terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

A perspectiva do copo

O Público diz hoje que o Ministério da Educação e Ciência está encurralado porque o "Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (TAFC) anulou o despacho de 2013 através do qual o actual Ministério da Educação e Ciência (MEC) definiu o calendário da aplicação da Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades e condições de aprovação dos candidatos a professores." Mais à frente diz que, tanto o Tribunal como a FENPROF, defendem que o MEC não pode avaliar os professores porque estes já foram devidamente atestados quando fizeram o curso em instituições homologadas.

Isto são óptimas notícias para o MEC. Basta o MEC dizer que, nesse caso, os candidatos a professores serão ordenados pela nota média com que terminaram o curso e quem tiver as notas mais altas entra para o número de vagas disponível. O resto dos candidatos pode finalmente ter paz e começar a procurar emprego noutra área. Os contribuintes poupam dinheiro no exame e as pessoas que escrevem o exame não mais serão envergonhadas publicamente por escreverem uma prova que contém erros.

Relativamente aos candidatos a professores de português, sugiro que os jornais portugueses lhes dêem emprego. Já viram a quantidade de erros gramaticais e ortográficos que são publicados? Um erro num exame é da responsabilidade de uma pessoa a ser avaliada sob uma situação de stress, mas um erro num jornal é da responsabilidade de mais de três pessoas que deviam controlar a qualidade umas das outras e, ainda por cima, essas pessoas têm pleno acesso a dicionários, gramáticas, Internet, e correctores automáticos no software que usam.

E, finalmente, será que podemos avançar o país? Discutir exames de pessoas para as quais não há vagas na profissão não aumenta o PIB de Portugal; pelo contrário, diminui-o. Há outras coisas muito mais importantes a tratar, como, por exemplo, investigar casos de corrupção, aumentar o uso da infraestrutura portuguesa, criar condições para que os portugueses possam trabalhar em paz, etc.

O copo está sempre meio-cheio.

12 comentários:

  1. «defendem que o MEC não pode avaliar os professores porque estes já foram devidamente atestados quando fizeram o curso em instituições homologadas.». Extrapolando esta lógica podemos questionar a legitimidade dos outros concursos, pelo menos, do Estado. A ordenação dos candidatos a outras vagas no Estado seria então feita de acordo com a avaliação por instituições homologadas pelo mesmo Estado. Do mesmo modo se questionará a legitimidade de provas de acesso a ordens profissionais, estas vistas como instrumentos dotados do monopólio de regulação do acesso ao exercício de determinada profissão. Antevejo aqui grandes problemas de conformidade com os princíp+ios da equidade e igualdade ...

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    1. César, é óptimo! Desburocratiza-se o país num instante e, como o precedente foi introduzido pelos profissionais e pelo tribunal, eles não podem acusar o MEC de má-fé. O que é completamente contra-produtivo é um país endividado se dar ao luxo de perder tempo a discutir coisas que não produzem nenhum valor. Parece que arranjar as cadeiras de convés do Titanic é um método de prevenção do afundamento do navio.

      Como é que se põe em causa os princípios de igualdade e equidade? A situação actual observa estes princípios? Há professores que não foram sujeitos a exame nenhum e entraram na profissão. Para além disso, não seria de esperar uma boa correlação entre a média da faculdade e a nota destes exames? E porque é que o exame é um método superior a usar as notas da faculdade, dado que as pessoas até terminaram a faculdade durante os últimos cinco anos?

      O exame, por si só, não qualifica ninguém. Um exame não é um método de ensino, é um método de diagnóstico. Uma pessoa sabe tanto antes como depois de fazer o exame. O exame apenas serve o propósito de seleccionar pessoas, mas também podia ser usada uma lotaria, ou uma entrevista pessoal, ou a ordem de entrada das candidaturas. Há tantos métodos possíveis.

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    2. Mas já é assim na maioria dos concursos públicos: os candidatos são avaliados (entre outras coisas) com base na sua nota final de curso, independentemente de onde foi tirado, desde que o mesmo seja reconhecido pelo Estado. Em termos de excepções, lembro-me de repente da carreira diplomática, onde há exames de acesso.

