domingo, 26 de dezembro de 2021

Wish you were here

Sexta-feira, 24 de Dezembro, não foi dia de trabalho. Quando os feriados calham ao Sábado nos EUA, tira-se a Sexta-feira. Talvez por isso não houvesse grande trânsito na auto-estrada e consegui fazer a viagem de Memphis a Houston em pouco mais de 9 horas de carro, com apenas duas paragens. Entre Memphis e Little Rock havia muito poucos camiões, o que é bastante anormal -- este curto percurso faz-se em duas horas, mas é dos mais desagradáveis que conheço.

Não fiz nada de produtivo durante a viagem; às vezes, falo ao telefone ou ouço livros em audio; desta vez, apenas ouvi música e apreciei a paisagem. As árvores estão nuas e, apesar da claridade do dia, parece que o manto de escuridão da noite as cobre. O azul do céu salpicado de núvens recorda-me sempre de "O Império da Luz," um dos meus quadros preferidos.

Durante as minhas paragens em bombas de gasolina, vi muito poucas pessoas de máscara, o que me pareceu um presságio do que estava para vir. A ideia original de passar o Natal com uma das minhas amigas portuguesas foi da mãe dela, que a sugeriu em Outubro. Para mim tinha um significado especial porque a última vez que estive com portugueses pelo Natal foi em 1998, quando visitei os meus pais.

Ah, a discriminação. Falo tanto dos meus amigos e das minhas coisas portuguesas aos meus amigos americanos, que na semana passada calhou a minha vizinha usar-me como exemplo de discriminação, logo não é de estranhar que os brancos procurem outros brancos, se a Rita de Portugal procura outros portugueses, apesar de estar longe de Portugal.

O nosso vizinho, que estava de visita, deu uma perspectiva romântica do que eu procuro, dado que o meu Portugal é uma coisa agradável, a comida é muito boa, os meus amigos portugueses são pessoas que eu adoro e que me adoram, ou seja, o meu estilo de vida é desejável. Quem cresce nos ghettos não deseja lá regressar, dizia ele, em vez do familiar, essas pessoas procuram o que lhes é estranho.

A minha procura do conforto nacionalista não correu como previsto porque um dos nossos amigos portugueses que ia passar o Natal connosco testou positivo e depois dele--mais um das minhas relações próximas que ficou infectado,-- que é uma pessoa extremamente cuidadosa e que não faz ideia de como tenha apanhado, pareceu-me que estava tudo perdido. Vamos apanhar todos, sei lá se já tenho ou tive.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Maldita fome

Ontem fez uma semana que magoei um dos meus dedos. Não reparei que uma caneca que se partiu tinha espalhado alguns pedaços de vidrado pela borda do lava-louça e, quando estava a arrumar a cozinha, um pedaço alojou-se no dedo do meio da mão direita. E ainda cá está. Calhou que isto aconteceu na véspera do meu exame médico anual, mas a médica não quiz fazer nada porque não conseguia ver onde estava o "objecto estranho" e dizia-me que a ponta de um dedo tem muitos nervos e é um sítio muito doloroso, logo tinha receio de me magoar. Mandou-me aguardar uns dias a ver se a coisa saía sozinha; senão, recebi instruções de lhe enviar um email a pedir para me marcar uma consulta para um especialista de mãos. Acho que não vai ser preciso porque já vejo a ponta do vidrado perto da pele, logo penso que está a sair.

Durante a consulta, viu o meu ficheiro e ficou satisfeita que as minhas vacinas estavam todas em dia. Disse-lhe que só ia tomar o reforço anti-Covid em Março e ela achou bem. Perguntou-me acerca da minha dieta, o que foi novidade, e relatei o que comia e o que não comia -- abdiquei de quase todos os cereais porque me sinto melhor assim. Há um ano, tinha-me dado indicação para modificar a dieta porque o colesterol estava muito alto e, por acaso, naquela altura andava a comer bastantes ovos, o que não é normal para mim.

Quanto ao teste do Papanicolau, como fiz no ano passado, não preciso de repetir por uns anos. Restou apenas o mamograma, mas como tenho uma fibroide no peito esquerdo, as instruções dos técnicos é que tenho de fazer uma ecografia para acompanhar o mamograma. Aquiesci, apesar de custar $900 a ecografia, mas eu coloco $3500 ($750 é contribuição do meu patrão) por ano numa conta poupança-saúde (esse dinheiro não paga impostos) para estas eventualidades. Detesto gastar dinheiro em médicos.

No fim, mandou-me para o laboratório para fazer análises. Estava eu sentada na sala de espera quando do outro lado do corredor chega um homem branco 11 anos mais velho do que eu. Calhou eu ficar com a técnica de raça branca e ele com a técnica de raça negra. Sentei-me, dei o meu nome e a minha data de nascimento, virei a cara para o outro lado, e tentei ignorar a picada. Do outro lado da sala, o meu companheiro de tortura começou a refilar que ia ficar com uma nódoa negra porque a técnica tinha feito asneira com a seringa.

Fiquei duplamente chateada: primeiro por ter de o aturar, apesar de ele não estar a falar para mim; depois porque eu não disse nada para a defender. Eu já apanhei aquela técnica e ela nunca me deu uma nódoa negra, nem nunca achei que tivesse sido mal-atendida. Concluo que não estava no meu melhor: é no que dá ir em jejum para estas coisas. Para a próxima não posso ficar calada, mesmo se estiver com fome.

domingo, 19 de dezembro de 2021

Empobrecimento generalizado

Finalmente, ao fim de 13 anos de políticas monetárias muito acomodativas a nível mundial, temos inflação. Ou seja, a política monetária tem muito pouco a ver com a coisa. A política fiscal de resposta à pandemia foi bastante generosa e pode ter ajudado a recuperar os níveis da procura, mas a grande causa da inflação que sentimos deve-se ao ajustamento da cadeia de distribuição.

O facto de a economia mundial ter praticamente parado em 2020, o uso de encomendas via Internet ter disparado, os sucessivos confinamentos, inclusive em países asiáticos que há décadas exportavam deflação, e a flexibilização do mercado de trabalho -- a economia dos biscates -- levaram a que os preços aumentassem para que os recursos fossem racionados e também para sinalizar aos consumidores e produtores qual a melhor alocação de recursos.

Infelizmente para Portugal, isto são péssimas notícias pois acelera o processo de empobrecimento do país ainda mais. Não basta os preços aumentarem, o que encarece as importações, mas a pressão para aumento dos salários no estrangeiro irá atrair mão-de-obra portuguesa. Ainda hoje falei com uma senhora que recruta pessoas na área de IT que me dizia que as empresas com quem ela trabalhava nos EUA estão muito mais abertas a procurar empregados noutros países.

Perante o aceleramento da mudança nas economias mais desenvolvidas, em Portugal persiste a ideia generalizada de que a solução para os problemas do país é continuar as políticas falhadas que o levaram a um estado lamentável. Nem a aproximação de eleições inspira novas ideias, nem sequer há gente a sério. Nunca Portugal teve políticos com CVs tão pobres.

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Rancho ou Feijoada

Na semana passada, calhou fazer um estufado de grão de bico com frango que, não sei porque carga de água, me recordou de rancho. Já não pensava em rancho há mais de 25 anos. Não era uma comida que fosse frequente no repertório lá de casa e também não é das coisas em que pense e deseje, mas o inesperado aconteceu finalmente. Comecei a investigar as receitas de rancho nos meus livros de culinária e tirou-me o apetite: grão de bico, batatas, e macarrão. Este último não posso comer e não confio que as versões de massa feitas à base de tubérculos tenham a consistência necessária para aguentar o prato. Um outro inconveniente é que andar a comer grão de bico duas semanas seguidas parece-me enjoativo. Optei então por feijoada.

Durante o fim-de-semana recolhi os ingredientes necessários em dois supermercados (o primeiro não tinha toucinho) e lá fiz a minha feijoada no Domingo à tarde. Como fiz dose industrial, comprometi-me a fornecer o jantar à família da minha vizinha, que é a minha família de apoio durante a pandemia. Atrasei-me um bocado e só ficou pronto às 18:10, logo a mãe dela já tinha comido. Também estava com receio que a mãe comesse feijoada ao jantar porque é um prato pesado e ela está tão fraca e mais para lá do que para cá. Achei mais aconselhável que o prato fosse consumido durante o almoço de hoje.

Foi um sucesso: ao almoço comeu duas doses (feijoada com arroz branco, à boa maneira portuguesa) e ao jantar voltou a comer dado o sucesso do meio-dia e apesar das minhas reticências. Achei engraçado que um prato tão tipicamente potuguês lhe agradasse tanto, especialmente numa altura em que já tem tanta dificuldade em comer e beber. Não só acaba com fluídos nos pulmões, como muitas vezes recusa comida. Comprometi-me a fazer uma sopa para amanhã: vou meter carne de vaca, toucinho, batata, cenoura, nabo, e couve. Bem sei que é uma sopa inventada, mas é um bom veículo para ela consumir proteína e líquidos. E por lá gostam muito das minhas sopas.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Masoquismo nacionalista

Contactei o Consulado em Washington, DC, para renovar o meu passaporte e cartão de cidadão. Responderam-me que tem de ser presencial e com marcação prévia. Falei então com um amigo meu português que vive lá para as bandas da capital americana, que me disse que só há uma funcionária e demora meses a tratarem das coisas.

Não faz sentido nenhum o governo português continuar com políticas que promovem tanta burocracia e atrasam os cidadãos. O mais patético é que andam a gastar dinheiro em campanhas nas redes sociais para investir em Portugal, o que é um perfeito disparate dado tudo o resto. Sem acesso a serviços consulares, as pessoas não podem fazer negócios em Portugal.

Quem já investiu pode continuar a pagar impostos em Portugal porque as obrigações nunca estão fora de prazo, apenas os direitos, como por exemplo o direito de eleger um governo. Não recebo emails a avisar-me de como exercer os meus direitos, mas todos os seis meses, sem falha, lá recebo a notificação do Portal das Finanças a dizer para não me esquecer de pagar o IMI.

