segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

My fair lady

Uma amiga russa ofereceu-me, pelos anos, uma edição particularmente elegante do Anna Karenina. Lembro-me de ela retirar o livro das minhas mãos e, abrindo-o na primeira página, me fazer notar a importância do começo. Leu a frase em russo, e mostrou-me a respetiva tradução: As famílias felizes são todas iguais; mas cada família infeliz é infeliz à sua maneira. 

O humano é livre na medida do seu (aparente) fracasso. Somos diferentes e livres naquilo que, pelo menos para alguns, seria qualificado como erro de percurso. Curiosamente, a história de uma família feliz não tem apenas personagens pouco livres; o próprio escritor é pouco livre, na medida em que o fim que escreve não é determinado por ele. Tolstoi, ao contar a história infeliz de Karenina, de certa forma libertou o Romance, e libertou-se a ele mesmo. 

Este sábado fui ver uma peça ao teatro do meu bairro - que se orgulha de ser o teatro mais pequeno da cidade. A sala, com paredes pintadas de preto desbotado, tem duas filas de cadeiras e um pequeno espaço onde os atores contracenam. Há alturas em que o espaço é tão pequeno que, na primeira fila, os espectadores têm de encolher as pernas para os atores poderem passar. A peça é maravilhosa. O Pigmaleão, do George Bernard Shaw, conta a história de um professor de fonética, Higgins, que, para ganhar uma aposta, ensina uma vendedora de flores, Eliza, a falar Inglês correto. Higgins é tão bem sucedido na sua criação que esta se torna mais poderosa que o criador, e rejeita-o quando a sua aprendizagem termina. Esta parte é fundamental na peça: a criação é de tal bem feita, que, maldição do criador, ela se torna demasiado boa para ele. O público, quando a peça foi estreada nos anos 10 e 20 do século passado, tinha uma opinião diferente. De tal modo que o ator principal da primeira encenção se sentiu compelido a alterar o fim da peça, para que a aluna ficasse com o professor. Bernard Shaw ficou tão furioso que disse que o ator merecia ser fuzilado – e desesperante publicou uma nota a explicar porque é que não podia haver um fim diferente. 

É extraordinário, não é? Bernard Shaw quis que, na sua peça, o criador fosse rejeitado pela sua criação para mostrar um ponto. O público discorda. Como resultado, o criador Bernard Shaw é rejeitado pela sua própria criação, a peça que escreveu.

Prendam-me no Texas

A Carolyn Dickson, uma tipa canadiana que escreve no HuffPost, foi a Portugal e só lhe apeteceu dizer asneiras (tem uma potty mouth, como eu); também diz que os tectos do Palácio da Pena são pornográficos (as mulheres pensam muito em pornografia). Isto depois de ter repetido dúzias de vezes "I'm sorry" por incomodar os nativos que gozavam com ela.

Frases famosas 44


44. Nada em vão faz a natureza.

domingo, 28 de fevereiro de 2016

O argumento de nomeação

Em 1814, os prussianos invadem Paris. Cheios de vontade de vingança, pretendem explodir a ponte Iéna, cujo nome lhes traz más recordações. Talleyrand, um fino e brilhante diplomata, em vez de discutir sem fim o fundamento dessa decisão, mandou imediatamente rebaptizar a ponte, que se chama, a partir de então, ponte da Escola Militar. Os prussianos ficaram numa situação delicada: a destruição de uma ponte com um nome tão marcial chocava com a sua cultura militarista. Graças à mudança de nome, a ponte foi salva e ainda hoje é utilizada.


Estou desapontada!

Nenhum de vós me escreveu a corrigir o vocabulário no meu post da cerveja e dos tremoços. Estava a contar que alguém, com olho muito clínico, me dissesse que era "pénis" e "vagina" que eu devia ter usado. Tanto trabalho, não apreciado por vós, para vos demonstrar que:
  • As mulheres pensam em sexo e algumas até pensam muito
  • A mulher pode parecer muito inocente, mas o que está dentro da cabeça dela, se calhar, não é...
  • As fantasias das mulheres até podem ser mais excitantes do que a pornografia dos homens
  • Talvez vos excite usar umas palavrinhas do vernáculo quando estão com @ voss@ parceir@
  • Talvez devessem fazer uma coisa tipo discos pedidos, mas com actos sexuais
  • Esta coisa do sexo é uma em que, por vezes, nem é fácil falar, nem é fácil fazer
  • Haver cumplicidade entre os membros do casal é essencial
  • E aquela coisa chata do diálogo também...

No outro dia li uma coisa engraçada no The New York Times, infelizmente não guardei o link. Falava de um casal em que a mulher tinha tido uma relação extra-conjugal onde sexualmente era mais livre do que nas relações que tinha com o marido. Sempre achei uma coisa muito interessante, que as pessoas de quem gostamos mais, ou que gostam mais de nós, por vezes não nos inspiram a confiança de estranhos. Temos medo que pensem mal de nós, não sei bem. Não tenho solução, nem sequer vos posso dizer que sempre tive um bom nível de confiança com todos os parceiros que tive. Fica aqui apenas o apontamento.

Finalmente, não se preocupem, não tenho uma boca assim tão "porca" no dia-a-dia. Frequentemente, tenho de recorrer à Internet (o "bater uma grelada" do outro dia veio da Internet) ou perguntar a amigos porque o meu calão em português é bastante limitado. Não namorei muito aí, nem tinha amigos, na altura, que usassem muito calão -- caramba, nem sequer tinha muitos amigos --, logo não vivi Portugal assim. Mas, às vezes, o calão é uma ferramenta que deve ser usada na escrita. Como diz o Stephen King, no seu fabuloso "On Writing: A Memoir of the Craft", até os escritores têm uma caixa de ferramentas, e eu ando a aprender a escrever logo ainda tenho uma caixa meio-vazia...

A biologia também conta

Gosto de Camille Plagia, uma feminista heterodoxa. Esta semana, em entrevista ao Expresso, reafirma algumas das suas máximas de sempre. Por exemplo, o feminismo está errado ao querer dizer que o género se constrói. Há uma base biológica incontornável e ignorá-la só pode levar a mal-entendidos e frustrações. Um exemplo:
As mulheres precisam de conversar umas com as outras, porque “conversam de modo único, têm uma linguagem muito própria que só os gays poderão entender”. Desgraçadamente, a competição profissional levou a uma perda de solidariedade entre as mulheres. Resultado? Chegam a casa estafadas e querem que os homens falem com elas “utilizando a linguagem que é só delas.” Os homens, coitados, não é por mal, mas muitas vezes não as conseguem entender (e vice-versa). E as mulheres, frustradas e desanimadas, acham que é tudo má vontade, que os homens são uns insensíveis, uns broncos das cavernas, que não se esforçam. Esquecem-se que os pobres dos homens são naturalmente limitados.

Entre a ignorância e a ciência

Descartes rejeitou a retórica. Depois, a tradição científica considerou que só existe razão na ciência. O resto não passaria de afectos e paixões. Afinal, percebeu-se que as ciências exactas não têm grande coisa a dizer sobre o homem em sociedade, nem sobre as razões que nos guiam nas nossas escolhas quotidianas. Ainda bem que é assim, dirão alguns. O risco de um totalitarismo científico seria imenso. Uma sociedade puramente racional seria, provavelmente, uma utopia fatal para a humanidade.
O homem não é feito apenas de opiniões, mas são as suas opiniões que fazem o homem, nomeadamente a sua identidade social. Neste sentido, a opinião é um conjunto de crenças, valores, representações do mundo. A opinião é, todavia, móvel, está sujeita aos outros, é apanhada numa corrente de troca permanente.
Qual é afinal o estatuto destas “razões” do quotidiano - há quem lhes chame "razão argumentativa"-, que nem são razões científicas, nem paixões retóricas? Não é uma questão simples. Na República de Platão, num diálogo com Gláucon, Sócrates diz que a opinião se situa algures entre a ignorância e a ciência. É uma resposta possível.

Foram carros, foram motas

Será sempre a subir
Ao cimo de ti
Só para te sentir
Será do alto de mim
Que um corpo só
Exalta o seu fim

Miguel Esteves Cardoso, "Foram Cardos, Foram Prosas"

As mulheres americanas gostam de carros grandes: SUVs, carrinhas, etc. Nunca achei grande piada a esses carros. Quero um carro confortável, mas que também me dê uma boa experiência a conduzir. Por sorte, em 2005, quando andei à procura de carro, encontrei um carro usado, de 2000, que me agradou muito. Sim, podia ter comprado um carro novinho em folha, que me agradasse, mas carros novos são um péssimo investimento. Um carro é um bem utilitário e perde valor assim que o compramos, logo não acho que valha a pena comprar novo. E depois, ultimamente, têm aparecido por aí uns carros meio-feios, que não me agradam.

Merda d’Artista




Beeeem...
O Godwin só costuma dar um ar da sua graça lá para a terceira frase, mas desta vez é irresistível: estava a ouvir este rapazinho, e a lembrar-me das posições sobre a "arte degenerada" na Alemanha nos anos 30. A passagem "dantes é que eles pintavam bem" evoca imediatamente os nazis que trocavam as obras de "arte degenerada" confiscadas por quadros "como deve de ser" - os dos antigos. Também havia os que levavam os produtos do confisco para a sua colecção particular - seria talvez a atracção do abismo (e pergunto-me, maldosa, se este rapazinho não terá uma conserva de Merda d’Artista do Manzoni a servir de pisa-papéis) (sim: suspeito de uma certa fixação fecal, devido às nuances precisas de shit, bullshit e dogshit na sua assertiva adjectivação).

