"No financial decision weighs heavier than a creative decision. They are equal."
Jenna Lyons, Presidente da J. Crew
Quando se fala em design, a Apple surge logo como uma empresa líder e de referência, e, como tal, o exemplo ideal que o
Zé Carlos usou para referir que não faz sentido distinguir o serviço de design da produção do produto. A forma e a função estão intimamente ligadas. O génio por detrás do design da Apple é
Jonathan Ive, um inglês que se tornou empregado a tempo inteiro da companhia em 1992; antes disso ele tinha trabalhado numa companhia inglesa à qual a Apple comprava serviços de design. Em 1997, Steve Jobs, regressado à Apple, promoveu Ive a Vice-Presidente Sénior de Design Industrial. Jobs dizia que Jonathan Ive era o seu "parceiro espiritual na Apple".
Mickey Drexler, o homem responsável por catapultar a Gap de um valor de $400 milhões para um de $14 mil milhões, tornou-se CEO da J.Crew em 2003, quatro meses depois da Gap o ter despedido por o preço das acções ter descido vertiginosamente. A conselho de Todd Snyder, o antigo Director de Roupa Masculina da Gap, Drexler aproximou-se de Jenna Lyons, na altura a Vice-Presidente de Design Feminino da J. Crew, e deu-lhe mais responsabilidade. Jenna Lyons é a força criativa por detrás da J. Crew, onde começou a trabalhar em 1990 como "assistente de um assistente", e é uma das pessoas mais influentes em design feminino. A empresa tornou-se num líder de design e a sua imagem é uma das mais copiadas--basta pensar que a Banana Republic, que é um competidor directo da J.Crew e pertence ao império da Gap, contratou Marissa Webb como sua Directora Criativa Global, depois de Webb ter deixado a J.Crew onde era a Vice-Presidente de Design Feminino, para lançar a sua marca própria. É muito evidente a influência de Jenna Lyons em Marissa Webb.
Como refere o artigo da revista Fast Company, a parceria de Drexler e Lyons é a segunda mais importante depois da de Jobs e Ive em termos do casamento de gestão e design. O que é saliente na história da Apple e da J. Crew, é que o design genial estava lá; o que faltava era a gestão que desse oportunidade ao design de ser um seu parceiro de igual importância. Como disse a Jenna, as decisões financeiras não são mais importantes do que as decisões criativas.
Ontem, quando abri o Instragram, no feed da Design Sponge estava uma foto de uma calçada. O blogue Design Sponge é um dos mais influentes no mundo. A foto foi um repost do feed de Madeline Weinrib. Nos comentários dos dois feeds à foto, nota-se duas coisas: (1) muita gente identifica imediatamente a influência portuguesa; e (2) há um mercado potencial para este tipo de serviço, por exemplo, um dos comentadores menciona usar esta técnica para o pátio da casa dela. Mas a calçada da foto não é em Portugal; é na Florida, nos EUA.
Frequentemente, os meus amigos brincam comigo por causa da minha obsessão com a calçada portuguesa--e é mesmo obsessão! Uma foto da calçada portuguesa que eu tirei em Cascais, em Setembro do ano passado, é o fundo do meu telefone. Quando António Costa disse que a calçada portuguesa é cara, que alguma dela devia ser substituída, que não vale a pena mantê-la, eu chorei e fiquei deprimida. A calçada portuguesa vale a pena, desde que a nossa alma não seja pequena, como dizia o poeta.
Na revista do National Geographic Traveler, de Agosto/Setembro 2014, que tem uma história sobre Portugal, muitas das fotos têm a calçada portuguesa e o texto menciona-a. A calçada portuguesa é uma obra de arte, o posicionamento das pedras imaginado por alguém, e cada uma delas esculpida e incrustada no chão à mão: é um casamento de design e produto. E, apesar de ser bela, também tem uma boa função, pois a porosidade permite que parte da água da chuva penetre no solo e recarregue as bacias hidrográficas, isto é, não interrompe o ciclo da água fresca completamente--no futuro, a água fresca irá ser um dos recursos mais escassos,--os materiais são mais amigos do ambiente do que o fabrico de cimentos, é um material e técnica duradouros, etc. Há pessoas que dizem que é escorregadio, mas eu nunca caí e eu vagueava por Coimbra durante horas a fio, até evitava apanhar autocarros dentro da cidade. Acredito que haja quem caia, mas há quem tropece nos atacadores e acho que não seria sábio proibir sapatos com atacadores.
Andar pela calçada portuguesa é um luxo e quando os estrangeiros visitam Portugal essa impressão fica-lhes, pois estão literalmente a passear por uma obra de arte. Porque é que não há empresas que fazem design e instalação de calçada portuguesa internacionalmente? Há muita gente estrangeira que compraria esses serviços, por exemplo, hotéis, casas particulares, centros comerciais, etc. Só falta companhias que facilitem o processo: tenham alguns designs pré-preparados, outros originais criados com o feedback do cliente, tenham bom serviço de atendimento a clientes e bons artesãos, e façam o trabalho a tempo e horas. Imaginem uma empresa portuguesa que vende um serviço destes e tem sucursais em Los Angeles, Miami, Houston, etc. E que tal fazer um livro de mesa de café cheio de fotografias da calçada portuguesa, com texto em português e inglês? Os livros de mesa de café são uma indústria significativa, extremamente importante para a decoração de interiores. Logo levar a calçada portuguesa às pessoas que gastam $50.000 para decorar uma casa não me parece uma má ideia.
Em termos de design, Portugal é um dos países mais ricos do mundo. Nós temos o design, temos tanto que nem lhe damos o devido valor, e passamos metade do tempo a destruí-lo. Muito do design que temos foi-nos oferecido pelas gerações anteriores à nossa, ou seja, no passado o design e o produto não estavam divorciados em Portugal. Às vezes penso o que é que irá perdurar do que se faz hoje. Até os jardins, quando são criados, são pouco interessantes. Veja-se uma vista aérea do Hospital dos Covões em Coimbra, numa foto de Varela Pècurto.
Agora isto já não se faz; pelo contrário, os hospitais hoje em dia são altamente deprimentes, um jardim é visto como um gasto de dinheiro. Uma perspectiva interessante, considerando que os espaços verdes relaxam e nós temos um dos povos mais stressados da Europa. Realmente, poupa muito dinheiro as pessoas andarem deprimidas e tristes enquanto recuperam das suas doenças dentro de caixas de cimento. Pelo menos há TV com écran plano no quarto--já é uma vitória do design.
Hoje, a forma como Portugal é gerido descura o design como parte integral do produto. O que nos falta não é o Ive ou a Lyons; falta-nos o Jobs e o Drexler. As pessoas que chegam a cargos de liderança em Portugal não têm apreciação nenhuma pelo que é Portugal, nem como vender Portugal, apesar de muita gente querer comprar Portugal. Um mercado só existe quando há uma oferta e uma procura e estas se intersectam. Se os portugueses continuarem a ser ineptos em criar a oferta que satisfaz a procura, arriscam-se a que outros o façam.