Marcelo Rebelo de Sousa, na última campanha para as presidenciais, comprometeu-se a melhorar a situação do voto dos emigrantes. Até agora não fez absolutamente nada. A comunicação social também não lhe exigiu prestação de contas acerca do que (não) tem feito. É inconstitucional suspender os direitos de cidadania. Ele é que é o guardião da Constituição, logo cabe a ele exigir que os governos respeitem os direitos dos cidadãos.

E, ironia das ironias, vejo mais gente em Portugal preocupada com os direitos de voto dos americanos do que com os seus próprios direitos. A meu ver, no que diz respeito a conseguir exercer o direito de voto, Portugal é muito pior do que os EUA. Os americanos saem para a rua e manifestam-se na comunicação social para proteger quem tem os seus direitos atacados; os portugueses não só não saem, como atacam os concidadãos que se queixam. Que raio de masoquismo nacionalista nos aflige?

domingo, 12 de dezembro de 2021

Um dia estranho

Ontem de manhã, as janelas cá de casa estavam todas embaciadas. Achei estranho, mas não pensei mais no assunto e, como o dia ia estar ameno, decidi dedicar-me à jardinagem, dado que havia bastante para limpar e algumas plantas para transplantar. De vez em quando passava uma aragem forte e quente que dava vontade de abrir os braços e a sentir percorrer pelo corpo -- ovento do sul é o meu preferido. Já era quando eu vivia em Portugal.

A minha permanência no jardim impediu que os pássaros aparecessem para comer, até que já escurecia e uma fêmea cardinal voou pelo jardim fora apavorada, sendo perseguida por um gavião de Cooper. A coitada passou a vedação e deu meia-volta, mas foi contra uma janela e ficou meia-atordoada; não sei o que se passou a seguir, mas receio o pior. Quando abri a porta, nem a vi, nem o vi, apenas alguns pássaros voavam alto, como que em fuga. Quando ficou escuro, enquanto jantava, vi pássaros no jardim a comer sementes do chão, que caem dos comedouros.

Fui passear o Julian e no meu telefone davam indicação de estarmos sob alerta de tornado. Olhei para o céu e efectivamente, as nuvens indicavam que algo se passava. Não me recordo de ver algo assim em Memphis e nem é normal estas tempestades aparecerem em Dezembro, mas a temperatura alta -- chegaram a estar mais de 25,5° C -- e a humidade não deixavam dúvida que uma camada de ar quente do Golfo do México estava presa sob ar mais frio. Tirei uma foto da nuvem mais pituresca, regressámos a casa, e fui visitar a minha vizinha, onde estive cerca de uma hora.

À saída, havia trovoada para oeste e norte, mas só víamos os relâmpagos suficientemente longe para não se ouvir o trovão. As nuvens movimentavam-se rapidamente e havia vento forte. Quando cheguei ao meu pátio, a cadeira de madeira de dois lugares, que tinha uma cobertura impermeável, estava derrubada. Levantei-a e arranjei a mobília exterior de forma a que ficasse mais resistente ao vento.

Entretanto, os ramos abanavam nas árvores e o vento uivava. No jardim estava muito escuro para tirar vídeo, logo saí à rua para aproveitar a luz pública. Calhou que, enquanto filmava, a base do poste da bandeira que decora a casa dobrou-se com a força do vento e a bandeira ficou pendurada com o poste a bater na varanda. Como a minha casa tem imensas janelas, apressei-me a ir tirar a bandeira antes que fosse projectada por uma janela adentro. Pareceu-me mau sinal aquilo ter acontecido.

No telemóvel, as notificações indicavam que, no Arkansas, um lar de idosos tinha sido atingido por um tornado e havia fatalidades. Em Memphis e Shelby County, depois da meia-noite, o alerta de tornado foi modificado para aviso. Aconteceu que não acordei com as sirenes, trovoada, chuva torrencial, vento, alertas do telemóvel, etc., Passava das quatro da manhã quando regressei ao mundo dos vivos e vi que a noite tinha-se confirmado sido bastante perigosa. A minha vizinha tinha mandado um SMS a saber se eu estava bem. Ela e a irmã tinham colocado almofadas sobre a mãe e esconderam-se debaixo da cama de metal. Respondi que sim e aproveitei para meter um post no Facebook a avisar que estava tudo bem em minha casa. O pior da tempestade tinha passado a oeste de mim. Continuámos sob alerta de tornado e eu voltei a adormecer.

Felizmente correu tudo bem por aqui, mas muitos não tiveram tal sorte. Uma fábrica de velas no Kentucky parece ter tido mais de 100 fatalidades. Os governos locais já accionaram o governo do estado e o governador do Kentucky já disse que tinha pedido ajuda ao governo federal e tudo estava encaminhado. A Cruz Vermelha, a United Way, World Central Kitchen, e outras organizações de fins não-lucrativos também já iniciaram esforços para apoiar as pessoas afectadas.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Competição e progresso

Quem duvida que a competição tenha benefícios pode ver como as coisas funcionam na questão de Covid-19. Ontem a Pfizer anunciou que a sua vacina permite alguma protecção contra a variante Omicron e já estão a trabalhar em modificar a fórmula para aumentar a protecção, logo daqui a curtos meses as novas vacinas serão mais eficazes. Como o meu plano é de levar uma vacina de reforço em Março, conto que as outras marcas sigam o mesmo processo. As minhas primeiras duas doses foram da Pfizer, logo quero levar uma vacina de marca diferente como reforço.

Espero que o governo português tenha um plano para as vacinas de reforço -- bem sei que o governo está de saída, mas isto não são coisas que se planeiam numa semana. O esforço inicial de vacinação foi começado há um ano, logo há que assegurar que esses primeiros vacinados tenham a vacina de reforço. Paralelamente, há que continuamente lembrar as pessoas das boas práticas pessoais na gestão do vírus e também liberalizar os horários do comércio e outros serviços para permitir uma melhor gestão do número de pessoas que frequenta o espaço público, para além de inovar na área da economia digital. O recurso aos chamados lockdowns só indica ignorância e falta de preparação.

Depois de dois anos de pandemia, a sociedade e a economia deviam conseguir funcionar relativamente bem, com um sistema flexível que permita uma adaptação mais rápida a novas condições, ou seja, algo que promova o progresso.

terça-feira, 7 de dezembro de 2021

O limite do que sabemos

Diz o NYT a propósito de Omicron que "Researchers in South Africa, where the variant is spreading quickly, say it may cause less serious Covid cases than other forms of the virus, but it is unclear whether that will hold true."

É muito difícil comparar a severidade desta variante com as anteriores porque os testes são ubíquos agora, logo é mais fácil encontrar casos, especialmente os não-sintomáticos. Antes, testava-se quem exibia certos sintomas, agora vai tudo a eito.

No que diz respeito à severidade, é relevante considerar que a população actual está truncada porque os mais susceptiveis já morreram com variantes anteriores, logo, temos uma população mais resistente. Dadas as taxas de vacinação e o número de recuperados, também podemos considerar um possível efeito de censura dos dados.

Ou seja, temos uma população com características muito diferentes do que tínhamos há um ano, logo temos de ter bastante cuidado com as conclusões que retiramos dos dados.

sábado, 4 de dezembro de 2021

Literalmente, um rabo gordo

A "literalidade" é capaz de ser um dos meus maiores defeitos, mas não acho que seja mesmo defeito, é apenas uma característica do meu cérebro, e muitas vezes quando ouço alguém falar, ou até quando leio, não percebo o que é dito. Depois há ainda outra dificuldade porque, à medida que o mundo se torna global, mesmo global, no sentido em que conhecemos e convivemos com pessoas de sítios muito diferentes, com quem podemos ter uma língua em comum, mas significados diferentes, a possibilidade de falhas na compreensão aumenta. Ruído é tudo o que impede a compreensão, dizia o meu livro de português do quinto ano de escolaridade.

Estava numa amena cavaqueira com uma amiga brasileira e deparei comigo muito encalhada na conversa. O tópico era homens e sexo, logo reconheço que estou em desvantagem -- claramente -- porque desde que mudei de Portugal, decerto que a língua mudou nestas conversas e depois há o detalhe de sermos de dois países diferentes. Ela falava em namorar e eu imaginava os idílios amorosos da minha juventude, se calhar mais inspirados pelo Camões, em que os elementos do casal olhavam um para o outro e o mundo estendia-se a seus pés. ã medida que a conversa fluía, salvo seja, percebi que o namorar dela era o que eu chamava de foder porque, lá está, sou literal.

Hoje de manhã, acordei a pensar que havia muito ruído na conversa. Se calhar, mal apanhei o fio à meada, o que inspirou aquele suspiro de resignação como se vê nos filmes. Há mais de 20 anos, suspirei assim porque a bagageira do meu carro estava cheia de tralha, o que confessei ao meu namorado:

Eu: "I have so much junk in my trunk!"
Ele: "Don't ever say that again."
Eu: "Why not? It's the truth."
Ele: "It means you have a fat ass."
Eu: "Oh..."

Nariz com mostarda

O plano para daqui a oito dias era ir a Nova Orleães. Era porque já não é. Por um lado, com a situação da minha vizinha não tenho andado com muita cabeça para pensar na viagem; por outro, porque fiquei chateada. Uma das minhas amigas que vai telefonou-me a perguntar se eu tinha ido levar o reforço da vacina ao que respondi negativamente. A minha intenção é esperar até Março porque isso maximiza a resposta do meu sistema imunitário segundo li na Bloomberg (era a opinião de um médico que citavam). Nesse caso, informou-me ela, não se sentia confortável em partilhar o quarto de hotel comigo. Mas eu nem tinha pedido para partilharmos o quarto de hotel.