Não que o rapaz seja nazi. Nada disso. Está apenas a incorrer no mesmo erro de olhar para a arte a partir da sua perspectiva limitada, e a negar a possibilidade de outras perspectivas. Além disso, ainda não percebeu que na arte moderna há uma componente meta artística e meta cultural (o objecto de arte como reflexão, descoberta, experiência e provocação da arte e da cultura) e outra à maneira de Rorschach (uma parte importante da obra de arte é aquilo que evoca na pessoa que a contempla). Ironicamente, o rapazinho inscreve-se nas obras que critica, e revitaliza-as: não há provocação sem provocado. E mais não digo, porque não sei.

(A Merda d'Artista do Manzoni, em latinhas numeradas e assinadas, foi vendida ao preço do ouro, e desde então o seu valor tem aumentado exponencialmente. Este fenómeno ilumina com tal crueza e nitidez certas cenas do nosso tempo, que quase se podia dizer que o Manzoni é um Caravaggio contemporâneo...)


sábado, 27 de fevereiro de 2016

Archangel

Já que andamos a discutir religião nestes dias, descobri este Arcanjo e estou completamente obcecada. Completamente...

Cerveja e tremoços

O LA-C, ontem, deu-nos uma dica muito importante para reduzir os custos de saúde em Portugal: a necessidade de se fazer mais minetes. Lamentou-se por a Patrícia Motta Veiga não ter incluído fotos na sua extraordinária peça para a Capazes, mas eu até nem acho que as fotos sejam assim tão necessárias.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Peak Lindsey

Lindsey Graham é um Senador Republicano, da Carolina do Sul, que é absolutamente delicioso. Sim, é. Leiam esta peça do WashPost e digam lá se o homem não vos agrada. É por isto que eu gosto de americanos: podemos sempre contar com um para nos divertir com a verdade. Sublinhei as melhores partes...

Sen. Lindsey Graham (R-S.C.) is known for telling it like he sees it, but Thursday afternoon, battling a cold that has made his voice hoarse, we may have finally found “Peak Lindsey”.

The onetime presidential contender gave a seven-minute diatribe in the Capitol basement, lambasting the Republican presidential frontrunner with enough pejoratives that he confided he was “literally running out of adjectives” to impugn Donald Trump.

Why will Trump lose the general election? “Because he’s just generally a loser as a person and a candidate,” Graham said.

Pressed later about why Trump would lose, Graham raised his voice to make his point: “Why will he lose???? Because he’s ill-suited for the job!!!”

Graham, who endorsed Jeb Bush after dropping out, has not yet backed another candidate in the wake of the ex-governor’s own withdrawal. Graham sheepishly admitted he would endorse Trump if he wins the nomination: “I’ve got a ticket on the Titanic. So I am like on the team that bought a ticket on the Titanic, after we saw the movie. This is what happens if you nominate Trump.”

[...]

“I think he’s going to lose and he’s going to lose badly. And I think all the things that we care about are going to be locked in place,” he said. “So don’t look at me to be the guy who stops [Hillary Clinton] from being president of the United States. You can’t have it both ways. You can’t nominate a nut job and lose, and expect it doesn’t have consequences.”

Asked if he thought Trump would win the nomination, a dejected Graham said, “Yeah, pretty much so.”

Fonte: The Washington Post, 25/2/2016

Adeus...

Nas últimas semanas tenho andado a dizer adeus a este edifício. Começaram por retirar os vidros e agora andam a destruí-lo aos poucos. Acho que irão construir um edifício gémeo igual ao que está ao lado e que foi feito recentemente. Até se nota que irá haver uma ligação entre os dois.  

Observei o nascimento do novo. A certa altura, havia uma árvore no topo. Não sabia o seu significado. Descobri esta semana, que é tradição ter uma árvore no topo dos edifícios altos quando estão a ser construídos. A árvore é colocada para celebrar a instalação do elemento mais alto do edifício. O nome deste ritual é topping-out ceremony, que sinaliza que o projecto de construção atingiu o seu apogeu


Às 10 horas da manhã...

Quase às 13 horas...


Tadinha da Maria

Devo começar este post por esclarecer que a minha educação teve um grau moderado de catolicidade, mas que hoje em dia profiro coisas que facilmente me habilitariam a ser considerada herege. Em parte, porque considero que não há limites para o humor que não os do bom gosto - não há, para mim, temas que estejam isentos de uma boa piada. Em grande medida, porque defendo ideias que são condenadas pela Santa Igreja Católica Apostólica Romana, casamento entre pessoas do mesmo sexo incluído.
Vem isto a propósito - está-se mesmo a ver! - do cartaz do Bloco de Esquerda. Eu não tenho nada contra o choque. Bom, quando é adjectivo a seguir a rosa, tenho um bocadinho e talvez por isso tenha achado a estética do outdoor horrível. Mas, grafismos e cores à parte, o problema é mesmo o da mensagem. Eu sei que os bloquistas não são propriamente muito ecuménicos, no entanto, a sua devoção não sairia beliscada com alguns conhecimentos básicos. Por exemplo, o de que Deus não faz parte da Sagrada Família. Usando a taxonomia actual, Deus é o pai biológico, José o adoptivo. E há uma mãe envolvida. Portanto, grande tiro ao lado, Bloco de Esquerda.
Mas mais. Este cartaz tem um tom revanchista que não honra a Política, nem a causa que pretende defender. Num assunto em que o debate sério se fez em torno do direito das crianças a serem amadas, aquele-Jesus-num-fundo-fúcsia transforma o tema numa arma de arremesso nem se percebe contra quem. O que me leva a perguntar: porquê esta necessidade de vitória?...

Pela sua saúde

Estudos recentes vieram repor o bom nome da vagina. Pelos vistos, a investigação médica já chegou à conclusão que sexo oral (nas mulheres, ou seja Cunnilingus, e vai com maiúscula porque merece) reduz a probabilidade se ter cancro. 
Studies Show That Eating Pussy Prevents Cancer
E, maravilha, reduz quer para o homem quer para a mulher. Isto porque durante o orgasmo a mulher produz ocitocina (não sei se é assim que se escreve) e outras endorfinas que reduzem a probabilidade de se ter cancro e ataques cardíacos. Ou seja, esta prática deve ser incentivada. Não sei muito bem qual o mecanismo fiscal que se poderia adoptar, mas deveria haver um subsídio para esta forma de fazer sexo. 

Há aqui um pormenor muito importante, aquelas coisas boas para prevenir o cancro e que fazem bem ao coração só são produzidas durante o orgasmo feminino. Ou seja, não basta fazer sexo oral, é preciso fazê-lo bem. E, para tal, aqui vos deixo um link para uma especialista no assunto, Patrícia Motta Veiga, que explica tudo com todo o pormenor. Infelizmente, sem imagens.

"e porque é que se quer tornar alemã?"

Arrasto há anos o projecto de me naturalizar alemã. Quando casei não era possível (tinha de escolher entre as duas, e achei que mais valia continuar portuguesa, porque com o meu sotaque francês nunca conseguiria convencer ninguém de que sou alemã). Quando se tornou possível ter as duas, a Europa ia tão de vento em popa que me pareceu supérfluo adquirir mais uma nacionalidade, se afinal somos todos europeus. Entretanto, surgem sinais preocupantes. A Europa parece em risco de implodir, e talvez no futuro faça realmente diferença ser português ou alemão.

Já tenho os papéis, e até já comecei a preenchê-los. O meu problema é a pergunta "porque é que se quer tornar alemã?" É uma pergunta armadilhada, podem crer! Em menos de nada dou comigo a tropeçar para dentro do chorrilho de disparates que me habita. Só me ocorrem respostas como: porque já sou, os meus amigos portugueses até me chamam alemoa. Ou: porque até já perdi amigos no facebook (sim! para que se veja a dimensão da tragédia!) por andar a defender que a Angela Merkel não é nazi como a pintam. Ou: porque sou a única estrangeira da minha família, e é muito triste quando passamos uma fronteira e o meu passaporte dá nas vistas por ser diferente. Ou: porque se for raptada no Jemen o MNE alemão paga mais que o MNE português. Ou: porque é para isso que me pagam (é verdade: uma vez, ali para os lados da terceira cerveja, os meus amigos fizeram um crowd founding, juntei 6 euros!) (de facto, 6,01 euros, porque uma antipática só deu 1 cêntimo, disse que eu estava muito bem como portuguesa, a grande antipática) (e também há a minha sogra, que quer pagar as despesas todas do processo, para haver mais um eleitor que não vota Alternativa para a Alemanha, mas tenho de prometer que também não voto Die Linke) (estou a pensar ir aos Die Linke perguntar se querem cobrir a oferta da minha sogra).

Claro que podia escrever "porque quero participar no sistema democrático do país onde já vivi metade da minha vida, etc. etc." - mas isso seria demasiado prosaico. Coitados dos funcionários públicos alemães, passam a vida a ler as mesmas frases sem graça. Soubesse eu escrever alguma que provocasse uma alegre gargalhada no cinzentismo daquele escritório!
(Soubesse eu fazê-los rir, sem me desgraçar...)
Para um dia que não tenha nada que fazer, já tenho projecto de vida: preencher formulários de modo a alegrar a vida aos funcionários públicos. Reduzo a taxa de depressão nos serviços, o pessoal até vai trabalhar mais cedo na expectativa de encontrar um dos meus formulários, a produtividade aumenta, e com sorte o presidente Gauck ainda me dá uma medalhinha no 3 de Outubro. Embora eu preferisse a do 10 de Junho, porque trago Portugal no coração e é essa a gentil pátria minha amada, e além disso os rissóis da cozinheira da Embaixada de Portugal em Berlim são extraordinários, uma pessoa fica cheia de vontade de prestar serviços de valor à pátria só para merecer um pratinho bem aviado deles.

