domingo, 15 de fevereiro de 2015

A estratégia da capoeira (Ou uma resposta à Estratégia de Portugal)

No post anterior, a Rita expôs as que consideram ser as opções estratégicas de Portugal face ao caso grego e que se resumem a três: ficar calado, alinhar com a Alemanha ou defender uma solução controlada para a crise.

Acho podemos concordar que este "chicken game" começou por parte da Grécia. Ou, melhor, do seu actual governo. Eu não percebo muito de grego (apesar de ser a língua em que Econometria era leccionada), mas consta-me que Syriza será a abreviatura de Synaspismós Rizospastikis Aristerás, que se traduz para Coligação da Esquerda Radical. Eu sei que em política as palavras adquirem um significado diferente do habitual. [Não, não vou relembrar a irrevogável demissão de Paulo Portas, porque essa foi mesmo definitiva: ele não voltou a ser o Ministro dos Negócios Estrangeiros.] Basta ver que o partido que, no parlamento português, mais à direita se senta chama-se CDS-PP, sendo o C de Centro... No entanto, durante a campanha eleitoral - que nós sabemos que está cheia de figuras de estilo e que também não deve ser levada muito literalmente - o Syriza fez bastante jus ao radicalismo do seu nome. E as primeiras acções já na qualidade de governo não nos fizeram achá-los mais moderados (e não, não é por conta da falta de gravatas). Isto para não mencionar o facto de o ANEL, com quem fizeram aliança, também não serem propriamente uns tipos comedidos. Com declarações contraditórias - sobretudo as proferidas para consumo interno vis-à-vis as feitas para demais membros da União Europeia - e anúncios inflamados, o novo governo grego não nos deixou tranquilos. 

Sobre a opção "ficar calado" não tenho dúvida de que não defende os nossos interesses. Pareço, portanto, estar de acordo com a Rita. Mas creio que não, porque os meus motivos são diferentes. Diz ela que, se a nossa estratégia for má, ao menos o silêncio impede os nossos adversários (que são quem, já agora? os mercados que nos financiam a 2,5% a 10 anos?!) de reconhecerem a nossa incompetência. Eu tenho uma amiga que diz, com grande sabedoria, que a imaginação suprime a falta de informação. E eu acrescento que essa supressão se faz pela admissão do pior cenário (ou não fôssemos nós maioritariamente avessos ao risco). Ora, e aqui estou de acordo com a Rita, há, na União Europeia, tipicamente, dois tipos de países e nós estamos no lote que inclui a Grécia. Portanto, ficar caladinho era mais de meio caminho andado para se especular que nós andaríamos com iguais tentações renegociais (aparentemente, para António Costa, cedemos a elas), o que me parece uma péssima estratégia. 

Relativamente, às duas outras opções apresentadas, alinhar com a Alemanha (e Alemanha é aqui, claramente, uma sinédoque) ou defender um compromisso entre ambas as partes, eu não vejo que sejam realmente duas alternativas. Acho que não estaremos a ser injustos se dissermos que a Alemanha não tem sido hábil a lidar com esta crise - e, sobre isso, devíamos perguntar porque tem de ser ela a gerir o assunto: não existem instituições supranacionais para o efeito?! Mas passaríamos a sê-lo, julgo, se a acusássemos de ser indiferente ao euro. Não obstante, ser ela, sem dúvida, quem menos teria a perder com um regresso às moedas nacionais. Menos a perder, sublinho. Porque não haveria vitoriosos num cenário de saída da Grécia da moeda única, com esta, possivelmente, a desaparecer e o projecto europeu a ir atrás. E este cenário de contágio não pode ser descartado, embora estejamos hoje munidos de mais ferramentas para o evitar. Acontece que o contágio também pode provir de uma solução de demasiada condescendência com a Grécia. Ceder à chantagem que esta tem feito é dar luz verde a comportamentos de risco moral e alimentar movimentos extremistas, à direita e à esquerda, por essa Europa fora. Daí que, depois de a Grécia ter cantado de galo, os restantes Estados-membro não podiam fazer de galinha.

8 comentários:

  1. "[Não, não vou relembrar a irrevogável demissão de Paulo Portas, porque essa foi mesmo definitiva: ele não voltou a ser o Ministro dos Negócios Estrangeiros.]"

    Sei que isto é o menos importante, mas não quero deixar passar em claro. Em rigor, Paulo portas demitiu-se do Governo. Portanto, a contradição mantém-se. Cito o comunicado dele:

    "1. Apresentei hoje de manhã a minha demissão do Governo ao primeiro-ministro.
    2. Com a apresentação do pedido de demissão, que é irrevogável, obedeço à minha consciência e mais não posso fazer."