Ela é mais velha do que eu, logo apanhou a vacina antes de mim -- eu fui das últimas pessoas do meu círculo de amigos mais próximos a levar a vacina por causa da minha idade e porque não estava em situação de risco, dado que trabalhava de casa e não ia a quase lado nenhum. Agora sou discriminada porque não quero tomar o reforço da vacina nesta altura. E nem sequer tem lógica que ela tenha medo de mim, dado que ela pode muito bem apanhar o vírus e dar-mo a mim. Depois também há o pormenor não insignificante que Nova Orleães no Natal fica com bastante gente, logo se não está confortável ao pé de mim que sou extremamente cuidadosa, como é que está confortável em ir para o meio dos malucos de NOLA?

Subiu-me a mostarda ao nariz e não estou em condições de ser boa companhia, então vou ficar em casa. Se me apetecer viajar, posso sempre ir sozinha, até porque eu gosto de hoteis mais giros do que aquele para onde vão.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Coisas misteriosas

Há dois dias acho que recebi uma notificação da minha médica a dizer que tinha de ir fazer a revisão anual. Digo "acho" porque li aquilo quando recebi, mas depois não consegui encontrar de onde vinha a notificação e até tinha desaparecido do rol das mesmas. Lá fui obediente nem sei a quem ou quê, se aos serviços automatizados, se à minha imaginação, e ontem telefonei a fazer a marcação não só da revisão, mas também da vacina da gripe, que ainda não tinha tomado e bem sei que já estou com uns dois meses de atraso.

Fiquei um pouco chateada que só houvesse consulta para meados de Janeiro, mas a vacina da gripe pude tomar hoje, dado que havia vaga para as duas da tarde. Agendei ambas e hoje ao almoço, telefonam-me do centro médico para dizer que no dia 13 de Janeiro não podia ter consulta porque a médica ia estar de folga. Olha que chatice, mas disse à senhora que o que eu queria mesmo era ter consulta em Dezembro. Era capaz de dar agora, disse-me, porque tinham andado a modificar os horários. Então e que tal dia 15, às 9 da manhã? Excelente, lá estarei.

Saí de casa às 13:25 para ir tomar a vacina, a contar com o tempo de lá chegar e depois preencher a papelada. Como é muito perto em coisa de cinco minutos estava lá e chamaram-me para entrar às 13:32. Apanhei uma enfermeira pouco conversadora, mas despachada. Às 13:38, entrei no carro para me ir embora e cheguei a casa às 13:43 porque estive parada num sinal STOP o que pareceu uma eternidade -- era hora de ponta naquele cruzamento.

Misteriosamente, tudo encaixou bem.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Terceira noite

Estamos na terceira noite de Hanukkah e estou à espera que as velas da chanukiah se apaguem para ir visitar a minha vizinha e acender as velas lá. Todas as noites o contraste entre o corpo e a mente da mãe dela é maior: o corpo está cada vez mais mirrado, apesar de ela estar a comer melhor e a tomar mais líquidos; a mente está mais bem disposta, reage a piadas e a comentários bem dispostos, fala mais alto. Nunca vi ninguém agarrar-se tanto à vida, como se estivesse a espremer tudo o que pudesse dar.

Mas este fim lento da mãe da minha vizinha por vezes enche-me de dúvidas. Eu não gostaria de estar assim e sei que ela não gosta deste limbo, por vezes com dores, mal-disposta... Ontem disse-me "I feel awful!" Depois, no fim, ao despedir-me estava animada quando lhe disse "You behave and don't do anything crazy. I love you and will see you tomorrow..." Respondeu "I love you, too" e sorriu muito.

Temos mais cinco noites de Hanukkah, talvez consigamos um milagre.

domingo, 28 de novembro de 2021

Talvez amanhã ou depois

Morrer faz tão parte da vida como nascer, mas enquanto o nascimento é uma coisa feliz, a morte é uma fonte de infelicidade. A última pessoa fisicamente próxima que me morreu foi o meu avô em 1983. Morreu à mesa, durante o almoço. Naquela altura, eu vomitava por tudo e por nada: se havia um cheiro intenso, se via algo com mau aspecto, etc. Por ser assim, o meu avô comia na sala de jantar e o resto da família na cozinha. Foi por isso que não vimos o meu avô morrer, apenas ouvimos um barulho e quando fomos ver, ele já não estava em si. Ainda me recordo de ouvir o meu pai a dizer "Ó pai!" quando o encontrámos e de ele o carregar ao colo para o carro. Quando chegou ao hospital, uns 10 minutos mais tarde, nem foi admitido porque já não havia nada a fazer.

Depois disso senti culpa de não estarmos com o meu avô. Talvez se estivessemos todos juntos ele não tivesse morrido. E vergonha, senti muita vergonha. Deixei de conseguir tocar nas coisas do meu avô, mas só nas dele. A minha avó tinha morrido no ano anterior, mas os seus objectos nunca me inspiraram medo. Quando a minha mãe morreu, há 15 anos, tiveram de esperar que eu chegasse a Portugal para fazer o enterro. Quando estávamos na morgue, perguntaram-me se a queria ver, mas recusei.

Viver longe da família é um bocado refugiar-nos da morte. Há pessoas que conheci aqui que morreram, mas foi sempre longe de mim. Até agora. Há menos de dois anos, a mãe da minha vizinha "adoptou-me". Uma vez, na cozinha lá de casa, ela dizia-me que não a deixavam partir -- morrer -- e eu respondi-lhe que não podia morrer. Se morresse, eu ficaria sozinha no país, não teria ninguém para cuidar de mim. E ela, apesar do início da sua demência, respodeu que isso não, ela ia cuidar de mim.

No último ano, tenho ajudado a cuidar dela. Estranhamente, ela fica calma ao pé de mim; sente-se bem disposta, tenta fazer piadas quando conversamos. Só que todos os momentos que passa comigo são ligeiros: não lhe peço para comer, nem lhe dou banho, medicamentos, etc. Nestes últimos dias nota-se que há um desajuste maior entre a cabeça e o corpo. O coração já está muito fraco, tão fraco que, há duas semanas, teve uma pneumonia da qual conseguiu recuperar. No entanto, cada dia está a ficar menos flexível, como se a cabeça estivesse a ficar aprisionada no corpo. Tem dificuldade em falar, não consegue mover-se, o sangue acumula-se nas mãos, doi-lhe tudo.

Quase todos os dias a vou visitar. No raro dia em que tinha as mãos frias e as minhas estavam quentes, tentei aquecer as dela. Tento reparar nestes detalhes para ver se adivinho o fim. Quando me despeço, passo a minha a mão pela testa dela e digo-lhe para se portar bem que a amo. Ela responde "I love you, too." Talvez amanhã ou depois seja a última vez.

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Happy Thanksgiving!

Mais um dia do perú, acho que foi o meu vigésimo-sexto que passei nos EUA. O meu primeiro foi em 1995 e passei-o em Dallas, TX; o segundo, dois anos depois foi em Ponca City, OK, que é uma cidadezinha bastante pobre na altura. É engraçado pensar no contraste dos dois locais agora, mas quando visitei era tudo novo e interessante, logo ambas as experiências foram igualmente boas. A comida é sempre o tradicional perú com o recheio, mais uma combinação de outros pratos da época: doce de arandos, puré de batata, batatas doces assadas, feijão verde com sopa de cogumelos, pudim de milho, salada, pãezinhos, pão de milho. Depois há variações, por exemplo, hoje no meu jantar o feijão verde era fresco (o tradicional é de lata) e tinha sido cozido e depois aromatizado com especiarias.

O Dia de Acção de Graças e toda a sua tradição é capaz de ser uma das minhas coisas preferidas de viver aqui. É uma altura do ano em que toda a gente está preocupada com os outros. Todas as pessoas que nos encontram perguntam que planos temos para o Dia de Acção de Graças e os americanos não gostam de ver ninguém a passar este dia sozinho. Mesmo quem escapa à pesca do convite acaba por frequentemente receber um prato de comida.

É paradoxal que um povo que tem a reputação de comer mal passe vários feriados em redor de comida e a organizar eventos para comer em comunhão com os outros. O dia da Independência dos EUA é piqueniques e cachorros quentes, a final do campeonato de futebol americano é uma tarde de petiscos, o 17 de Março -- dia da S. Patrício na Irlanda -- é comida irlandesa, o 5 de Maio, que nem é importante no México, é comida mexicana. E depois há os tradicionais potlucks nos escritórios, nas igrejas, nas universidades, etc. só para promover a camaradagem. Portugal devia pensar em criar uma coisa tipo o dia do pastel de nata; era capaz de ter sucesso na terra do Tio Sam.

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Dois em três

Soubemos hoje que os três homens que perseguiram Amauhd Arbery e o mataram, em 23 de Fevereiro de 2020, foram todos condenados. É justa a sentença, mas isso não invalida o sabor amargo que sentimos por estes crimes acontecerem. A vítima tinha 25 anos e saiu à rua para correr, quando os três acusados decidiram que, se ele estava a correr, era porque tinha feito algo de mal e daí decidiram persegui-lo até que o mataram a tiro.

Os meus vizinhos a norte, na terceira casa depois da minha, têm uma placa à frente de casa a pedir justiça para as vítimas de crimes raciais. As placas foram uma iniciativa de duas famílias de Memphis. O nome do Amauhd está na lista, assim como o de George Floyd e o de Breonna Taylor. Em Abril, o polícia que matou George Floyd foi condenado a 22,5 anos de prisão. Dos três, apenas Breonna Taylor não verá justiça, pois ninguém foi acusado da sua morte.

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

A democracia vibrante

É meu costume, ou talvez interesse, ler textos sobre Portugal escritos antes da Revolução de Abril. Acho que tenho alguma curiosidade em saber se as pessoas tinham alguma noção do regime em que viviam; mas parece que não porque era tudo muito respeitável. Como hoje, em que a democracia portuguesa também é muito respetável.

Uma das características que os portugueses associam a respeitabilidade é o consenso: toda a gente tem de pensar da mesma forma, não faz sentido haver discórdia porque verdade há só uma, ou não fosse a vida todo um destino fatídico pré-definido por forças divinas. Isso é que é uma democracia vibrante: uma sociedade em que todos puxam para o mesmo lado.