Soube-me tão bem!


No corredor amplo de um espaço público avisto, ao longe, caminhando na minha direcção, uma mulher ainda jovem, que logo me pareceu familiar. Quatro ou cinco passos mais, o rosto da mulher ilumina-se num sorriso e ela exclama: “O professor Varela de Freitas!”. O nome dela veio ao mesmo tempo: era a Susana, que há uns quinze anos fora minha orientanda numa tese de mestrado em Desenvolvimento Curricular. Para além da conversa necessária para saber de cada um de nós, e da possibilidade nos podermos voltar a encontrar, já que frequentamos regularmente aquele corredor, fica aquela sensação que sempre experimento quando encontro um antigo aluno e com ele revivo o passado.


Soube-me tão bem!

post entre o divã do psicanalista e a mesa do café

O que mais me custa, nestes 26 anos de Alemanha - mais ainda que a falta de sol e de mar -, é quando as pessoas me dizem que eu, como estrangeira, não posso dizer ou fazer certas coisas. Não acontece muito, mas sempre que mo dizem é desagradável e doloroso. Logo a mim, que estou tão bem no centro do meu mundo, vêm dizer que não posso criticar, não posso sugerir, não posso pisar o risco? Como é que lhes passa pela cabeça que eu posso ser menos que eles?!

Traumatizaram-me. E deve ser por causa deste trauma profundo que estremeço sempre que se diz que os refugiados que não cumprirem as nossas regras devem ser sumariamente recambiados para a terra deles. Que estranho conceito de dignidade humana e de liberdade são os nossos, se apomos permanentemente uma espada de Dâmocles sobre pessoas que estão num terrível estado de dependência e fragilidade? E como será viver permanentemente sob essa ameaça? Atravessas no vermelho - volta para a tua terra! Largas um piropo a desconhecidas - volta para a tua terra! Roubas um telemóvel - volta para a tua terra! És indisciplinado na sala de aulas - volta para a tua terra, e leva a tua família contigo! Andas de bicicleta no passeio - volta para a tua terra! Mandas bocas homofóbicas - volta para a tua terra!

Vamos com calma. Melhor será ficar assente que daqui não sai ninguém, e que as pessoas que precisam da nossa ajuda não são seres humanos de segunda, e muito menos reféns da nossa generosidade. Se queremos que os refugiados se integrem, temos de treinar em conjunto algumas regras básicas: intangibilidade da dignidade humana, igualdade perante a lei. A melhor maneira de ensinar é dar o exemplo.

Surpreende-me a falta de confiança nos seus próprios valores que a Europa tem revelado. Serão eles tão frágeis e abstrusos que uma vaga de imigração correspondente a menos de 1% do total da população os pode pôr em causa e até destruir? Temos tão má impressão dos nossos modelos de vida e de sociedade, que não acreditamos que eles possam ser atraentes para quem vem viver entre nós?
Acredito que, muito pelo contrário, se soubermos ser o que dizemos que somos, os nossos novos concidadãos saberão orientar-se neste quadro. De facto, o maior desafio não é ensinar-lhes os nossos princípios e regras - é nós próprios termos consciência deles, e saber conceder aos recém-chegados a mesma margem de tolerância que concedemos aos nacionais. De certo modo, a crise dos refugiados pode ser uma oportunidade para a Europa tomar consciência de si própria e reencontrar-se consigo.

Recentemente, numa mesa de café, ouvi alemães queixarem-se da "invasão". Naquele tom exaltado de quem tem a coragem de afrontar o politicamente correcto, acusavam a dificuldade de trabalhar nas salas de aulas com alunos que não falam alemão e não respeitam as professoras, a esperteza de alguns refugiados que "chegam cá cheios de exigências", o "só estão interessados no nosso rico dinheirinho", os "inúmeros casos de abusos sexuais, que nenhum jornal se atreve a publicar" - os queixumes habituais, com o habitual refrão de estamos perdidos, vem aí o fim do mundo.
Não entendo: então uma escola com dezenas de professores adultos não é capaz de dizer a um adolescente que ganhe juízo? E qual é a dificuldade de dar a um refugiado aquilo a que ele tem direito, e fazer-lhe ver que há limites legais e processuais para atender os seus desejos e necessidades? O que leva pessoas de uma sociedade - tão avançada e com tanta maturidade democrática como esta - a inventar um papão para poder exibir um medo irracional e infantil?

À mesa do café, respondi que me sinto nos antípodas desses medos, e que o meu problema é outro: é sentir-me egoísta por ter uma casa de férias que quase não é usada quando há tantas pessoas a viver em condições dramáticas. Ou o desconforto perante o número cada vez maior de casas vazias, usadas para especulação. Como é possível brandirmos os valores cristãos e humanitários da herança europeia, e pormos a protecção da propriedade privada acima da ajuda humanitária? Perguntei-lhes: o que impede o Estado de requisitar as casas vazias para alojar refugiados? Desde que as liberte mal sejam realmente necessárias, e faça as obras de recuperação que for preciso, não vejo nisso qualquer inconveniente. Além de ter uma grande vantagem: em vez de se criar guetos de refugiados, as pessoas são distribuídas uniformemente pelas cidades, uma condição sine qua non do sucesso na integração.
Olharam-me incrédulos: eu, como estrangeira, não me devia pôr a dar conselhos aos alemães sobre as regras, a política e a gestão da propriedade privada deles. Olharam-me com ar de "volta para a tua terra!"

(Um divã de psicanalista junto a esta mesa de café seria uma bela medida de saúde pública: os meus amigos tratavam a sua Angst, e eu a minha angústia da rejeição.)

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Uma história grega

Numa história grega antiga, o defensor de uma mulher muito bela mas cruel assassina do seu marido, na falta de argumentos para convencer os juízes, desapertou o vestido da acusada para a fazer aparecer em toda a sua nudez. À sua pergunta: “podeis condenar uma mulher tão bela?”, o júri respondeu que não.
Moral da história? Primeiro, antigamente, a beleza tinha virtudes que se calhar já não tem. Segundo, o sentido pejorativo que a retórica adquiriu, sobretudo a partir do século XIX, tem muito a ver com isto: na “arte de convencer” o que interessa é a eficácia, faltando muitas vezes um travão ético – ao mesmo tempo, esta crítica não deixa de ser paradoxal numa sociedade que endeusa a eficácia. Terceiro, talvez nos possamos rir do júri grego em nome da ideia que fazemos hoje de justiça. Mas talvez devêssemos parar de rir se pensarmos que compramos muitas vezes produtos em massa devido a uma versão modernizada dessa história da antiguidade: as belas mulheres (e homens) que aparecem nas numerosas publicidades modernas sempre ao lado de um carro ou de qualquer outro objecto, esperando a contaminação de um pelo outro no registo do desejável.

Referendo - segundo take

A man who wants to marry should know either everything or nothing, é o aviso de Lady Bracknell ao pretendente a casar com a sua filha única, no The Importance of Being Earnest. E que bom aviso é. Alguém que se queira casar deveria já saber tudo da vida, ou então é bom que não saiba absolutamente nada. Aviso que parcialmente explica porque é que estou solteiro. 

E o que é que sabem os britânicos que votarão em junho no referendo? Não se pode dizer que não saibam nada – sabem os termos do acordo que Cameron obteve em Bruxelas, que serão válidos se forem, eventualmente, aprovados pelos estados-membros. Mas certamente não sabem tudo – para começar, não sabem se o acordo será aprovado pelos estados-membros. Além disso, não sabem o que acontecerá se o “out” ganhar, porque, nas palavras de Cameron, não há um plano B – não há uma ideia concreta, aliás, sequer abstrata, para os termos da ligação que o Reino Unido manterá com a Europa. Ou seja, existe informação sobre o melhor caso possível para a permanência, e pouco mais. Se Lady Bracknell estiver certa, os britânicos não estarão preparados para tomar uma decisão irreversível – e , das duas possíveis, a decisão de sair parece ser a mais irreversível. 

A estratégia de não conceber um plano alternativo é naturalmente de Cameron, que, naturalmente também, quer ganhar o referendo. Também é dele a decisão de não permitir que os ministros que farão campanha pela saída tenha acesso a informação privilegiada. No poker, isto chama-se um all in.

O motivo pelo qual Cameron convocou (e tem de ganhar) este referendo pode ser visto de uma maneira benelovente. Este motivo é, resumidamente, a necessidade de travar o crescimento do UKIP, o partido que defende a saída do RU da UE, e que tem caputado um número crescente de deputados e figuras de proa dos Conservadores. Ao ganhar o referendo, Cameron pensará que destrói a única razão de ser do UKIP. É uma estratégia arriscadíssima. 

Por um lado, se Cameron perder o referendo, é perfeitamente legítimo alegar que o partido melhor preparado para gerir o cenário pós-saída é o único que defende a saída. Por outro lado, não estou convencido que a derrota no referendo aniquile o UKIP. A verdade é que os partidos mono-temáticos muito raramente são mono-temáticos. São os partidos sopa da pedra: a pedra serve apenas para justificar todos os outros ingredientes de uma misturada que , no caso do UKIP, é, no topo e em parte, um tratado de Direita nacionalista. E a existência da pedra é fundamental para a promoção desta agenda política. Se o RU sair da UE, vai-se o grande motor de penetração do partido na sociedade britânica (tal como acredito que, em Portugal, uma reforma bem sucedida da Justiça teria como uma das maiores derrotadas a agenda ultra-reaccionária do senhor Marinho Pinto - que, concedo, se derrota a si mesma por inépcia do seu dono). Estou assim em crer que uma vitória curta do "in" no referendo, longe de afastar o UKIP da vida política, provavelmente tornaria a sua agenda mais forte que nunca. 