    Ou seja, ele demitiu-se do Governo e a sua demissão (do Governo) era irrevogável. Não se limitou a demitir do cargo que ocupava no Governo.

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  2. Discordo de alguns pontos. Eu não acho a Alemanha tão forte como se pensa. A sua força é mais uma percepção do mercado do que uma reflexão da informação fundamental que existe. Por exemplo, há dois anos, os EUA eram percepcionados como fracos e agora são considerados um dos países mais atractivos. Nada mudou de fundamental na política americana desde então; a única coisa que mudou foi aparecerem mais efeitos visíveis da mesma na economia. Não se pode descartar a hipótese de um momento para o outro a Alemanha ser considerada um país a evitar. A Alemanha não cresce o suficiente dadas todas as vantagens que tem.

    Não há instituições supra-nacionais em termos na UE, isso é uma ilusão. Como disse o Henry Kissinger, "Who do you call when you want to talk to Europe?" Isso foi visível com o avião que foi abatido sobre o espaço da Ucrânia: o Presidente Putin telefonou ao Presidente Obama, apesar de o avião vir de um país europeu e ter cidadãos maioritariamente europeus a bordo.

    Os mercados são adversários de toda a gente porque há instrumentos de investimento e gestão de risco que só pagam quando há desgraça, logo há agentes no mercado a torcer para haver desgraça. Presumir que os mercados são nossos amigos apenas porque agora nos estão a emprestar dinheiro a taxas de juro baixas é forçado: em primeiro porque essa vontade só existiu depois do BCE afirmar que estava disposto a salvaguardar o euro a qualquer custo, quer isso dizer que, no mercado secundário, a dívida portuguesa tem sempre comprador desde que nós façamos parte do euro; em segundo, porque a dívida portuguesa soberana é das que dá maior rentabilidade graças aos nosso erros do passado e, como nós temos sido minimamente competentes, temos minimizado o risco de default--isto é o ideal para um investidor: ter um país que se porta mal de forma a que haja justificação para lhe exigir taxas de juro altas, mas que não se porta tão mal que deixe de pagar.

    Eu não advogo a solução estar calado, mas acho que neste caso estar calado é melhor do que o que temos vindo a fazer. A minha reacção ideal para Portugal sempre foi informar a Grécia e o resto do mundo que estamos dispostos a cooperar desde que os interesses de Portugal sejam salvaguardados (e eu já escrevi isso)--isto implica que o governo português tem um papel activo em identificar os nossos interesses e em protegê-los. Até agora eu não vi nada disso. O que eu vi foi falta de planeamento e uma mensagem que defende os interesses alemães. Ainda por cima anunciamos que não vamos fazer X e Y quando nós não temos condições para fazer essa promessa. O actual governo peca por ser incompetente em controlar a mensagem e isso é um problema sistemático não surgiu com esta crise: criam crises artificiais ou deixam-se embrulhar nelas, dão a impressão que improvisam a reacção ao eventos, dizem uma coisa e depois fazem outra... Isso para mim são pecados políticos muito grandes, quanto mais não seja, porque criam incerteza e instabilidade emocional nas pessoas. Quem é que vai investir em Portugal sabendo que de um momento para o outro o governo diz coisas como "Emigrem" e de repente lá se vai o crescimento de longo prazo de Portugal?

    O problema não começou com a eleição do Syriza; o problema começou com a UE deixar a Grécia mentir e deturpar factos para entrar na UE. O Syriza é o primeiro partido grego que diz que não vai pagar, ou, se pagar, vai demorar décadas a fazê-lo, o que é verdade--sempre foi verdade e esta verdade é independente da existência do Syriza. Desde 1829 a 2006, a Grécia esteve em default ou reestruturação 50.6% dos anos. Que credibilidade tem um país assim? Eu não entendo como é que se insiste em dizer "Mauzões dos gregos" quando ao mesmo tempo se enterra dinheiro a torto e a direito na Grécia sem o mínimo de supervisão necessária. Até em Portugal não há supervisão; se tivesse havido, o BES não teria implodido tão gloriosamente.

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    1. "Desde 1829 a 2006, a Grécia esteve em default ou reestruturação 50.6% dos anos."

      Qual a fonte desta informação?

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    2. Reinhart e Rogoff, página 30, aqui: http://www.nber.org/papers/w13882.pdf.

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    3. De nada. Tem informação muito gira esse paper.

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    4. Convenhamos que as credenciais alemãs não são as melhores do mundo http://www.spiegel.de/international/germany/economic-historian-germany-was-biggest-debt-transgressor-of-20th-century-a-769703.html

      Leitor

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  3. Sara, gostei do teu post. Obrigada! Fizeste-me clarificar alguns dos meus pontos.

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