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Wisconsin

Depois de termos passado umas semanitas a ouvir falar do Wisonsin por causa do julgamento do Kyle Rittenhouse, que foi absolvido há dias, eis que hoje alguém atropelou uma multidão no cortejo que celebrava os 125 anos da cidade de Waukesha, precisamente no Wisconsin. Ainda não foi publicitado nada acerca do motivo por detrás do incidente de hoje, mas é estranha a coincidência.

Nunca me cruzo muito com este estado, a não ser quando vou comprar queijo, dado que tem uma indústria de lacticínios bastante grande; isto para dizer que, a maior parte do tempo, nem me lembro que existe, e nem me recordo de conhecer alguém de lá, apesar do meu portefólio de amigos ser bastante variado e alargado. Também há aquela cena do Love Actually, em que o Colin visita o Wisconsin, que é um filme que costumo ver uma vez por ano.

Aguardo com curiosidade o que dirão as autoridades acerca de hoje.

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Os pessimistas

Estava a falar com um amigo meu e calhou mencionarmos o refinanciamento de hipotecas. Quase toda a gente que conheço e que tem uma hipoteca já refinanciou. O meu vizinho do lado que comprou a casa quase um ano depois de mim refinanciou primeiro do que eu e até me disse que tinha aumentado o valor financiado porque um contabilista amigo dele lhe tinha dito que era a estratégia ideal.

Acho uma estratégia arriscada, mas como consigo poupar bastante dinheiro, não faz sentido para mim tirar dinheiro da casa para estar parado numa conta à ordem ou para usar em consumo. Quanto a investir o dinheiro na bolsa, também não acho que faça sentido no meu caso, dado que as minhas contas poupança-reforma estão bastante investidas na bolsa (80% de exposição à bolsa, 20% a bonds), logo preciso de diversificação e ter capital amortizado na hipoteca mais dinheiro em caixa complementa bem as minhas contas de poupança-reforma. O meu objectivo era acelerar o pagamento da hipoteca refinanciando a 15 anos e até comprei alguns pontos para baixar a taxa de juro, que ficou em 2.25%. Tive bastante dificuldade em explicar ao senhor que tratou do refinanciamento que não queria que me dessem dinheiro em troca de uma hipoteca mais alta. Enfim, parece que leram todos o Rich Dad, Poor Dad, mas eu não sou pai de ninguém.

Dadas as taxas de juro mais baixas, os preços das casas a apreciar, e a política fiscal expansionista, o certo é que os americanos estão bem de poupanças e acesso a capital--o governo é que ficou um bocado mais endividado. Não é de admirar que, em Agosto, muita malta tenha desistido do emprego e também há os que se reformam antecipadamente. Todo este dinheiro permite a muita gente viver sem trabalhar durante alguns meses. Depois temos também as inovações em termos de trabalho, em que é muito fácil arranjar um emprego part-time em que as pessoas decidem quando querem trabalhar ou até monetizar a casa através do Airbnb, logo os trabalhadores têm muito mais opções do que o normal.

Veremos quanto tempo irá durar esta folia. Isto tem tudo para ser um castelo de cartas, mas também pode correr bem. Nós imigrantes (o meu amigo e eu) é que ficamos um bocado assustados com tanto optimismo.

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Quase, quase

O número de casos e mortes por causa de Covid-19 está a aumentar nos EUA e na Europa, apesar das vacinas. Mesmo Portugal com a sua alta taxa de vacinação não escapa à tendência. O pior é que há bastantes vacinados a ir parar ao hospital, o que não é surpreendente--é a lei dos grandes números. No entanto, estou animada acerca disto. Este inverno deve ser ou vai ou racha e depois disto já haverá comprimidos anti-virais que parece serem bastante eficazes. Estamos quase a ver-nos livres disto.

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Lusocentrismo

Não aprecio a cobertura de Portugal que aparece no NYT porque resume-se a propaganda. Não sei se a culpa é do governo português ou da equipa editorial do NYT. Um dos artigos mais recentes é sobre a lei que impede os patrões de contactar os empregados fora de horas, ou seja, uma lei que introduz mais rigidez no mercado de trabalho.

Desde há quase dois anos que andamos nisto do trabalho remoto e algumas das coisas que ouço dos meus colegas é que apreciam a flexibilidade, gostam de poder passar mais tempo com os filhos, e as poupanças de tempo de gasolina também ajudam. Já aconteceu em conferências por telefone alguns (homens!) estarem a lavar a louça ou a preparar uma refeição, também têm a possibilidade de ir levar e buscar os filhos à escola, etc. Ou seja, em vez de se trabalhar as oito horas quase seguidas com intervalo de almoço, a gestão de tempo é mais fluída e os empregados ganharam alguma independencia de como organizar o seu dia. Desde que apresentem o serviço a tempo e horas, não parece que seja um problema ter um horário mais felixível.

Em empresas multinacionais, há também um outro aspecto a considerar, dado que parte da equipa pode estar espalhada por outros países. Recordo-me de uma vez ter uma reunião às 6 da manhã porque um colega estava na China, mas o mais frequente é os colegas dos outros países terem horários não-convencionais para poderem contactar com quem está nos EUA. Por exemplo, há um colega que está na Índia de quem nós dizemos, a brincar, não dormir porque está sempre a responder aos nossos emails. É no que dá ter pessoas na Índia, China, Europa, EUA, Brasil, Àfrica ocidental na mesma equipa.

Tudo isto para perguntar quem é que na sua supra-sapiência acha que vai atrair trabalhadores estrangeiros, como sugere o artigo, para ir trabalhar para Portugal, quando é proibido contactar a pessoa fora das horas de trabalho portuguesas? Uma empresa americana, que está pelo menos 5 horas atrasada relativamente a Portugal vai incentivar alguém a trabalhar de Portugal dada esta legislação?

E como é que a legislação vai ser aplicada? Quem vai fiscalizar? Como é que vão cobrar as multas? Suponhamos que havia realmente empresas estrangeiras que deixassem os empregados trabalhar de Portugal, que jurisdição teria Portugal sobre estas empresas para lhes aplicar multas?

Percebe-se esta tendência populista para ganhar votos perto das eleições, mas uma pessoa fica envergonhada com esta mania que o mundo gira em torno de Portugal.

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Interrupção

Um dos meus Instagrams preferido -- talvez mesmo o meu preferido -- é o Paleio da Ana Rodrigues. Não tenho dúvida que é um dos melhores de Portugal. Já o acompanho há bastantes anos, tantos que numa das minhas visitas a Portugal até cheguei a passar uma tarde com a Ana no Porto. Acho-a uma mulher incrível e das pessoas mais criativas que conheço. Todos os anos, faz um ou vários projectos artísticos, um deles costuma ser enviar um postal por semana a uma pessoa. Recolhe a morada de pessoas que estejam interessadas, pessoas que ela não conhece, mas que pelo milagre da Internet seguem o seu trabalho e querem participar. Os postais são em si obras de arte, que ela dispersa pelo mundo, como se fossem sementes.

Também implementa projectos anuais publicados no Instagram, em que todos os dias há uma publicação. Já houve fotos a preto e branco, outro projecto era em filme fotográfico, há uns anos as fotos foram tiradas com a Fuji Instamax Mini, etc. O deste ano é fazer 10 segundos de filme por dia e é simplesmente magnífico, vale mesmo a pena ir espreitar. Só que tudo está em suspenso porque a Ana anunciou que vai fazer uma interrumpção para poder lidar com alguns problemas de saúde. Estou triste, mas também feliz por ela ter decidido cuidar de si. As melhoras a ela.

domingo, 14 de novembro de 2021

Segunda lição

Na Quinta-feira, foi a segunda lição do Julian, leia-se minha. A professora chegou e eu disse logo que ainda não tinha tido oportunidade de aplicar muitos dos conselhos, mas tínhamos andado a praticar o nosso sit-stay-come. Ele estava mais calmo, mas ainda com necessidades afectivas: de vez em quando, o Julian olha para as nossas mãos e acha que deviam estar a dar-lhe uma massagem, então enfia a cabeça mesmo a jeito. Não é muito humilde, o rapaz. Acha que o mundo se deve subjugar à sua vontade. Mostrei o nosso sit-stay-come e estava mais ou menos. Também pratiquei meter-lhe a coleira de sair e a trela e sentarmo-nos no sofá para ele calibrar o seu nível de entusiasmo associado à coleira e trela.

Para o final, praticámos eu passeá-lo com a professora atrás de mim. Normalmente, o Julian fica muito agitado quando alguém nos acompanha, mas desta vez estava relativamente mais calmo, apesar das muitas distrações como a presença da professora, o jardineiro do vizinho a fazer barulho com o aparador de relva, carros a passar, etc. Achei engraçado que, durante a aula, sempre que o Julian se porta bem, a professora olha para ele com bastante admiração e afecto. Acho que nuna tinha visto ninguém olhar para os meus animais assim, mas nota-se que ela gosta mesmo do meu pirralho.

Um dos nossos trabalhos de casa tem sido o praticar as minhas saídas e, por sorte, as portas que dão para o jardim são de vidro, logo ele pode ver-me afastar-me da casa. Peço para ele se sentar e ficar, saio pela porta, escondo-me por uns segundos, e depois apareço, abro a porta, e dou-lhe um biscoito. Ele fica sempre à minha espera muito atento, quase que com a respiração em suspenso e não tem ficado ansioso, o que é mesmo o objectivo. Mas, de vez em quando, faz uma coisa engraçada porque sai de casa para ir ver se a porta da garagem da minha vizinha está aberta. Ele adora ir a casa da vizinha. É mesmo um pateta...

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

Sobre o consolo

Estava na cama, a ler uma crítica sobre o livro "On Consolation", quando a minha vizinha me telefonou a ver se eu podia ir consolar a mãe dela. Está com pneumonia e doi-lhe o corpo todo. Ontem, quando decorávamos a vizinhança com bandeiras para o Veteran's Day, eu tinha falado com o marido acerca de um livro que li há bastantes anos chamado "How we die" e onde se falava de como, à medida que envelhecemos, o nosso coração fica mais fraco e não esvazia tão eficazmente o sangue dos pulmões e acabamos por ter pneumonias. Quando falei disto, ainda não sabíamos que a sogra estava com uma.