Vamos ver. 

Orçamento do Estado 2016: o regresso ao passado

Na substância, o Orçamento do Estado (OE) para 2016 distingue-se pelo aceleramento da reposição dos cortes dos salários e pensões. O governo anterior iniciou a reposição dos cortes, mas de uma forma mais gradual. De qualquer maneira, independentemente do governo e do ritmo, o Tribunal Constitucional acabaria, muito provavelmente, por obrigar à reposição integral dos salários, como fez entre Maio e Setembro de 2014. Na fiscalidade não vejo diferenças com significado neste OE em relação ao passado.

Mas sendo assim por que razão suscita este OE tantas dúvidas?

Em primeiro lugar, o OE foi apresentado num contexto em que o Governo e a sua base de apoio não fazem outra coisa senão criticar e eliminar medidas do anterior governo, muitas delas tomadas no contexto da execução do programa de assistência da troika, assinado por um governo do PS: do horário das 40 horas à eliminação dos feriados, passando pelo programa das privatizações. Na substância, nenhuma destas medidas de ‘reversão’, isoladamente, representa grande risco para a economia portuguesa. Mas a forma como foram feitas, e o discurso que as suporta, colocou sobre o OE todos os holofotes e fez surgir dúvidas em relação à determinação do novo Governo em cumprir com os seus compromissos.

Em segundo lugar, numa altura em que os nossos credores esperam sinais em relação ao comprometimento com a correcção dos desequilíbrios da economia portuguesa, o Governo optou por falar para dentro, em registo eleitoral. O melhor exemplo disso são os recentes vídeos com o Primeiro-Ministro, nos quais se esforça por convencer-nos de que nos está a dar mais do que a retirar em impostos. A mim isso não me deixa mais confiante no futuro. E aos mercados também não deixará. A mensagem que o Governo tem passado a propósito do OE, procurando mostrá-lo em tons cor-de-rosa, tem como único resultado fragilizar ainda mais a credibilidade do Estado.

Em terceiro lugar, o Governo e os partidos que o apoiam persistem na crítica ao anterior Primeiro-Ministro Pedro Passos Coelho por este ter afirmado que pretendia ir além da troika, tornando claro que teriam seguido um caminho diferente. Ora, apesar dos erros que foram cometidos, o grande objectivo foi alcançado: concluir dentro do prazo previsto o memorando assinado com a troika. Quem achar que é coisa pouca que vá ler o que se dizia um ano antes sobre a espiral recessiva, incluindo o Presidente da República Cavaco Silva e membros do Governo (ver, por exemplo, as cartas de demissão de Vítor Gaspar e de Paulo Portas). A verdade é que o anúncio do objectivo de ir além da troika foi importante para recuperar a credibilidade externa e convencer o país da necessidade de cumprir o programa de ajustamento. Que aquela frase seja usada para fins eleitorais diz muito sobre a forma como se faz hoje política em Portugal.

Finalmente, as posições públicas sobre a reestruturação da dívida ou a nacionalização do Novo Banco também não contribuem em nada para reforçar a confiança (o que não quer dizer que não tenham de ser consideradas e trabalhadas nos gabinetes).

A minha esperança (muito mitigada) é que o Governo consiga ir além do Orçamento, apresentando medidas que ajudem a tornar Portugal muito diferente do que era antes da intervenção da troika e não, como aconteceu até agora, cada vez mais parecido. Até ao momento ainda não vi nada nesse sentido.

O regresso da conversa dos centros de decisão nacional e da necessidade do controlo do sistema bancário sugere mesmo que estamos num processo de regresso ao passado.  

A contrapartida

Should I stand amid the breakers?
Or should I lie with death my bride?

~ Song to the siren

Ele tem mais de 60 anos, não sei ao certo. É obeso, sabe que devia perder peso, o seu cabelo totalmente branco, as roupas são largas, por vezes sujas, nada que indique o seu verdadeiro estatuto social: é rico, não muito, apenas milionário, mas o suficiente para se dizer que pertence ao 1%. Não é assim tão difícil pertencer ao 1%, nos EUA. É especulador em activos imobiliários, é a contrapartida. Quem compra uma casa nos EUA precisa de uma contrapartida, alguém que assuma o risco, ele é um deles, um dos que assume essa contrapartida de risco, um especulador. Quando alguém não paga a casa, as contrapartidas pagam por eles porque assumem o risco. Aquelas pessoas que os portugueses me dizem ser pessoas horríveis, parasitas dos seres bons que habitam por estas bandas. Eu ouço-vos e vejo a humanidade presa por um fio.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Contos zen para crianças boas 26

Foi-me feito saber que não sei nada de sinos. Vou, por isso, falar de outra coisa, de que também não sei nada:


Os piratas têm perna de pau, olho de vidro e cara de mau, e dentes piores ainda. Este pirata era um pirata normal, ou melhor, era um pirata quase normal. Tinha perna de pau, olho de vidro e cara de mau, e dentes piores ainda, mas era um pirata pessimista e os piratas normais são piratas optimistas. Um pirata optimista espera sempre que os mapas dos tesouros existam e que o X que marca o lugar do tesouro nos mapas dos tesouros seja um lugar real, de preferência numa ilha deserta, com mar azul transparente, areia fina branca, palmeiras e bom tempo. O tesouro serão moedas de ouro, colares de pérolas e anéis de rubis guardados numa arca de madeira com fechadura de cobre. O pirata pessimista só encontra os seus tesouros por acidente e pode levar anos a desenterrá-los.

O princípio do fim

O líder da maioria (Republicana) do Senado americano, Mitch McConnell, teve uma ideia brilhante: anunciou que o Senado nem sequer iria considerar uma proposta do Presidente Obama para nomear um candidato para substituir Antonin Scalia no Supremo Tribunal dos EUA (SCOTUS). Antes, Donald Trump havia dado o grito de guerra: "Delay, delay, delay!" Isto tem o potencial de se tornar muito feio para os Republicanos: num inquérito da Fox News, 62% dos eleitores inquiridos indicaram que querem que o Presidente e o Senado considerem um candidato agora vs. 34% depois da tomada de posse do novo Presidente. Já noutro inquérito do Pew Research Center 56% querem que se considere um candidato agora vs. 38% depois. Acho uma péssima jogada dos Republicanos e poderá prejudicar a imagem do partido antes das eleições. O Presidente tem plenos poderes constitucionais para fazer uma nomeação e o Senado não pode interferir com os poderes do Presidente. Se não gostam, rejeitem, ou não considerem, o candidato e sofram as consequências da sua decisão.

Para defender a sua posição, os Republicanos invocam a posição que Joe Biden tinha há quase 24 anos, enquanto Senador quando, em Junho de 1992, sugeriu em entrevista ao WashPost e num discurso no Senado, que o Presidente George H.W. Bush não deveria nomear um substituto para uma demissão voluntária de um Juiz e que deveria deixar isso para quem ganhasse as eleições, que se realizariam no início de Novembro, como normal. Nesse caso, estaríamos a falar de um período de seis meses até que um Presidente novo que ganhasse essas eleições tomasse posse (foi Clinton). Como era uma demissão, a pessoa poderia continuar em funções até a demissão ter efeito, o que é impossível em caso de morte, obviamente. (Contudo, é de notar que o SCOTUS não precisa de nove Juízes para funcionar; nove é o número máximo e é um número simpático porque não permite empates.) No caso do substituto de Antonin Scalia, estamos a falar de um período de 11 meses até poder haver uma nomeação e normalmente leva 67 dias a confirmar um Juiz do Supremo Tribunal de Justiça, logo um período total de 13 meses. Não é muito razoável esperar mais de um ano.

Mas o mais interessante disto tudo é a divisão que se criou entre os Republicanos: o senador Republicano, James Lankford distanciou-se de McConnell, dizendo, "I wouldn't have a problem with that. The President's going to do his job and I'll do mine." Sim, meus amigos, estou orgulhosa de ele ser de Oklahoma -- foi lá que eu vivi primeiro.

Podem ler mais nestes artigos da CNN e do NYT.

como se fosse uma apresentação

Quando mudámos de Weimar para Berlim, inscrevemos a nossa filha adolescente numa escola católica. Foi conselho de uma amiga, directora de uma escola confessional. Que a miúda ficava mais acompanhada nesta cidade de quatro milhões, e que a escola era muito bem frequentada e tinha um ambiente protegido, patati-patata. Para quem vinha de uma cidade de 60.000 habitantes, onde todos se conhecem e acompanham atentamente a vida dos outros, aqueles argumentos pareceram-me pertinentes. Depois de terminar o secundário e deixar essa escola, a nossa filha desenganou-nos cruelmente: "escola católica = elite = dinheiro. São os melhores sítios para criar novos consumidores de droga, ó meus queridos e ingénuos paizinhos!"
A minha amiga contava histórias mirabolantes sobre as famílias que procuram essas escolas. Como a de ter perguntado aos pais de um miúdo com milhentos nomes próprios como é que ele queria ser chamado e os pais, magnânimos: oh, não é preciso complicar, "senhor duque" basta. Infelizmente, contou a minha amiga, descobriu-se que já não havia mais nenhuma vaga.
Em todo o caso: um belo dia, pouco depois da nossa chegada a Berlim, dei comigo no fim de uma reunião de pais a comer pizza em frente a uma duquesa muito simpática, que se chamava Mary e se fazia tratar por tu. Seguiu-se um convite da Mary para um pequeno-almoço na sua casa. Fiz uma bola de Lamego, e fui. À mesa, era a única plebeia. Todas as outras senhoras eram condessas, marquesas, duquesas, sei lá. Também havia uma princesa, e vinha vestida com jeans confortáveis, botas de couro e um camisolão velho e largo cheio de borbotos. Já não se fazem princesas como antigamente, no tempo do Walt Disney. O pequeno-almoço foi óptimo. A bola de Lamego foi muito louvada, anotaram a receita (sou a Catarina de Bragança da Alemanha: daqui a uns séculos o mundo falará da tradição alemã de fazer um pequeno-almoço de amigas com bola de Lamego). Como ia dizendo: foi um pequeno-almoço óptimo, elas iam contando as suas histórias e eu ia descobrindo pelas entrelinhas que a nobreza alemã é como as bruxas espanholas: ninguém acredita nelas, pero que las hay, pero que las hay. Também contei as minhas histórias, imensas coisas interessantíssimas da área da sociologia no tempo de Jesus Cristo, e elas estavam pasmadas, até parecia aquela cena de Jesus no meio dos doutores do templo. Depois não sei que aconteceu, nunca mais devem ter tomado pequeno-almoço, coitadas, porque não recebi nenhum convite.