      Quanto às Ordens, e falo pela minha (Engenheiros), antes da saída da última lei - interessantemente por este Governo - existiam cursos acreditados pela mesma que davam acesso directo ao estágio profissional, sem necessidade de exame.

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  2. Não se consegue perceber bem, se o copo está meio cheio, se está furado, ou se simplesmente existe uma mão misteriosa que de vez em quando lhe dá um piparote e o entorna.
    É que, quando não é o atraso na abertura do ano escolar por falta de colocação de professores, é a qualidade das instalações, é a falta de segurança, são as comissões de pais e de alunos, são as escolas que encerram, é a falta de transporte para os alunos que têm de se deslocar para as escolas centrais, é o ministro que se baralha e se troca todo, são as manif dos prof. Um inferno, que nem Dante se lembraria de engendrar.

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    1. Porque Portugal não é um país que é regido por se completar objectivos; é um país que é regido por se implementar processos.

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  3. E isto não abre um precedente relativamente aos exames das ordens profissionais? O fundamento dos exames de acesso é o mesmo deste exame, agora arrasado pelo tribunal.

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    1. Não tem nada a ver. Aqui o que está em causa é haver um Estatuto da Carreira Docente que, supostamente, terá sido violado.

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  4. Rita
    O Estado emprega mais de 10% da população activa, ou assim. É uma máquina enorme. Não é irrelevante para o desenvolvimento do país ter bom esquemas de avaliação e selecção dos seus funcionários.
    Podemos não concordar com um determinado exame ou com um determinado regime de avaliação, ou até com uma determinada forma de selecção e promoção de funcionários. Dizer que estas discussões são inúteis ou estéreis é um total e absoluto exagero.

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    1. Sim, mas o peso do estado na sociedade vai aumentar pelo simples facto de a sociedade portuguesa estar a diminuir. Ou seja, estar a discutir o exame X ou Y é completamente irrelevante, dadas as escolhas que o país enfrenta e que apenas vão ficar mais difíceis. Se não conseguimos resolver o mais simples, como é que achas que vamos resolver o que por aí vem?

      A longo prazo o PIB cresce por duas vias: população e produtividade. A nossa população está a encolher. Manter professores na profissão quando o número de crianças está a diminuir não é solução. É muito mais eficiente orientar essas pessoas para outras áreas o mais depressa possível. Mas essa discussão não está a ter lugar. O que está a ter lugar é uma discussão que não leva a lado nenhum. Há uma ideia falsa de que os problemas estão a ser resolvidos quando estão apenas a ser adiados.

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    2. "É muito mais eficiente orientar essas pessoas para outras áreas o mais depressa possível."

      Pode não ser em concreto no caso dos Profs, mas a reafectação de funcionários públicos de umas áreas onde são excedentários para outras onde são deficitários está a ser feita.

      PS A redução da natalidade é, para já e parcialmente, compensado pelo aumento da escolaridade obrigatória.

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  5. O problema que se coloca é que quem abriu o precedente foram o Tribunal e a FENPROF porque foram demasiado amplos. Ao dizerem que todos os professores são competentes estão, implicitamente, a dizer que não é adequado usar um exame para os "qualificar" porque eles já são todos qualificados e, nesse caso, se é indiferente escolher entre um e outro, pode-se usar um método aleatório de escolha. O que a FENPROF deveria ter defendido era uma situação de compromisso em que deveria haver acordo prévio entre o MEC e a FENPROF acerca do conteúdo do exame usado para se evitar esta confusão que não leva a lado nenhum e gasta dinheiro que o país não tem. O MEC não está encurralado, pelo contrário: o Tribunal e a FENPROF deram armas ao MEC. O artigo revela um diagnóstico completamente falso da situação.

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    1. Rita, a FENPROF não é um parceiro credível. Eles vão ser contra qualquer proposta por parte do ME, por razões meramente políticas. Acho que um consenso é desejável, mas não com a FNE. A maneira mais simples, IMO, é mesmo criar uma Ordem Profissional e lavar as mãos do assunto.

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