Procurei uns sapatos, enfiei o robe, e lá fui. Não sei o que tenho, mas a minha presença acalma-a e ficou bastante mais serena depois de eu chegar. Por vezes, olhava para mim longamente, meia-distante, mas também como se quisesse dizer algo, só que quando lhe perguntava o que era, respondia que não era nada. Eu acho que era tudo, é o tudo. Ela parece pressentir que não vai viver muito mais tempo e está à espera de se ir.

Na televisão passava um filme com a Doris Day e o Rock Hudson, que terminámos de ver. Para a relaxar e ver se adormecia, apagámos a luz alguns minutos antes do filme terminar. Assim foi e eu vim-me embora.

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Passado engraçado

Amanhã é Dia dos Veteranos e, como tal, eu e três vizinhos decorámos parte da vizinhança com bandeirinhas dos EUA. Calhou o meu vizinho do lado estar à porta de casa e perguntámos-lhe acerca do outro vizinho a sul que vendeu a casa recentemente. A esposa desse senhor teve um cancro do cérebro e foi umas das primeiras pessoas com quem me cruzei na vizinhança quando me mudei para aqui há quase três anos. Ele arranjou um emprego e decidiram mudar-se para Olive Branch, no Mississippi, que fica a 6 milhas de Collierville, TN, onde ele arranjou emprego. Apesar de ser camionista, o senhor foi também padre, mas não sei de que denominação. E é também um músico de bastante talento, pois foi o líder da banda do Willie Nelson. Olha que engraçado.

terça-feira, 9 de novembro de 2021

Estranha Língua

Terminei hoje de ver uma série norueguesa, produção da Netflix, e acho a língua deles muito estranha. No final, consigo dizer obrigada e Feliz Natal em norueguês, logo não se perdeu tudo. Espalhadas pelos diálogos havia muitas expressões inglesas o que me surpreendeu bastante.

Quanto à série em si, a premissa da história é bastante interessante. A parte mais curiosa é que a protagonista, que tem 30 anos, apaixona-se por um rapaz de 19 e a relação entre os dois é bastante boa, tão boa que na primeira noite que estão juntos, ela tem cinco orgasmos. Não sei se isto faz parte de uma campanha de normalização das relações entre mulheres mais velhas e homens mais novos, mas é interessante revisitar Mrs. Robinson, apesar da diferença de idades não ser tão grande na série como no filme.

Eu, se fosse um homem norueguês, estaria um bocado chateado porque o tal rapaz de 19 anos é sueco e deduz-se que o jovem sueco percebe mais de satisfazer uma mulher norueguesa do que um montão de homens noruegueses. Talvez a série sirva para incentivar os homens noruegueses a ter melhor desempenho. Se a moda pega, as mulheres portuguesas começam a caçar jovens espanhóis. Bem, pode ser que dê para dinamizar o turismo.

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

O benefício de ter eleições agora

Talvez a idade já me pese, mas nem acho que valha a pena falar do caso dos alunos que foram reprovados pelo Ministério da Educação. É surreal. Se calhar, por causa das eleições o governo tem um incentivo para fazer alguma coisa para encerrar o assunto de forma justa.

Outra coisa que pode beneficiar das eleições agora é a pandemia. Já há vários sinais de que temos de continuar a ser vigilantes. Nos EUA, a nação Navajo é a comunidade com taxa de vacinação mais alta e, mesmo assim, estão a ter um número crescente de casos por terem contacto com áreas que não estão tão vacinadas. Que corra tudo pelo mlhor.

domingo, 7 de novembro de 2021

Vida de cão

Na Quinta-feira, o meu cão deu uma bela exibição do que não se deve fazer. A treinadora chegou com alguns minutos de atraso e sugeri que passeássemos todos porque o Julian não gosta de andar acompanhado por terceiros. Desatou aos pulos e quase que partia uma perna ou a cabeça, tal era a forma violenta com que aterrava. Depois apareceu um outro cão a passear e ele continuou a portar-se mal, puxava a trela, tentava roer, etc. A coitada da treinadora ficou muito assustada e já falava em eu ir com ele ao vet para o meter a calmantes. Cheguei a pensar que ela me dissesse que não tinha conserto.

Quando regressámos a casa e nos sentámos no jardim, ficou super-calmo, como se fosse um cão completamente diferente: veio para o meu colo e ficou sossegado enquanto eu conversava com a senhora. De vez em quando, ela olhavs para ele, meio-incrédula e sorria porque ele é bastante engraçado. Já lhe tinha explicado que o cão foi achado na rua e não sabemos a sua proveniência, mas não estava muito bem cuidado. Como ela tem experiência com cães abandonados, sugeriu que talvez este cão pertencesse a alguma rapariga que arranjou namorado e o cão não se deu bem com o namorado, logo ela abandonou o cão. E não é que é completamente plausível? Sempre que vem cá a casa um homem que parece estar interessado em mim, o Julian chega à perna dele e começa a montá-lo. Podia dizer que fico um bocado envergonhada, mas acho extremamente engraçado, só que não me posso rir à frente dos cavalheiros.

Perante a versão soft do Imperador Julian, a treinadora ficou mais animada e acha que vamos conseguir melhorar o seu comportamento. O meu trabalho de casa é treiná-lo a andar bem de trela dentro de casa, tem de andar ao pé dos meus pés, aprender a sentar-se em comando (ele já sabe sentar-se, mas não é muito consistente). Vou também comprar um spray de foromonas e vestir-lhe mais a camisola de trovoada. Para o ajudar a ficar sozinho sem ter acidentes (ele fica muito ansioso quando não está comigo), tenho de controlar o seu acesso a comida e água, que só deixo disponível por períodos de duas horas durante a manhã, o almoço, e o jantar. Esta é uma coisa que nunca tive problemas com os meu cães carlinos (pugs), pois esses comiam assim que a comida aterrava na taça, eu só tinha de a medir e dar a horas. O Julian gosta de comer quando lhe apetece, mas vai ter de mudar. Tudo isto vai ser conseguido à custa de muitas guloseimas. Que vida de cão, esta...

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Vida de rico

Contratei uma treinadora de cães para ajudar o Julian (o meu cão) a lidar com a sua ansiedade. Quem vai lidar sou eu porque isto é mais treinar-me a mim para eu o treinar, mas não sejamos puristas. A senhora veio recomendada por umas pessoas no NextDoor, que já a usaram e parece que é boa profissional. Contactei-a pela página do negócio dela no Facebook e demorou alguns dias a responder. Quando respondeu informou-me do preço: $90 por hora se ela vier a minha casa, mas se comprar quatro sessões pagas antecipadamente só custa $325, que pode ser pago por dinheiro, cheque ou Venmo.

Depois de mais um par de dias, escreveu a informar-me da sua disponibilidade. As únicas vagas que tinha mais para o final do dia eram Quinta-feira (o meu amanhã) e no dia 22 e tinha de confirmar antes das 18 horas porque senão ela dava-as a outra pessoa. Ena! O negócio está muito bom... Pois claro que sei que isto de se pagar $325 para treinar o cão menos de um mês depois de pagar mais de $500 pelo hotel para ele quando eu fui a Houston é vida de rico em Portugal. E eu bem digo que este cão é rico e eu esfolo-me a trabalhar para sustentar todo este conforto porque ele é muito exigente.

Feitas as contas, é bem mais do que o salário mínimo portugês de um mês, mas agora com eleições à porta pode ser que os amigos portugueses se decidam a não eleger partidos que, à boa maneira Salazarista, fazem voto de pobreza para o povo. Ser pobre não é virtude. Até o meu cão percebe isso.

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Influências

Parece que os unicórnios não existem ou, se existem, são muito difíceis de encontrar e se andássemos à procura deles eramos capazes de ver todos os tipos de cavalos, zebras, burros, mulas, etc. antes de encontrarmos um unicórnio. Isto para dizer que para haver uma empresa que se torne em unicórnio, é preciso haver milhares de outras que não o são e muitas das que não são falham pelo caminho, o que é problemático em Portugal. Por um lado, para falhar é preciso começar e o acesso a recursos é difícil; por outro, muitos dos que começam falham e falhar é visto como uma sentença de que a pessoa não é capaz de ter sucesso.

Apesar disto, nota-se que há bastante empreendorismo em Portugal e vê-se muitas mulheres que têm pequenos negócios online que conseguem captar audiências internacionais. A tendência dos pequenos negócios via Internet parece ser generalizada -- eu até sigo influenciadoras iranianas -- e acho-a bastante curiosa, pois contraria a ideia da competição entre empresas. Por exemplo, é comum ver-se influenciadoras que se apoiam umas às outras e através do trabalho de uma acabamos por conhecer outras parecidas (e complementares, até): em vez de competição, assiste-se a cooperação e talvez essa seja uma forma de se ganhar economias de escala para atingir uma audiência maior.

Nesta nova economia digital, muitas mulheres são as líderes e os namorados e maridos acabam a trabalhar para elas, e não é incomum que eles desistam das suas carreiras para as apoiarem. É como se estivessemos a assitir a uma inversão do modelo tradicional passado em que os homens tinham um negócio e as mulheres eram as secretárias. Como se costuma dizer, a história repete-se -- mas não exactamente da mesma maneira.

terça-feira, 2 de novembro de 2021

Mudança ou não?

Com o Carlos Moedas a "ganhar" a CML e mais recentemente o chumbo do OE no Parlamento, uma pessoa fica tentada a pensar que o país quer mudar de vida, mas não me parece. Não se procura mudança, mas sim continuação do mesmo, um sistema que entretanto se tinha deteriorado bastante. Mudar de liderança serve para ver se quem vem a seguir consegue fazer as coisas voltar para trás. É uma fantasia, quanto mais esforço dedicam a prolongar o passado, mais atrasado o país fica e mais incapaz é de cumprir as promessas feitas numa altura em que as coisas eram muito melhores do que agora.