Voltei a cruzar-me com a Mary no Estádio olímpico, durante a missa do Papa Bento XVI. Calhou de nós, os plebeus, termos convite para os lugares VIP mesmo atrás da Angela Merkel, e os duques estarem no terceiro anel. Às vezes desconfio que Deus é um grande cínico. Ou distraído. Ou republicano.

Anos mais tarde, faz agora algumas semanas, vesti-me confortavelmente e fui com o cão distribuir pela cidade folhetos para um evento dos Portugueses em Berlim. Ao passar pelo consulado tive tanto azar que me cruzei com o novo Embaixador, e mais azar ainda: fomos logo ali apresentados. Ele de uma elegância impecável, no seu sobretudo cognac, e eu feita princesa alemã: camisola larga e cheia de borbotos, jeans velhas, e as minhas botas favoritas, iguaizinhas às da Laura Ingalls. O cão, esse, estava um autêntico príncipe encantado antes de lhe darem o tal beijo. Parecia um cão de sem-abrigo com a trela velha e cheia de emendas, do tempo em que a roía para ir à sua vidinha em vez de esperar por nós (é um rafeiro português independente e cheio de personalidade). Como se não fosse já suficientemente mau, da segunda vez que me cruzei com o Embaixador estava vestida de minhota. Não sei se ele me dará uma terceira oportunidade.

Para o caso de um dia, por sorte, me ser permitido reajustar a imagem perante o novo Embaixador, estou preparada: já comprei uma trela nova para o cão. Numa loja cara e tudo, um luxo. Agora, quando o deixo à porta do supermercado, venho repetidamente espreitar à porta, não vá alguém querer roubar a trela de marca e levar o rafeiro agarrado. Estava capaz de inventar uma nova modalidade de fitness: põe um saco de cebolas no carro das compras, vai à porta do supermercado. Põe dois litros de leite no carro das compras, vai à porta do supermercado. Põe um pacote de arroz no carro das compras, ...

E assim vai a vida, em Berlim. Vai e vem, vai e vem, e a cada coisa pergunta que nome tem.


Nova aquisição

Caros leitores, tenho o prazer de vos dizer que a Helena Araújo aceitou o nosso convite para escrever na Destreza das Dúvidas. Conheci-a por conversas de Facebook com amigos comuns. Gosto do que ela escreve e passei a segui-la no blogue “2 Dedos de Conversa”. 
Não sei muito sobre ela, a não ser que gosto muito do seu blogue, onde escreve sobre música e cinema. Escreveu também entradas importantes sobre refugiados na Alemanha e sobre o assédio o sexual de fim de ano em Colónia. Os seus artigos sobre a forma como a Alemanha lida com a crise de refugiados levou a que o Observador a convidasse a escrever dois artigos de opinião.

Também nós, no passado, fizemos da Helena a nossa enviada especial a Berlim. Agora, fazemos dela nossa correspondente permanente na Alemanha. Já temos o Luís em Londres e a Rita e a Sandra nos EUA. Agora temos mais um correspondente num local nevrálgico para o nosso mundo.

À Helena desejo as boas-vindas e que escreva o que e quando lhe apetecer.

Costa, o Neoliberal

Como decerto leram n'O Insurgente, num post do Carlos Guimarães Pinto, o Orçamento proposto pelo Governo Geringonça é efectivamente muito próximo do que seria proposto por um governo PàF, ou seja, a Geringonça é neoliberal. E até deve ser mais neoliberal do que a PàF, basta reparar que António Costa é obeso; já Pedro Passos Coelho e Paulo Portas não sofrem desse problema. Segundo Isabel do Carmo, no Público, o neoliberalismo causa obesidade.

Foto de Carlos C. Carapinha, via Henrique Figueiredo

Concretely insane!

O Chopper não tem papas na língua! Sai à mãe...

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Sardinhada

Gosto muito da minha colecção de sardinhas da Bordallo Pinheiro, que eu recebi da minha amiga Sofia. Uma delas é muito gira: um cartão postal a dizer que tinha emigrado. Bem, mas as minhas sardinhas estão na sala, ao lado das papoilas da Georgia O'Keefe. Tenho saudades das papoilas de Portugal.

No sofá, estão umas almofadas em verde e vermelho, que eu comprei na Pottery Barn. E o Alfred está sentado num pouf que eu fiz. Encontrei um quadrado do tecido numa loja e gostei tanto dele que o comprei, mas depois, durante anos, não sabia o que fazer com aquilo. Finalmente, lembrei-me de fazer um pouf. As cores são vermelho, azulados, esverdeados, e algum amarelo. O tecido tem crisântemos, o que me recorda do Outono em Portugal; apesar dos crisântemos pequeninos também serem muito usados nos EUA. Depois de arrumar a minha sala, reparei que é um bocado como a bandeira de Portugal, só que este verde não é o tom do da bandeira.

Hoje de manhã estava a pensar que, se os americanos me apanhassem, diriam que eu tinha traído a jura que fiz durante a cerimónia de cidadania, mas depois lembrei-me que o meu quarto está decorado em tons de azul, vermelho, e branco. O azul também não é o tom da bandeira americana. Nada disto foi planeado conscientemente, ou seja, o meu subconsciente tem tendências nacionalistas, mas não sabe bem de que nação gosta mais -- tem dois amores, como o Marco Paulo.

Reportagem 100

Os sinos dobram, mas não por heróis regressados a casa.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Já está disponível o número 42 da revista Notas Económicas. Este número conta com as seguintes contribuições:

Optimum Currency Areas, Real and Nominal Convergence in the European Union, de João Sousa Andrade e António Portugal Duarte
    
Perceções dos Consumidores Domésticos acerca das Faturas de Água, de Patrícia Moura e Sá e Rita Martins

Pity Talk

O nosso ilustre PM António Costa foi ao Parlamento e acusou Pedro Passos Coelho de ter pedido a Bruxelas para chumbar o orçamento. Ele há coisas! Então não era António Costa que dizia que Pedro Passos Coelho era demasiado subserviente a Bruxelas e não se impunha à UE? É claro que dá jeito que o primeiro orçamento tenha chumbado, assim tem defesa contra as exigências do PCP e do BE -- é uma vítima nas mão do PSD, que envenena Bruxelas.

Já vi este filme muitas vezes. António Costa é como aqueles homens casados que andam atrás de mulheres e, para as seduzir, dão-lhes uma "pity talk": "Sexo com a minha mulher é mau, ela não gosta de mim. Se soubesse não me tinha casado, tu é que és a mulher da minha vida. Vou separar-me um destes dias, sou tão infeliz." O PSD é tão mau como uma esposa. Mas tomem lá rosas e perfume, ó PCP e BE, que vocês é que são os grandes amores da sua vida. E um dia destes o Dr. Costa até vos leva para a cama e dá múltiplos orgasmos numa noite só porque convosco é que ele é bom. Depois para lavar a roupa e passar orçamentos rectificativos, lá tem de vir a esposa em socorro...

P.S. O momento mais triste é Portugal ter, mais uma vez, um Primeiro-Ministro que sacrifica os interesses do país para avançar os próprios.

Ainda sou deste tempo...

Daquele em que andava ao acaso numa rua em Lisboa e podia tirar uma foto da calçada para meter no fundo do meu telefone. Brevemente será o tempo em que a calçada será só para turistas. E depois, um dias destes, quando outros iluminados precisarem de dar projectos às empresas dos amigos, decerto que nem os turistas terão direito à calçada. 

Só pessoas muito idiotas vêem valor em se destruir uma coisa que é um pretexto para se falar de Portugal em qualquer parte do mundo. Mas Portugal é governado por idiotas. Se não fosse, é que seria novidade...


Referendo - primeiro take

O referendo sobre a permanência do RU na UE será agora profusamente debatido pelos distintos comentadores portugueses, que, tipicamente, como diria o Pessoa, conhecem o panorama político britânico como danados. Eu, que nem sequer comentador sou, e que, face aos comentadores portugueses, só tenho a vantagem de ter vivido alguns anos no país, tenho pouco a oferecer aos leitores deste blog que eles não possam encontrar nas páginas dos jornais nacionais. Talvez me deva portanto focar em pequenas estórias, evitando grandes narrativas sobre a coisa. 

