quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Querida Bruxelas...

Gosto muito de ti! Gosto tanto de ti que até já tive um namorado belga que morou em Bruxelas; agora mora em Antuérpia com a esposa e três filhos e é muito feliz. E eu também sou feliz por ele e até continuamos a ser amigos e, quando ele teve uma namorada holandesa depois de mim, que o tratou mal, eu disse-lhe que ele, o meu belga preferido porque o Poirot não existe na realidade, era muito boa pessoa e merecia alguém que o apreciasse pelo que ele era. Eu gosto mesmo de ti, Bruxelas e até acho que tens razão: batatas fritas com maionese é muito melhor do que batatas fritas com ketchup. Os americanos não sabem o que perdem!

Mas Bruxelas, porque é que tu insistes em partir-me o coração? Dizes que Portugal tem desequilíbrios profundos e eu não vejo porque é que os nossos desequilíbrios são piores do que os dos outros. Eu fui à Wikipédia refrescar a memória do Tratado de Maastricht porque a página da UE é muito chata para encontrar o que quer que seja, porque na Europa não se dá valor à substância, o que é valioso é a aparência, e muitas palavras que não dizem nada são melhores do que poucas palavras que explicam tudo. Depois fui ao Trading Economics para ver se tu tinhas razão, porque o Eurostat é muito pouco amiguinho do utilizador, e é preciso dar cambalhotas para se fazer coisas simples. (Custava muito copiar o Alfred, o repositório da Reserva Federal Americana em St. Louis para visualização de estatísticas, que faz uns bonecos tão giros?) E encontrei isto:

Estás a ver, Bruxelas? A Alemanha, o paradigma do bom comportamento, está em violação do Tratado de Maastricht e já o está há mais um ano do que Portugal: já tem um rácio de dívida pública-PIB superior a 60% desde 2003. A Pordata diz que nós fomos melhores do que a Alemanha de 2000 a 2004.

O Tratado de Maastricht diz que, quando se está em violação, tem de rapidamente se demonstrar que entrámos em redenção dos pecados. Fui ver a medida de redenção, que é o rácio do orçamento do estado-PIB, e diz que os alemães falharam este critério cinco anos dos 11 representados. Uma taxa de falhanço de 45%--wow, que sucesso, quando eu crescer também quero falhar 45% do tempo! Estão ver? Eu devia esforçar-me mais para cometer mais erros e parecer mais ignorante, para ser tão reverenciada como a Alemanha...

6 comentários:

  1. Os gráficossão um bocadinho enganadores, porque os valores de Portugal e da Alemanha se apresentam em escalas diferentes (Alemanha no eixo da esquerda, Portugal no eixo da direita). Portugal teve défices em todos os anos indicados, e se estou a ver bem só esteve abaixo de 3% em 2004 e 2009.

    Por outro lado, isto nem é o problema. A verdade é que dizer aos Alemães que eles não cumprem os critérios é simplesmente dar força a quem dentro da Alemanha (e são bastantes) acha que a austeridade deles deve ser maior (o que causa problemas aos restantes países da UE). NA SITUAÇÃO ATUAL prefiro uma Alemanha que não cumpra as regras e consuma do que uma que as cumpra.

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    1. O gráfico está com os eixos bem identificados.

      A Alemanha consome a crédito e eu não percebo muito bem o que eles consomem. Para além disso, eles estão tão longe de nós que mesmo que eles importassem mais, importariam dos países mais próximos deles. O que acho repreensível é que a UE esteja disposta a constantemente massacrar os fracos e dar um cartão verde ao que também são fracos, mas têm a reputação não merecida de fortes.

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  2. Rita, essas regras do Tratado de Maistriste são pouco relevantes hoje em dia. Foram substituídas pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento e suas revisões.

    PS Os valores de 2010 e 2011 também são pouco relevantes dado que se tratava de uma política coordenada (?) de combate à crise.
    PPS Dado que as variáveis são as mesmas e estão em rácios (pelo que problemas de diferentes escalas são irrelevantes) não seria melhor que Portugal e Alemanha estivessem na mesma escala? Confesso dificuldades de leitura, até parece que Portugal teve excedentes orçamentais, quando, salvo erro,apenas em um ano houve um défice português inferior ao alemão.

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    1. Eu suponho que poderia ter criado os gráficos em Excel, mas eu sou preguiçosa.

      Mas a questão que me parece relevante é que há dois paradigmas morais: a Alemanha violou regras muito antes dos outros e ninguém foi atrás dela ferozmente. Nós temos sempre alguém a lançar aos quatro ventos que somos preguiçosos, não produzimos, não cumprimos, etc.

      O que eu queria ver era o governo português chegar ao pé da UE e usar esta perseguição para exigir excepções para algumas das regras da UE, por exemplo, na agricultura, na política ambiental. Não faz sentido passar impostos ambientais quando nós não produzimos quase nada. No entanto, concedo que os impostos ambientais são uma desculpa para o nosso governo aumentar os impostos. Se houvesse preocupação com o ambiente, teriam passado medidas práticas que protegessem o ambiente.

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    2. Ponde de parte a tua análise dos factos, com que não concordo, o problema Rita é que o que geralmente se pede à Alemanha é exactamente o oposto do que se pediria se se levasse essa tua queixa a sério.
      Quando toda a gente anda a pedir à Alemanha para ter políticas orçamentais expansionistas, apareces tu a dizer que enquanto eles não baixarem a dívida pública para 60% não têm autoridade moral. Ou seja, estás a pedir 10 anos de austeridade na Alemanha.

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  3. Rita, muito mais confuso é o caso da França...

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