Depois, todas as ideias que têm estão ultrapassadas. Após anos a fio de Websummit, ainda não há nada de concreto e positivo para o país; há apenas o custo do evento e a ocasional vergonha quando alguém mete o pé na poça. Mesmo assim, o Carlos Moedas sonha com unicórnios, o que só indica que o homem está atrasado uns 20 anos. O único unicórnio minimamente interessante para o país seria algo que combatesse a corrupção porque, enquanto não tratarem disso, o país continuará a ter bastantes recursos desviados para as mãos de quem não os merece.

Obviamente, que o mundo está em forte mudança e é muito difícil tentar adivinhar o que por aí vem, dado que o processe é inerentemente um de tentativa e erro. Se estivessem mesmo interessados em melhorar o país, duas coisas podem ser feitas: a energia tem de ser mais barata e as condições de vida do imobiliário têm de ser melhoradas, no sentido de os edifícios serem mais confortáveis em termos de temperatura e humidade. Com essas duas coisas, os portugueses seriam mais saudáveis e não precisariam de ir tanto ao médico.

segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Trick or treat!

Vi que o Presidente da Republica parece estar inclinado para agendar as eleições para depois do Natal. Acho bem e melhor seria se entretanto fizessem uma campanha para dinamizar o eleitorado, emigrantes incluídos, a votar. Marcelo tinha falado nisso quando andava a fazer campanha, mas ainda não vi medidas concretas. É uma vergonha que os portugueses não participem mais activamente nas eleições, quando todos os anos estão sempre prontos a celebrar o 25 de Abril; mas tenho de confessar o mea culpa porque, neste momento, tanto o meu passaporte, como o cartão de cidadão estão ambos fora de prazo--talvez o meu estado natural. Se não tivessemos a pandemia, já teria ido a Washington D.C. regularizar. Vou enviar um email ao consulado para ver se dá para tratar do assunto pelo correio.

Hoje é Halloween, a véspera do Dia de Todos os Santos, ou All Hallows Eve, e o fim-de-semana foi animado. Para a festa de ontem e as doçuras e travessuras de hoje, vesti-me de espanhola porque foi a única coisa que me veio à cabeça assim de repente e tinha quase tudo no meu roupeiro. Só faltava uma flor para o cabelo, mas depois de ir ao Walmart e ao Target e não ter encontrado o que queria, tive a sorte de passar por uma loja especializada em coisas para o cabelo das mulheres negras e vi uma mola com flores vermelhas e pintas brancas, o que combinava bem com o meu vestido. Como passei na loja mesmo na altura de fechar, o rapaz ofereceu-me a mola para o cabelo porque não se quis estar a chatear com o pagamento. Um dos meus vizinhos vestiu-se com um fato branco e uma peruca aos caracóis, penso que com a intenção de ser o John Travolta, mas quem ele parecia mesmo era o Marco Paulo e mostrei-lhe fotos e expliquei-lhe quem era. Achei super-engraçado. Durante a festa fiquei a saber do outro vizinho, que é gerente de uma loja, que estão a haver muitos roubos de mercadoria à luz do dia. Há pessoas que vão "às compras", enchem o carrinho e saem porta fora, sem que nada lhes aconteça. Mesmo quando o gerente lhes pergunta se vão pagar, os ladrões são honestos e dizem que não. As lojas têm medo que possa haver violência que leve a má publicidade ou a processos em tribunal, logo os gerentes não fazem nada por indicação da sede central. É uma situação que é transversal ao tipo de público das lojas: tanto acontece em lojas de luxo, como nas mais económicas. Lentamente, muitos estabelecimentos, inclusive mercearias e supermercados, estão a fechar nas zonas mais pobres, onde o problema é mais agudo. Os americanos ajustam o inventário com base na situação socio-económica da área geográfica da loja, logo as zonas menos afluentes têm produtos com menor margem de lucro, o que não permite absorver os custos dos roubos, por isso a estratégia preferida é a de fechar a loja. Mas não é a única razão, pois o mercado de trabalho nos EUA está muito apertado e é muito difícil encontrar empregados para trabalhar durante os turnos de dia. Apesar da pressão para os salários aumentarem, ainda há muita gente que prefere não trabalhar no comércio a retalho. A normalização pós-pandemia é um termo impróprio. Tanto a economia, como as pessoas mudaram bastante e é impossível regressar ao que se era. O melhor a fazer é identificar as inovações que aconteceram e ajustarmo-nos.

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

1920

Esta noite foi a primeira vez que vi um filme numa sala de espectáculos desde o início da pandemia. Apesar de no condado de Shelby, onde eu moro, o uso de máscara ser considerado facultativo desde recentemente, continuei na minha e usei máscara. Não vale a pena arriscar, quando parece que já estamos tão perto do fim.

Fui ver um filme de 1920, que se enquadra no expressionismo alemão, Das Cabinet des Dr. Caligari (O Gabinete do Dr. Caligari), considerado um clássico e o primeiro filme de terror. O filme é mudo, mas contámos com uma performance ao vivo da banda The Pop Ritual, que tinha como convidado o Luís Van Seixas, que é português. Gostei imenso. Não conhecia o filme, mas fiquei fã. E a música estava mesmo excepcional e criava uma atmosfera óptima para acompanhar a película.

E já viram o quão apropriado é? Em 1920, quando o filme estreou, também estávamos dois anos pós-pandemia. Para quem tiver curiosidade, aqui está o filme, mas com uma banda sonora diferente da que ouvi.

quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Uma vergonha

É deprimente acordar e ver as notícias de Portugal. Não há qualquer noção de decoro institucional ou de respeito pelos princípios básicos da República, mas a verdade é que mesmo durante a ditadura Portugal era uma República.

O Presidente da República anda a fazer de secretário do governo, a ver se consegue apoio para o orçamento junto dos partidos. Como é possível que alguém que ensinou Direito Constitucional numa Universidade não compreenda que o seu papel enquanto Presidente da República é de fiscalizar o Governo e assegurar que os princípios básicos da CRP são respeitados. Não cabe ao PR viabilizar o orçamento, dado que a elaboração do orçamento é da competência do executivo, que depois o sujeita à apreciação do poder legislativo. É o governo que negoceia com os partidos da oposição, não é o Presidente da República.

Se não há pesos e contra-pesos não estamos perante um regime democrático. Acho que depois de quase 50 anos de ditadura, isso já devia ser mais do que óbvio. Sinto vergonha por esta gente. Cada dia que passa sente-se o peso cada vez mais crescente da desilusão. Portugal não tinha de ser reduzido a isto.

quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Talvez o milagre das rosas

Parece que em Portugal anda meio mundo a tentar salvar o (des)governo do PM Costa. Não bastava MRS andar com o executivo ao colo e fazer a famigerada ameaça de demissão que Costa teima não só em não produzir, como ainda garante que não se demite, agora vem Miguel Albuquerque, ilustre Presidente do Governo Regional da Madeira pelo PSD e amante de jardinagem e, em particular, de rosas, dar o seu apoio ao Orçamento, se for vantajoso para a Madeira -- tinha de haver um espinho.

Isto parece uma geringonça avançada. A anterior envolvia apenas partidos com assento no parlamento; esta tem o PS, o Presidente da República, e agora um governo regional. Atrevo-me a pensar que, se isto vai a eleições, o PS se coligue finalmente com o Chega.

terça-feira, 26 de outubro de 2021

Os "atencionistas"

É tradição que, nas situações de aperto, o PM Costinha ameace demitir-se e as coisas encaixem após alguns dias. Desta vez, parece que não só não houve ameaça, como houve garantia de não-demissão, logo estou indecisa na minha avaliação da situação: não sei se o PM acha a situação de martirização do governo vantajosa ou se ele não está interessado em que o pseudo-Orçamento chegue a bom porto. Eu preferia que ele ameaçasse porque o PR Celito já avançou a sua ameaça, logo ia ser giro ter as duas mais importantes figuras da República numa corrida para ver quem demitia o governo mais depressa. E podíamos fazer um totoloto e sacar mais algum dinheiro dos pobres porque eles ainda não foram explorados o suficiente.

Li ontem nos jornais que o partido do mal-aVenturado está bem posicionado nas sondagens, caso haja eleições. Também seria engraçado se ele tivesse realmente o maior número de votos. Talvez fosse a picada no rabo que a sociedade portuguesa precisa para deixar de ser tão permissiva para com os abusos de poder. Só que, dada a situação do país, ter de recorrer à estratégia do Chega para chegar ao poder não abona muito a favor da inteligência do Andrézito. É verdade que haverá os que o acharão um génio, mas eu não acho. É outro medíocre que precisa de tácticas de "attention whore" para chegar ao poder. Há anos que isto é o que mais se vê, logo nem sequer é original.

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Continuação

Continuando com os meus episódios da vida americana, dado que pensar em Portugal, é demasiado deprimente. Um dos livros que tenho andado a ler tem um título engraçado e chama-se "How to read literature like a professor." Um dos capítulos é dedicado ao acto de partilhar refeições, que é umas das formas que nos aproxima uns dos outros, daí a simbologia da última ceia de Cristo, rodeado das pessoas que supostamente lhe eram mais póximas. Comer pode significar tanta coisa...

A semana passada, como foi me causou um bocadinho de ansiedade por causa de regressar ao trabalho após férias -- já viram o preço de futuros do algodão? Ai, caramba! -- achei por bem fazer algo engraçado no Sábado de manhã, como por exemplo beber mimosas e comer. Desde que o Sr. Trump perdeu as eleições que há sempre uma garrafa de champanhe no frigorífico, logo só faltava o sumo de laranja que disse aos meus vizinhos terem de ser eles a tratar. A comida ficaria sob a minha tutela, só que na altura em que organizei o evento não tinha qualquer ideia do que preparar para o brunch.

Há umas semanas, um colega meu escreveu "tortilla de patata" num dos róis de mensagens das nossoas video-conferências, o que achei muito engraçado de dizer em voz alta. Afinal era engano, ele pensava que estava a escrever para um dos colegas e aquela era uma piada entre os dois, mas acabou por ser para toda a gente. Mas talvez por causa disto, e também porque vi a série espanhola Valéria no Netflix, fiquei com a tortilla de patata na ideia e achei que seria um bom prato para confeccionar, pois não tem cereais, nem lacticínios, logo posso comer, e é um prato normal, ou seja, sabe a comida de gente, apesar da minha dieta restritiva.