Eu passei várias fases em Londres. Estive em modo de férias prolongadas, quando acabei o meu curso em Lisboa; na altura a minha vida era sobretudo passada em clubs revivalistas da britpop, repletos de mods, que entretanto – os clubs, mas também os mods - , um a um, desapareceram do centro da cidade para dar lugar a lojas que vendem café com leite a turistas e gente muito apressada; tirei cá um mestrado, numa escola que foi criada no início do século passado para ensinar as elites inglesas a gerir as suas colónias ultramarinas e que, num volte-face extraordinário, acabaria por se tornar um dos grandes centros académicos anti-colonialistas da Europa; depois fui trabalhar, sendo que, atualmente, é a primeira vez que trabalho apenas com colegas ingleses. Em todas estas fases, conheci ingleses irremediavelmente diferentes entre si, e estas diferenças desafiam qualquer tentativa de encontrar uma narrativa coerente sobre o modo como este povo se vê a si mesmo, e como vê o seu papel na Europa. Talvez esteja mesmo disposto a argumentar que estas diferenças entre os ingleses são, no contexto do referendo, mais úteis e operacionais do que as suas semelhanças. 

Uma das grandes diferenças é aquela entre Londres e o resto do país. Que país? Aí começa parte do problema. Londres é, simultaneamente, a capital do Reino Unido e de Inglaterra. Ora em Londres estão o Parlamento e o Governo do Reino Unido, mas não os de Inglaterra – que não estão em lado nenhum, porque não existe um Parlamento e um Governo ingleses. Mesmo as leis que se aplicam exclusivamente a Inglaterra são votadas no Parlamento do Reino Unido, inclusivamente por deputados eleitos pela Escócia, Gales e Irlanda do Norte. Quase se poderia dizer que Londres é a capital política de um país que sacrificou a sua existência política à da do Reino Unido. É o centro de um país descentralizado. 

 Das maiores surpresas que tive quando iniciei as minhas atuais funções foi aperceber-me da relação dos ingleses com quem trabalho com a sua capital. Tenho a sorte de ter feito muito bons amigos entre os meus colegas, e, raridade, ter sido convidado para jantar em casa deles. A grande maioria vive fora da M25 (uma espécie de CREL que delimita Londres). Vivem em pequenas vilas onde têm as suas casas de família de dois andares, com jardins muito simples de narcisos e túlipas nas traseiras, a que lhes são prestados, na íntegra, os poucos cuidados que exigem. Têm o seu pub local onde almoçam aos domingos o Sunday Roast com os pais, fazem as suas compras de frutas e vegetais da época no mercado local, e vão de carro ver o mar, quando o tempo o permite. A Londres, por opção, vêm apenas quando algo muito importante o justifica. Quando o fazem, é toda uma logística! Fazem-se com muita antecedência as reservas do restaurante a que vão desde os anos 60, ou que iam os pais desde os anos 60, mesmo que o dono tenha mudado vinte vezes e seja hoje um russo qualquer que nem tem direito de residência no Reino Unido. Consultam-se as páginas do Times para decidir que peça de teatro no West End se vai ver e fazem-se listas de livros para comprar na capital. A maioria destes meus colegas nunca teve um amigo estrangeiro, e, posso mesmo dizê-lo, muitos deles nunca tinham trabalhado com um. 

A distância de Londres é física, mas é sobretudo cultural. Lembro-me de ter uma reunião com um académico americano, de visita à cidade, e, no meio de oito colegas ingleses, o meu chefe pergunta-me a mim o que é que eu sugiro ao nosso convidado. Eu, na visão deles, sou o londrino. Londres é, e não é, não sei se já disse, a capital de Inglaterra. As preocupações de Londres não são, necessariamente, as preocupações dos ingleses – e a economia de Londres não é, pelo menos aos seus olhos, necessariamente a economia que os preocupa. As diferenças de rendimento per capita entre regiões, face a Londres, são extraordinárias. Londres é a região mais rica do Norte da Europa, e as nove regiões mais pobres do Reino Unido são também as nove regiões mais pobres do Norte da Europa. 

Boris Johnson, o presidente da Câmara de Londres, anunciou o seu apoio à saída do Reino Unido da União Europeia. Segundo as sondagens mais recentes, o peso político de Boris pode mudar a opinião de vários indecisos. Há muita gente que estranhou a jogada política de Boris. Como é que o líder da região do Reino Unido com maior ligação e dependência da Europa, a região que mais beneficia do movimento livre do capital humano europeu mais qualificado, e que exporta mais serviços financeiros suportados no livre movimento de capitais, sugere a saída da União Europeia? Certamente, perderia qualquer debate centrado nas necessidades de Londres. Precisamente. Boris não quer ganhar o debate de Londres. Quer ganhar o debate de Inglaterra.

A separação das águas?

Em 2012, eu e o Pedro Bação criámos o site Are we going Greek? para podermos seguir o desempenho das economias resgatadas pela troika. A questão que então se colocava era se Portugal (e também a Espanha e a Irlanda) seguiriam o caminho da economia grega, e se o euro sobreviveria.

No início de 2016 podemos dizer que a Irlanda, a economia que começou o processo de ajustamento mais cedo, cortando salários logo em 2009 (quando Portugal os aumentava…), está cada vez mais afastada do restante grupo. Em 2014, o seu PIB ultrapassou o nível de 2007 e em 2015 cresceu cerca de 5%, a taxa de desemprego é já inferior a 10% e os elevados excedentes externos permitiram reduzir fortemente o endividamento externo. Também o endividamento, público e privado, parece estar numa trajectória claramente descendente.

No segundo semestre de 2015, a Grécia, como antecipavam os problemas políticos do primeiro semestre, voltou a entrar em recessão. A perda acumulada de produto desde 2007 é de quase 30%, o desemprego mantém-se próximo dos 25% (apesar da emigração), persistem os défices externos, as taxas de juro de curto e de longo prazo mantêm-se elevadíssimas. Ou seja, oito anos depois do início da crise a economia grega continua sem perspectivas de recuperação.

A recuperação da Irlanda e o regresso à recessão da Grécia torna mais vincada a separação dos países intervencionados. Manter a Irlanda neste grupo serve apenas o propósito de uma análise comparada do desempenho dos países resgatados pela troika.

Apesar da economia espanhola e portuguesa se encontrarem, em termos relativos, mais próximas da economia Irlandesa (recuperação iniciada em finais de 2013, desemprego decrescente, excedentes externos desde 2013, taxas de juro baixas), há vários riscos que se mantêm presentes. 
Em ambos os países os défices públicos persistem, bem como os elevados níveis de endividamento público e privado. No contexto de uma recuperação ainda frágil, estes países continuam muito expostos a variações das taxas de juro. Por último, a estes riscos, é ainda necessário adicionar o risco de instabilidade política e a opção por soluções populistas que abalem a credibilidade que vinha sendo recuperada nos últimos anos.

Continuaremos assim a actualizar este site.

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Nacionalização e centros de decisão nacional

Gosto sempre de ouvir e ler Vítor Bento - tem mesmo um livro que considero dos mais importantes sobre a economia portuguesa: Perceber a crise para encontrar o caminho. Só tenho pena que ele, profundo conhecedor do sistema financeiro português, não refira nunca nas suas análises as enormes responsabilidades do sector financeiro, em particular do sector bancário, na crise da economia portuguesa. O grande problema do financiamento da economia portuguesa é em grande medida resultado de erros de gestão (portuguesa, diga-se de passagem) da banca portuguesa (sobretudo daquela que tinha ligações mais 'estreitas' com o Estado português). Mas sim, há enormes riscos em a nossa banca ser absorvida por grandes grupos espanhóis. 

Tudo a postos!

Não sei se têm andado atentos às notícias, mas na sexta-feira o nosso ilustre Ministro das Finanças, Mário Centeno, deu a entender que está muito preocupado com o efeito da emigração no PIB português. Diz ele que, entre 2011 e 2014, cerca de 100.000 pessoas por ano, em média, emigraram. E ele quer os jovens de volta.

Eu, que já não sou jovem, parece que não sou querida pelo Dr. Centeno. Não faz mal, também não me dou muito bem com o desemprego, nem com a burocracia e os atrasos dos portugueses. Caraças, se calhar, a julgar pelos insultos que tenho recebido ultimamente na minha língua mãe, até é altamente duvidoso que eu me dê bem com portugueses! Pensava que toda a gente -- de Esquerda e Direita -- sabia o significado de liberdade de expressão, mas não: pensam que é um convite ao insulto, em vez de um convite ao debate de ideias. Devo ter confundido Portugal com os EUA.

Não é por isso que vos escrevo. Tenho boas notícias para o nosso governo: os emigrantes de Angola estão a regressar e eles eram mais de 126.000 em 2014 e como lá também não há liberdade de expressão, são pessoas mais parecidas com os restantes portugueses do que eu. Só para verem como sou má para aí, basta saberem que acho cinemas-restaurantes o máximo, uma clara indicação que estou completamente americanizada e até tenho um passaporte para o provar. Segundo me contam alguns amigos de Esquerda, que destestam o capitalismo, os americanos são péssimas pessoas, começam guerras e tudo -- mais nenhum povo é assim tão mau.

Conheço três dos emigrantes que regressaram de Angola e são todos muito boas pessoas. O que é chato é que as remessas deles vão terminar. Em 2014, foram mais de €240 milhões de euros enviados; em 2013, tinham sido mais de €300 milhões. Mas não há problema porque esta gente toda trabalha, logo podem aumentar o PIB português imediatamente.

É agora que Portugal vai crescer! Afinem o motor do PIB...

A procura

Caminho sozinha
pela noite escura. 
Caminho e procuro
a alma mais pura,
o ser mais perfeito,
a minha loucura. 
Caminho sozinha
um caminho de agrura. 

