto portuguesa. Também não precisa, dado que também tem nacionalidade americana e britânica. Fiquei curiosa em saber quantas pessoas não estarão em situação semelhante, em que são cidadãos de Portugal, mas não sabem o que isso significa.

terça-feira, 5 de outubro de 2021

Caixa de Pandora

Devíamos ter tido um dia em cheio, agora que os Pandora Papers saíram e, supostaments, são tão mais completos do que os Panama Papers, o que nos garantia que os mauzitos iam cair desta vez. Era, era, mas o Facebook, o Instagram, e o WhatsApp tiveram um treco de mais de 6 horas, qual caixa de Pandora.

Felizmente, parece que nenhum político de alto calibre português tem contas off-shore. *cough, cough* O PS teve mesmo visão quando passou aquela lei em que se pode repatriar dinheiro pagando só 5% de imposto. Isto evitou enormes chatices e até ajudou a equilibrar o erário público.

Imagine-se que os moços do Facebook nem entrar no seu edifício conseguiam porque o leitor de cartões não estava a funcionar e não abria a porta. Uma incompetência tamanha só podia ser produto americano.

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Decepcionante

Estava a ler a coluna do Ross Douthat no NYT e caiu-me o queixo. Falava ele da possibilidade de Biden perder contra Trump em 2021. É provável que sim, mas seria extremamente decepcionante que as próximas eleições tivessem estes dois candidatos como escolha. Ambos são medíocres e demasiado velhos para o cargo. A que estaremos nós reduzidos se estes dois são o melhor que os partidos têm para oferecer e os eleitores acharem bem.

O que vale é que ainda há muita água para passar debaixo desta ponte: continuamos com bastantes incertezas relativamente à pandemia, às quais se acresce uma possível crise energética, bancos centrais a normalizarem a poítica monetária, e um mercado laboral muito desequilibrado. Não há como sair disto sem uma crise.

domingo, 3 de outubro de 2021

A arte de dizer mal

Jantei fora com uns amigos americanos e a noite prolongou-se. Acabámos a falar de política--se me dissessem há 30 anos que os meus serões seriam assim passados, acharia que a pessoa realmente não percebia nada de mim. Afinal quem não percebia de mim era eu própria, mas digressiono.

O mais interessante para mim nos EUA é a forma como os americanos se criticam a si próprios, ao seu governo, à sua cultura. Perguntava-me um dos meus amigos o que era ser americano? Não é nada porque a América é tão heterogénea, nada que se compare aos alemães, italianos, polacos, etc. Na Europa é que se encontra uma verdadeira identidade nacional, concluia ele.

Depois é preocupante a forma como os americanos estão endividados, a tal máquina impressora de dólares que só é viável porque os EUA têm a reserva de valor internacional, mas até quando durará isso, perguntava. Não há resposta satisfatória porque tudo tem um fim, mas por enquanto os valores da América não só prevalecem como servem de farol para outros países, logo talvez seja uma questão de crença.

Pode parecer difícil de acreditar que uma sociedade que produz Trump possa criar algo de valor, mas há um enorme enigma: porque é que alguém como Trump pode despoletar mais progresso social do que um Obama? Como é que a sociedade civil se movimentou tanto, definindo caminhos e valores que repudiava versus outros que preferia?

O que para mim é salutar é que os americanos são imbatíveis a dizer mal e a apontar os seu próprios erros e limitações e fazem-no a pessoas de fora, são mais duros consigo próprios do que com os outros. Ninguém diz "está calado para não dar mau aspecto." Pelo contrário, se um diz mata, o outro diz esfola. Enquanto este espírito de auto-crítica durar, os americanos estarão safos.

sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Irresistível

É imperativo gozar com o estado da justiça portuguesa. Afinal o Rendeiro esqueceu-se que, após condenação, teria de se render. O melhor é processá-lo por publicidade enganosa. Entretanto, vale a pena alargar o portfólio de ditados populares:
  • Foge, foge ó Rendeiro -- de Portugal nem leves o cheiro
  • Mais vale um Rendeiro em fuga que Outubro de chuva
  • Rendeiro fora de casa, orelhas do Costa em brasa
  • A justiça lenta o coração do Rendeiro alenta
  • Não adianta chorar sobre o Rendeiro fugido
  • Rendeiro nas Bahamas disfarça-se até com mamas
  • Mais depressa que a 100, Rendeiro vai, mas não vem
  • Rendeiro de charuto nem parece ser corrupto
  • Da melhor democracia, até Rendeiro se extravia
  • Num longe mar vê-se o Rendeiro a nadar