Fui investigar como se fazia, enquanto idealizava o resto do menu. Quando fiz compras as ideias ficaram claras e decidi que haveria um prato de acepipes: tomatinhos cereja, pimento encarnado assado, azeitonas Kalamata, pickles de pepino, salame soppressata, salame tradicional, presunto, e bolinhas de mozzarela marinadas em azeite, especiarias e ervas de cheiro. Do lado dos doces, teríamos fruta (uvas, amoras, e framboesas), e uns pães acompanhados de compota de airela de montanha (lingonberry).

Apesar da tortilla de patata só ter quatro ingredientes, é um bocado difícil de fazer, mas, segundo o que li na Internet, o segredo é cozer as batatas em azeite e separadamente dourar a cebola, depois escoar e misturar com os ovos, e deixa-se estar tudo durante 15 minutos à temperatura ambiente. A outra etapa bicuda é a de cozer a tortilla porque corremos o risco de os ovos ficarem com a consistência de borracha -- as omeletes também têm esse problema. Sabem quem fazia omeletes excelentes? O meu ex-marido e a minha mãe. A mim falta-me o gene da omelete, logo fiquei com medo que me tivesse escapado o da tortilla.

Quando fomos para comer, pedi desculpas antecipadamente se a tortilla estivesse uma desgraça, mas estava deliciosa. Aliás, estava tudo excelente, e estivemos ali quase duas horas a comer, beber, e contar histórias. A minha vizinha só dizia "I missed my Rita..." porque antes de eu ir de férias, ela tinha ido com a família, logo já há tempos que não tínhamos um convívio animado. Para a semana é Halloween e já está marcado outro evento que ela organizou. Comprometi-me a fazer um bolo de abóbora. Só me falta decidir como irei vestida -- a única fantasia que tenho é uma de diabinha, logo talvez deva diversificar o portefólio, mas não há nada de mal em ser diabinha.

Entretanto fica aqui o meu prato de cerâmica portuguesa cheio de acepipes. Ora digam lá se não é um prato bonitão?

sábado, 23 de outubro de 2021

Qual orçamento?

Não sei o porquê da fita relativamente ao orçamento. Não há dinheiro -- qual da três palavras é que as pessoas não percebem, para parafrasear o outro. Se antes da pandemia, quando as coisas não estavam tão mal, o país era financiado a dívida, transferências da UE, e agravamento fiscal, o que se pode esperar de agora? Milagres era no tempo da Rainha Santa; no século XXI, já nem rosas há, só espinhos. Depois, o orçamento é completamente irrelevante porque o governo não cumpre -- chamam-se cativações.

O Presidente da República devia dissolver a AR porque a actual governação não assegura os princípios básicos da Constituição da República, aquele documento que ele se comprometeu a defender. Ele não era professor de Direito Constitucional? Então devia saber o que fazer e até o que inovar dentro dos parametros da CRP para salvar o país e os portugueses. É que estamos mesmo nesse ponto -- é preciso que alguém se erga e salve o país.

sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Dinheiro bem gasto

Um dos meus colegas é extremamente extrovertido, ri-se muito, dá uma dinâmica muito agradável a reuniões, e conversar com ele é sempre muito fácil. Como tinhamos uma tarefa para completar, passámos algum tempo ao telefone. Já quase no final ele perguntou-me como estavam as coisas na minha vida pessoal e eu disse que estava bem, tinha acabado de vir de férias e estava a tentar prestar mais atenção à minha sanidade mental. Ah, também arranjei uma terapeuta permanete para lidar com a minha ansiedade.

Dado que ele acompanha o meu Facebook, disse-me que a ideia que ele tem de mim é que era uma pessoa muito feliz, muito contente comigo própria, que apreciava as coisas da vida, fazia as minhas viagens, etc. Eu estava correcta, deviamos ser assim porque só nós próprios é que podemos tratar da nossa felicidade, rematou ele.

Concordo, mas cá entre nós, detesto perseguir a felicidade. A minha felicidade acontece muito naturalmente, é quase serendipidade. Fiquei, no entanto, um pouco preocupada com ele, dado que esta pandemia tem sido bastante dura para com todos nós e eu sei que ele beneficiava bastante da energia do escritório, de poder sair com os colegas para almoçar, etc. Como me perguntou se frequentava restaurantes aqui na cidade, indiquei-lhe alguns sítios onde vou de vez em quando e que têm esplanadas.

Vários dias por semana também vou a parques onde passeio o Julian, o meu cão, e muitas vezes é mais por insistência dele do que ideia minha, dado que ele se estaciona em frente da porta que vai para a garagem, como que a dizer que vamos andar de carro. Nas raras ocasiões em que tem oportunidade de se escapulir para a garagem, encontro-o sentado à frente da porta do carro, no lado do passageiro, talvez a rezar um Abre-te porta.

Hoje fomos ao Hyde Lake, em Shelby Farms, para apreciar o crepúsculo, que é a minha altura preferida do dia. Estava absolutamente deslumbrante e uma pessoa anda ali e pensa que o dinheiro dos impostos foi muito bem gasto naquela obra. O lago foi ampliado, construíram habitats para os animais selvagens, incluíram mobilíario urbano interessante que serve as pessoas, etc. Aquilo ficou mesmo bem feito e vou sugerir ao meu colega que leve lá a família.

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Fácil, mas assustadora

O meu lema de vida é "trabalhar muito e desfrutar ainda mais" e talvez a idade me tenha ajudado a chegar lá porque, antes, trabalhava muito e desfrutava pouco. Então nas minhas férias, sou muito mais motivada para a diversão do que o normal, apesar de que a pandemia tenha exigido que se faça férias mais recatadas. Nesta altura do ano pareceu-me que as coisas pandémicas estavam mais bem encaminhadas e encontrei-me com bastantes pessoas nos 10 dias que estive fora em Houston, só que eram pessoas que não eram totalmente desconhecidas: ou amigos ou amigos de amigos.

Na minha primeira Sexta-feira de férias tive uma festa de anos de um amigo. Não sou muito próxima dele, mas temos uma grande amiga em comum com quem eu fui. Obviamente, eu e ela tivemos de nos esmerar na aparência, dado que andámos à míngua social durante este último ano e meio. Decidi usar um vestido que comprei em Julho do ano passado e que ainda não tinha usado fora de casa. Não é que o vestido seja muito espampanante (eu não acho), mas tem um decote super-giro e revelador, o que parece deu alguma informação a meu respeito.

A festa consistia de cinco pessoas e mais tarde outras duas apareceram. As mulheres estavam em minoria, só duas comigo. Nós as duas entrámos em grande, às gargalhadas, no jardim do primeiro bar onde fomos, o que é perfeitamente normal, pois tínhamos estado a ouvir música portuguesa da nossa juventude. Também é difícil aos meus amigos ficarem mal-dispostos a meu lado porque digo umas coisas engraçadas.

Um dos convidados que eu não conhecia olhou para mim mais o meu decote e concluiu que eu era uma mulher fácil, achando por bem partilhar esta informação com o aniversariante. Passados uns dias, fui tomar café com o aniversariante, que dizia "Rita, tu és uma mulher muito interessante, mas assustas a malta." Só mais tarde soube pela amiga em comum o comentário da mulher fácil. As primeiras aparências enganam e, depois de uma noite a conversar comigo, acharam que não tinham bolina para a Rita das férias. Efectivamente, não sou muito modesta nem na língua, nem no decote.

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Apertar o cinto

Durante uma conversa com um amigo meu, calhou falar na necessidade de os europeus apertarem o cinto, o que o meu amigo achava não ser difícil porque já estão habituados. Até podiam não fazer férias. Não sou tão optimista pela simples razão de os europeus já andarem a apertar o cinto há muitos anos e, mesmo assim, necessitam de se endividar e continuar a apertar o cinto cada vez mais. Depois há a agravante de o apertar o cinto ser cada vez mais difícil. Se se aperta muito, começa-se a partir alguns ossos.

Uma forma de apertar o cinto é pela imigração, pois acaba por reduzir os salários praticados no país para onde se emigra, o que permite produzir bens e serviços a custos mais reduzidos. Quem emigra recebe melhores salários do que no país de origem e quem vive no país receptor é beneficiado pelos custos mais baixos das coisas. A teoria é gira, mas a prática é mais complexa; no entanto, os ingleses são seres supimpas e fizeram o favor de ilustrar o conceito com o Brexit.

Mesmo assim, há sempre o receio de que estas coisas na Europa alimentem os nacionalismos e a instabilidade social e a paz que tem havido não perdure muito mais. Nota-se que a geração actual não tem grande conhecimento do preço da paz. Esse também foi outro tópico que falámos: ignora-se bastante a história e mesmo em termos de ensino, a qualidade do conteúdo está desactualizada.

terça-feira, 19 de outubro de 2021

O arrependido

Morreu o Colin Powell, um homem bastante habilidoso e capaz de funcionar de forma bi-partidária ou até acima de questões partidárias. Na imprensa de esquerda, pontificam-se loas ao homem, mas com a devida reticência por causa do desastre que foi a segunda invasão do Iraque, que diziam não ser invasão, mas acabou sendo. Mas arrependeu-se desse snafu e mais recentemente falou contra Donald Trump, logo, apesar de ser de direita, ficou completamente reabilitado aos olhos da esquerda americana. Esta é capaz de ser uma grande diferença entre a direita e a esquerda nos EUA, dado que a direita não reabilita ninguém da esquerda.