O mel

A primeira vez que ouvi Tidal de Fiona Apple não gostei muito. Até emprestei o CD a um amigo e ele ouvia-o constantemente e dizia-me o quanto gostava do álbum. Pensando no caso agora, não percebo porque é que não lho dei. Ainda bem que não o fiz porque, anos depois, este album cresceu em mim e tem temas que se tornaram alguns dos meus preferidos -- não é raro, às vezes acordar de manhã, e desejar ouvi-los. Assim foi esta semana com "Slow like Honey": a letra sublime, a voz lânguida, e a melodia lenta como o mel convidam ao sonho acordado. Para ouvir só ou em boa companhia; mas mesmo boa mesmo!

sábado, 20 de fevereiro de 2016

Os "lesados" do BES

Gostaria que alguém do Governo explicasse à plebe o que faz os "lesados" do BES seres tão especiais que não possam sofrer perdas. E expliquem também o que é que isto implica para outros "lesados". Estou a pensar nos "lesados" que compram acções de um banco português na bolsa e depois as decidem vender, por qualquer razão, e sofrem uma perda. Teria o estado português de compensar esses "lesados" também? E os "lesados" do Banif? Também houve investidores que sofreram perdas aí e o governo não teve grande compaixão por esses. Será que Portugal é um país onde uns "lesados" têm direitos, mas outros não, dependendo da vontade de quem governa? E quem é que compensa os lesados últimos, que são os contribuintes?

Tudo mal

A discussão acerca do possível afastamento de Carlos Costa do Banco de Portugal cheira mal. Mas não cheira mal porque não deva haver uma discussão séria acerca da actuação do Governador de Banco de Portugal, mas sim pelos motivos invocados. O Primeiro Ministro, já sugeriu que o Banco de Portugal é uma entidade independente, mas que deve ter uma "actuação responsável" no caso dos lesados do BES. O que é uma "actuação responsável"? Estamos nós perante uma questão moral ou uma questão legal? Os lesados do BES fizeram um investimento que não tinha risco zero perante a lei portuguesa. Há ainda quem tenha sugerido que Carlos Costa poderá ser enxovalhado até se demitir. É incrível sequer pensar num plano deste tipo. Ou estamos num país a sério, em que os governantes claramente sabem agir dentro da lei ou então mais vale emigrarmos todos porque Portugal é, efectivamente, uma República das Bananas.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Novela 24h

A Geringonça é uma telenovela portuguesa em exibição, 24 horas por dia, nos vários meios de comunicação nacionais e estrangeiros. Iniciada em finais de 2015, após as eleições legislativas de 4 de Outubro, tem como principal autor António Costa, que acumula funções de protagonista como líder do Partido Socialista português. Nesta saga político-económica, acompanhamos as diferentes manobras necessárias para que o protagonista suba a e se mantenha no poder em Portugal. Nos papeis secundários encontramos vários líderes políticos de outros partidos, que já tiveram melhores dias. Como esperado, e para criar situações de suspense e de maior interesse da trama, há líderes que estão contra e outros a favor do protagonista.

Oh baby, baby...

O que é que aconteceu à cara da Britney Spears? Inquiring minds want to know...

E a Hillary, como sempre, entre o seu homem e uma mulher...

Quem casa com economistas nos EUA

Que chatice, não parece ser ninguém interessante... Podem consultar outras profissões aqui, na Bloomberg.

Frases famosas 27

27. Toma e embrulha.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Visita guiada

Vou mostrar-vos as diferentes skylines de Houston porque hoje está um dia giro e dá para eu tirar fotos decentes.
 

A baixa de Houston: Downtown

O centro médico: Medical Center

River Oaks

Greenway Plaza em primeiro plano; River Oaks à distância. 



Papa vs. Trump

O Papa Francisco disse que Donald Trump não era cristão; o Trump disse que se orgulhava de ser um cristão. É assim, em certas zonas dos EUA, nem os católicos são cristãos; só os protestantes é que são cristãos. Bem-vindos ao Bible Belt!

Não aprecio grandemente conversas sobre religião, mas uma vez tive uma engraçada com uma menina de 10 anos, em Oklahoma, que me disse que a sua professora de piano não aceitaria crianças da religião judaica. Ela e a sua professora era baptistas. Eu disse que não fazia mal, decerto que não havia muitos meninos judeus em Oklahoma. Ela insistiu, disse que mesmo se houvesse, a professora não aceitaria. Eu perguntei-lhe se ela sabia que Jesus Cristo era judeu. Não sabia, também ainda era muito jovem para saber isto e para lhe ter ocorrido aquela ideia. Fiquei muito incomodada que uma criança tão pequena já tivesse presenciado conversas entre adultos na qual se discriminava pessoas com base na religião.

O melhor já passou...

Segundo o FMI, o melhor da economia portuguesa já passou -- foi em 2015-- e o pico foi crescimento do PIB de 1,5%. Que pobreza! Vamos ver quando é que batemos no fundo...

Se fosse eu, calava-me!

O PSD acusa o PM António Costa de atacar vergonhosamente o BdP. Caros Sociais-Democratas, calem-se! Depois de tanto escândalo bancário, o Governador do Banco de Portugal já devia ter caído há muito -- tipo, quando vocês ainda estavam no governo. Guardem os ataques para quem for nomeado a seguir, se a pessoa não merecer a confiança.

Frases famosas 3

3. Tu não te atrevas a pisar-me os óculos. 

Lei da Atracção (ou da Traição)

Saiu uma notícia de que, esta semana, Portugal decidiu emitir títulos de dívida a três e 11 meses. Há aqui qualquer coisa de muito errado. É que, se sabiam que tinham de emitir dívida, os nossos governantes não deviam ter andado a fazer banzé nas semanas anteriores e causado o aumento das taxas de juro. No entanto, o inverso também pode fazer sentido: será que o governo sabe que vem aí ainda mais banzé e decidiram emitir dívida porque presumem que taxas a este nível já não mais as irão conseguir? E eu que pensava que o adiamento do empréstimo do FMI era para se evitar ter de ir aos mercados.

As taxas de juro desta dívida até são baixinhas porque os prazos são curtos, logo há menos incerteza, mas se adiámos o empréstimo do FMI e, no entanto, continuamos a ir ao mercado emitir dívida de curto prazo, então vamos usar esse dinheiro exactamente para quê? Só há duas opções: vamos pagar dívida antiga com empréstimos de curto prazo, o que pode ser arriscado se ficarmos sem dinheiro na tesouraria como aconteceu durante o governo Sócrates, ou vamos gastar este dinheiro em despesas correntes, o que não gera crescimento, mas assegura-nos uma dívida crescente.

No entanto, tenhamos fé, que ainda não paga imposto! E não se preocupem, há sempre compradores para a dívida desde que os investidores sejam recompensados pelo risco e taxas de juro altas são necessárias para atrair investidores com mais apetite para risco. A JP Morgan já disse que as yields da dívida portuguesa estão a tornar-se muito atractivas. Isto é uma maneira simpática de nos dizer "Obrigada". Um governo que esperneia e assusta os mercados antes de emitir dívida é tipo o Pai Natal dos credores. O Pai Natal dos contribuintes é que nunca mais aparece...

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Porquê votar no Trump?

Para quem ainda não está convencido, uns americanos criaram uma website com uma lista de razões pelas quais votar no Gato Donald. Chama-se "Reasons to Vote Trump". Vão lá para ver...

Juntemo-nos aos maus...

Recentemente, na Bloomberg, apareceram duas peças de opinião, acerca da dívida da Argentina. Como o nosso governo é proponente de confrontos com os credores e até já há ameaças de credores, julgo que vale a pena estarmos ao corrente dos problemas dos outros para ver se não os repetimos. (Uma curta sinopse sobre a dívida argentina também está disponível na Bloomberg.) Mas se o objectivo é mesmo ser famoso, como parece ser o do nosso PM António Costa, então vale a pena aprender a reconhecer os instrumentos que conseguem tornar governantes famosos.

Da peça do Matt Levine, que mais parece o princípio de um romance:

We've talked a lot about Argentina's sovereign-debt saga, but now that it is perhaps drawing to a close I'd like to tell the story again, from a slightly different perspective. (If you want it from the regular perspective, you know where to go.) This version of the story starts in 1998, when Argentina issued some bonds called floating rate accrual notes. The FRANs were due in 2005, and their floating interest rate was based on the market yields of other, fixed-rate Argentine debt. The idea was that if Argentina's credit deteriorated, holders of these bonds would be compensated in the form of a higher interest rate. This sounds like a sensible enough idea. It was a terrible, terrible idea.

Fonte: Matt Levine, Bloomberg, 8/2/2016

Do editorial de ontem:

Before Argentina’s debt crisis is resolved -- and prospects have been looking better lately -- it’s worth pausing to ask why the stalemate has lasted so long. (More than a decade, but who’s counting?) Preventing these kinds of fiascos will require changing what happens when a government is unable to pay its debts.

The protracted impasse in Argentina shows what’s at stake. Increasingly frustrated by Argentina’s refusal to heed court rulings, a U.S. federal judge told its government not to pay creditors who’d agreed to settle unless it also paid the holdouts. He also forced intermediaries to help enforce his ruling.