Pessoalmente, sempre achei que seria um bom candidato ao meu voto e, se eu tivesse de escolher entre Biden e Powell, preferiria Powell sem qualquer hesitação. É duvidoso que os republicanos arranjem alguém deste calibre para futuras eleições.

segunda-feira, 18 de outubro de 2021

De volta

Terminei as minhas quartas férias deste ano e, mais uma vez, fui para fora cá dentro. Passei o dia a conduzir e consegui parar apenas para meter gasolina duas vezes durante os 912 Km que separam Houston de Memphis. No Arkansas havia imensos camiões em ambos os sentidos, o que não é normal. A rota Little Rock-Memphis costuma ser a que tem mais camiões, mas, com a aproximação das festas natalícias, deve haver bastante mercadoria em trânsito por todo o lado. Pelo caminho, vi um acidente e batantes animais atropelados: três cachorros, veados, guaxinins, etc. Tive imensa pena da bicharada, mas há muito mais gente a conduzir agora, o que não deve ajudar, especialmente depois de termos tido aquele período mais lento, em que muitos animais expandiram o seu território em resposta à menor mobilidade de pessoas.

Na estrada também vi bastantes caravanas. Com a pandemia, as pessoas começaram a reformar-se mais cedo e há também menos reformados a trabalhar em part-time, logo desatou tudo a comprar caravanas. Uma das minhas colegas até se reformou antes dos 65 para poder andar a viajar com o marido. Tive imensa pena que saísse, pois gostava bastante do trabalho dela. Combinámos ir sair para almoçar, mas ela mal tem andado por estas bandas. Não me admiraria se pessoas como ela acabassem por vender as respectivas residências para serem completamente móveis. Uma outra colega também já tinha saído antes da pandemia; ela e o marido tinham comprado um apartamento em Orange Beach, no Alabama, que arrendam a terceiros quando não estão lá.

Ainda é cedo para perceber as implicações da pandemia na sociedade americana, mas suspeito que serão bastante profundas. Estas mulheres que se reformam mais cedo que os maridos preocupam-me um bocado, dado que provavelmente irão sobrevivê-los e ao reformarem-se mais cedo ficam com uma pensão menor e sacrificam parte da sua carreira profissional. Não sei se isto não se tornará num problema no futuro.

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Leis do não

Em 2015, no dia do meu aniversário, conheci uma senhora que tinha o mesmo aniversário que eu, mas que nasceu 43 anos antes de mim. A ocasião era mesmo o seu jantar de aniversário, que por também ser o meu, levou a que eu fosse convidada. Ela e eu temos várias coisas em comum para além da baixa altura: ambas vivemos em cidades chamadas Fayetteville e eu vivi numa rua de nome Sweetwater, enquanto que ela viveu numa cidade com esse nome. Ontem fomos almoçar juntas porque ela tornou-se parte do meu grupo de amigos de Houston.

Conversar com pessoas mais velhas nos EUA é muito engraçado porque elas ouvem-nos e tratam-nos como se fossemos iguais. Mesmo o meu ex-sogro, que agora tem 82 anos, conversa comigo e faz-me perguntas, genuinamente interessado na minha opinião. Aquela ideia que os mais velhos devem ser colocados num pedestal em que têm a última palavra em tudo é aqui bastante estranha. A minha vizinha que tem 96 anos, esta senhora que tem 92, e o meu ex-sogro todos andaram na universidade -- ele até chegou a fazer um doutoramento, apesar de serem todos de origens humildes e até de regiões rurais.

Nessa altura, quando estas pessoas se formaram, os EUA não eram considerados a potência que são hoje e até se pode dizer que a infância destas pessoas foi bastante marcada pelo período pós-Grande Depressão e depois a Segunda Grande Guerra Mundial, alturas em que a comida escasseava e os recursos eram desviados para o esforço de guerra. Mesmo assim, a educação desta geração não foi sacrificada. No entanto, não nos podemos esquecer que estas pessoas minhas amigas são uma minoria: a maioria dos americanos apenas frequentava o ensino secundário, que foi bastante promovido entre 1910 e 1940.

Ontem na nossa conversa de almoço falámos de várias coisas, inclusive sexo e a forma como as mulheres encaram relações amorosas. Dizia a minha amiga que conhecia várias mulheres que tinham parceiros apenas para satisfazerem as suas necessidades sexuais e algumas até tinham mais do que um, o que me fez recordar alguns dos artigos que saem na revista The Atlantic sobre a sociedade e o sexo. Muitos desses artigos argumentam que as mudanças sociais de atitude relativamente a relações e sexo são iniciadas pelas mulheres: elas é que mudam o "contrato social" quando lhes convém. Mesmo assim, há certas coisas que se mantêm: muitos homens, independentemente da idade, preferem mulheres na casa dos 20 anos, já as mulheres preferem homens que têm idade mais próxima às delas, de acordo com os dados recolhidos por páginas de Internet de encontros amorosos.

Talvez fosse mais fácil contrariar estas predisposições dos homens e das mulheres quando as pessoas se encontravam pessoalmente e se criava alguma atracção física, mas agora, que muitas pessoas se conhecem online e as preferências são declaradas antecipadamente, parece que entrámos num período em que é mais difícil chegar a um compromisso. Em vez de leis da atração, receio que o que prevalecerá será potencialmente as "leis do não".

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

Construção

Uma das primeiras coisas que vi ao entrar em Houston foi o que me pareceu um cão vadio. Deu-me imensa pena ver o animal ao lado da estrada, mas parecia estar bem alimentado. Já não me recordo se estava na parte da US-59 ou da I-69, dado que se sobrepõem. Depois o telemóvel mandou-me por umas ruas secundárias perto do Bush Internationa Airport porque a I-69 estava em obras. Era tudo meio feinho e senti exactamente o mesmo da primeira vez que cá vi: esta cidade é muito feia. Nem todas as partes são feias, mas as que são sobre-compensam. É difícil imaginar o futuro quando estou perto de coisas feias. Mesmo assim, adoro Houston. Cresci imenso aqui, tive experiências incríveis, nem todas boas ou más, e tenho bastantes amigos ligados ao tempo que passei aqui.

Na Sexta-feira, passei a tarde com a minha vizinha que tem 96 anos. O plano da família é que ela chegue aos 100, mas ela ainda não se convenceu. Por causa da pandemia, deixou de jogar golfe e agora perde o equilíbrio facilmente quando está em terreno mais incerto, como é o caso do relvado lá de casa. Passou a usar uma bengala de apoio que detesta, mas ainda vive sozinha e, recentemente, conduziu o carro pela vizinhança para ver se a bateria não vai abaixo. Uma das filhas que passa lá por casa frequentemente ralha com ela se ela tira a máscara em frente a amigos e também deixou recado para eu não entrar em casa. Como uns senhores estavam a cortar a relva e fazia muito barulho, tive cartão verde para entrar, mas sem o conhecimento da filha.

Conversámos sobre muitas coisas, inclusive de arrependimentos, que eu disse ter pouquíssimos. O facto de eu ser lenta é devido a passar demasiado tempo a analisar as coisas, logo quando decido algo, considero que, dada a informação que tenho, essa era a decisão acertada. Ela que já viu muito mais coisas do que eu, sente o peso de algumas experiências menos conseguidas. Acha que foi má para algumas pessoas, fez coisas que agora acha feias, etc. Pois, mas nós não somos perfeitos e cada momento da nossa vida é definido por tudo o que veio atrás. Sem o passado não existe presente -- para o bem e para o mal.

Ainda não me sinto crescida, não acho que sou adulta, disse-lhe, e ela respondeu-me que ela também não. Toda a nossa vida é uma sucessão de aventuras, de dias cheios de eventos que nos eram desconhecidos momentos antes. Todos os diálogos inventados na hora, os movimentos improvisados como se tivessemos certeza que era assim que deviam ser. Mesmo aos 96, a nossa vida é tão curta.

O meu jantar de hoje foi passado com algumas amigas que conheci através dela, pessoas das relações dela há décadas e que entraram na minha há uns cinco ou seis anos. Tornámo-nos bastante amigas e, apesar da distância e da pandemia, falamos todas as semanas, fazemos viagens juntas, e visitamo-nos frequentemente. Se estou deprimida ou em baixo, telefonam-me para me animar, enviam-me livros de auto-ajuda, máscaras para o Covid-19, autocolantes de bouledogues franceses para o meu carro, etc.

Não somos crescidos, mas é assim que crescemos. Acima de tudo, a nossa vida é um encadeado de amizades: através de umas pessoas conhecemos outras. Constantemente, há quem entre e saia do nosso dia-a-dia, mas é juntos e desta colecção de momentos que construímos esta coisa a que chamamos vida.

domingo, 10 de outubro de 2021

Doce

Passei os últimos dois dias a desenferrujar algum do meu português e tem sido bastante bom. Na Sexta-feira à noite, o convívio durou das 10 das noite até quase às 5 da manhã, noitadas destas eram normais durante a faculdade, mas agora já duvidava que aguentasse até à meia-noite. Parece que sim e bem bom, como cantavam as Doce.

A noite começou com uma digressão pela música portuguesa, com músicas e bandas clássicas, e eu a professar a minha eterna admiração pelos GNR, indiscutivelmente a melhor banda portuguesa. Também houve fado porque nós somos os portugueses a sério, aqueles que saíram e descobriram o mundo. Pelo meio, conversámos de Anna Akhmatova, uma poeta russa que descobri há pouco e que ando a digerir. Surpreendentemente, não foram os meus amigos russos e ucranianos que me falaram dela. Também veio à baila a Arooj Aftab, uma cantora paquistanesa, que tem uma voz de sonho. Estas tertúlias em que se fala de arte, filmes, música, literatura, política, história... são das coisas que mais aprecio. Mas é tão bom ter alguém com quem trocar ideias em português.

Prometeram-me um bacalhau à Brás que aguardo ansiosamente, pois nunca fiz. Recordo-me da minha mãe fazer isso e também bacalhau à Gomes de Sá, mas o único bacalhau que eu costumava cozinhar era o com natas. Sempre achei as outras receitas intimidantes. Os meus amigos portugueses falam frequentemente das comidas e bebidas que trazem de Portugal, mas eu quase que nunca trago coisas para comer. Invisto mais em artesanato e livros, logo rodeio-me de coisas portuguesas não-comestíveis. A maior parte do Portugal comestível que eu consumo é comprado nos EUA. Achei engraçada esta diferença.