Fonte: The Editorial Board, Bloomberg, 16/2/2016

Não tenho resposta

Em Portugal, conheço pessoalmente dois casos de mulheres abusadas por parceiros, que me saltam logo à ideia, mas houve muitas mais que eu conheci durante a minha infância. Ambas estas mulheres tinham formação universitária. Num caso, para além dos abusos, o marido trancava a esposa em casa, num sótão, sem ter acesso a outras pessoas. Ele parecia uma pessoa completamente normal e não dado à violência com os outros, mesmo para mim é difícil de acreditar que tivesse feito tal coisa. Mas fez... No outro caso, o marido abusava-a mental e fisicamente e também a drogava. Quando ela ia ao médico supunham que era bipolar, depois esquizofrénica, e enchiam-na de medicamentos. O acesso a amigos também era limitado.
Nós, humanos, somos máquinas de sobrevivência e, muitas vezes, para sobreviver, o nosso cérebro restringe o acesso a certas memórias. Mas há outros entraves. Quando a vítima vai ao médico em busca de tratamento e, até junto de amigos, admite não estar em pleno controle das suas faculdades e o perpetrador do abuso parece ser uma pessoa que está bem, é afável para com os outros e até para com a vítima à frente de testemunhas, temos logo uma situação na qual um lado está em grande desvantagem relativamente ao outro. E depois temos um sistema ineficiente e, muitas vezes, cheio de falhas. Quantas vítimas em Portugal não padecem, mesmo depois de pedir ajuda ao estado? Esta semana, uma mulher foi detida por suspeita de homicídio dos seus filhos, meses após ter apresentado queixa por maus tratos e abuso sexual dos seus filhos por parte do seu ex-companheiro.
Mas não é o único caso, como já escreveu a Sara aqui: assistimos também à continuação do lamentável caso de Bárbara Guimarães vs. Manuel Carrilho. Não só a Juíza demonstra ser completamente parcial, como humilha a vítima na forma como a trata (ela é Bárbara, ele é Prof. Carrilho) e perguntando-lhe porque não se queixou mais cedo -- a lei portuguesa não estipula em que data deve ser feita a queixa após o início do abuso. Desde que o crime não tenha prescrito, a vítima decide; a Juíza que se preocupe em aplicar a lei e salvaguardar os direitos de todos os envolvidos. E por falar em direitos, até os direitos de Dinis Carrilho, filho do casal, foram comprometidos neste caso, pois o seu testemunho foi tornado público, quando devia ter sido confidencial.
Bem, mas a propósito do post do José Carlos, às vezes pergunto-me o que é que eu faria se estivesse numa situação deste tipo. Nunca consegui achar uma resposta. Quando o nosso cérebro fica tão debilitado devido a abuso, sabe-se lá como é que iremos reagir. Eu, que me acho uma mulher bem-formada e com conhecimento dos meus direitos, com boa auto-estima, e com uma língua afiada q.b., não posso garantir que um dia, caso as circunstâncias o permitam, não serei vítima. É por isso que tenho bastante dificuldade em confiar em homens. E digo homens porque não tenho relações amorosas com mulheres; mas há, obviamente, mulheres que também não merecem confiança.

Frases famosas 42

42. Venham eles.

Outra coisa qualquer

Todas as mulheres gostam de apanhar. Só as neuróticas é que reagem. Assim dizia Nélson Rodrigues. Estimadas leitoras, não fiquem irritadas ou o genial cronista brasileiro diria: Estão a ver? Eu não digo? Neuróticas. Calma, estou a brincar.
Agora, a sério. Nesta história da violência doméstica, não consigo compreender a passividade de algumas mulheres e incomoda-me, por vezes, um certo paternalismo. Coitadas, são mulheres sem autonomia; mulheres sem instrução; mulheres com baixa auto-estima, etc. As mulheres são reduzidas a vítimas, destituídas de personalidade e/ou autonomia e/ou racionalidade. Desgraçadamente, não faltam histórias de mulheres económica e socialmente independentes que se sujeitam a anos de humilhação, sem que nada as obrigasse a tal. A Sara Pitola diz que é um acumular de pequenas palhas que, com o tempo, se transformam num fardo insuportável. Um insulto aqui, um empurrão ali, um estalo acolá, enfim, uma sucessão de pequenas coisas, de pequenos abusos. Vai-se aguentando pelos filhos, pelo “projecto em comum”, pelas boas memórias. Então, e onde é que fica a dignidade pessoal? Como é que alguém apanha um estalo hoje, um empurrão amanhã e tolera tudo isso durante dias, semanas, meses, anos?
Não há muito tempo li uma reportagem na qual jovens universitárias portuguesas se queixavam da violência dos namorados. E, claro, lá apareceram as piedades do costume para com as pobres raparigas que apanhavam. Como é possível isto acontecer em pleno século XXI? O que leva essas jovens "vítimas" a continuarem a namorar com anormais? Confesso que está para além da minha capacidade de compreensão. E, por favor, não metam o amor nestas histórias. Aqui não há amor, há outra coisa qualquer.   

Definições

As definições são muito curiosas. E há definições para provar qualquer coisa, basta ir à procura ou inventar. Fui à base de dados da OCDE e tirei três variáveis:
  • Government revenue: receitas dos estado em percentagem do PIB
  • General government spending: despesa gerais do estado em percentagem do PIB
  • Government gross debt: dívida bruta do estado

Depois interessei-me pelo stock de dívida porque não batia certo com as contas que o Ministério das Finanças apresentou no OE2016. Fui ao Eurostat, que é um horror de navegar, e recolhi a dívida bruta do estado: General government consolidated gross debt. E ainda -- não, não vai sair a Bota Botilde, vai sair a definição de dívida do Banco Mundial: Central government debt, total, mas a base de dados não incluía 1996, nem 2014.

Com isto tudo fiz um boneco. Como podem ver, a despesa anual não parece ser nada do outro mundo comparada com a receita, mas a dívida tem uma ascensão astronómica, o que indica que ou os juros penalizam muito, ou a dívida é contraída à margem do que o estado diz ter gasto. Parece-me que o que se passa é que os governos se comprometem a gastar empurrando despesa para o futuro e ocultando-a das contas presentes, ou seja, vale de muito pouco olhar para o défice para tentar inferir o impacto na dívida.

E depois há a definição de dívida que a OCDE usa e a definição de dívida que a UE usa e a definição de dívida que o Banco Mundial usa. Note-se que a definição da UE parecia ser a que dava um aspecto melhor da coisa, como se as raposas estivessem a guardar o galinheiro.

Olhando para isto, e tendo em conta que a dívida é pelo menos 30% superior ao PIB e a taxa de juro média da dívida excede a taxa de crescimento do PIB, sinceramente não percebo como é que ambos governos PSD/CDS/PP e PS/Geringonça contam em reduzir o stock de dívida, medido em termos de percentagem do PIB, tão cedo. Não percebo a matemática disto.

P.S. Julgo que o problema é eu não ter as definições certas, pois se as variáveis fossem definidas de outra maneira, o problema desapareceria. É como os porcos: com um bocadinho de batôn, não só não são porcos, como têm uma beleza tão resplandecente, que fazem da Sara Sampaio uma gaja completamente banal...

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Sábado, à mesma hora

Na véspera de S. Valentim, fui ao Starbucks tomar um pequeno almoço tardio. Quando passei pelo pátio, fui cumprimentada por um Boston Terrier que se pôs em pé contra mim à espera que eu lhe fizesse uma festa. Acho muito gira a forma como que os animais conseguem ver quem gosta deles e quem lhes quer fazer mal. É como se possuíssem um radar que alguns de nós já perdemos. Entrei no café e dirigi-me ao quarto de banho para lavar as mãos. Um senhor com cabelo curto e casaco colorido de camuflagem estava a tentar entrar no quarto de banho dos homens, mas estava ocupado. Eu quase que lhe disse para ir ao das mulheres, pois ele parecia aflito, mas resisti.

Ladies' nights - pronto, é só para chamar a atenção do post

Depois de perder, contra a TAP, uma luta intensa e pública pela permanência de uma série de rotas aéreas a partir do Porto, Rui Moreira almoçou com um representante da Ryanair. A seguir ao almoço anunciou uma aparente vitória: a Ryanair ter-se-á prontificado a manter as rotas que a TAP descontinuou. Seria útil que os termos destes acordos entre municípios e empresas privadas fossem devidamente conhecidos e escrutinados. São vários os países e as cidades europeias que subsidiam as chamadas low-cost, a troco de estas voaram de e a partir dos seus aeroportos. Por vezes os subsídios não se chamam subsídios, e é também na linguagem que reside parte da opacidade destes acordos. Mas são, em tudo, subsídios, que podem colocar estas empresas em vantagem comparativa com outras empresas. 

Há quem frequentemente se pergunte: como é que a Ryanair pratica aqueles preços? - aquilo mal deve dar para pagar a gasolina! A resposta é a mesma que damos à pergunta: porque é que as discotecas têm ladies' nights, em que as raparigas não pagam para entrar? A resposta é que os rapazes estão dispostos a pagar mais para entrar em discotecas que atraem muitas raparigas, tão mais que compensa o facto de não se cobrar nada às raparigas. Da mesma maneira, as low-cost atraem o máximo número de passageiros possível. Depois, negoceiam com os países para ver quem está disposto a pagar mais para receber estes passageiros nos seus aeroportos. Quanto maior o número de passageiros, mais os estados pagarão. 

Isto não tem nada de intrinsecamente mau - há toda uma discussão legítima sobre a entrega de subsídios com dinheiros públicos para a promoção de certas indústrias, como o turismo. E eu sou a favor disso, se for feito com clareza e escrutínio público. A nível da concorrência, é preciso ter algum cuidado com a natureza deste tipo de mercados (chamados mercados two-sided), mas esta é outra conversa. O meu ponto deste post, no entanto, é o de que, se ignorarmos por um momento que seja que companhias áreas privadas são também pagas com o dinheiro dos contribuintes, discussões como, por exemplo, a da privatização da TAP, estarão naturalmente inquinadas. A questão não poderá ser a de a TAP ser muito cara para os contribuintes, mas sim se a diferença de custos para os contribuintes entre subsidiar a TAP ou subsidiar as low-cost justifica a diferente eficácia com que estas empresas alcançam os objetivos traçados pelos estados. Eu tenho a minha opinião. 

Reportagem 39



Reportagem

A história cultural dos elevadores ainda está por contar, afirmou ao repórter o dr. m. de c. e s., atestando não apenas a sua devoção a uma área que continua a ter muito por explorar, mas também o facto de haver entre drs de vários tipos uma admirável profusão combinatória de e's, de's e 's.