segunda-feira, 31 de julho de 2017

Roupa suja

O Anthony Scaramucci, o novo Communications Director da Casa Branca, demitiu-se hoje, depois de ter sido nomeado para o posto nem há uma semana. Não sei se leram a entrevista com linguagem gráfica que ele deu à The New Yorker, depois de telefonar ao jornalista a pedir para revelar as fontes de informação:
“Reince is a fucking paranoid schizophrenic, a paranoiac,” Scaramucci said. He channelled Priebus as he spoke: “ ‘Oh, Bill Shine is coming in. Let me leak the fucking thing and see if I can cock-block these people the way I cock-blocked Scaramucci for six months.’ ”

Fonte: The New Yorker

Whoa, Nelly, não é?

A Casa Branca tornou-se numa soap opera: enquanto que o Obama tinha a alcunha de No-Drama-Obama, porque controlava a informação a sete chaves e, se calhar, até controlou informação que mereceria ter sido alvo de escrutínio público, o Trump tem uma Casa Branca em que toda a roupa suja é lavada em público e só falta matarem-se uns aos outros, como no tempo do Império Romano.

Quem achava que o Presidente dos EUA era uma figura decorativa e não tinha grande utilidade, tem agora uma bela oportunidade de testar essa teoria.

Presa numa rotunda

O discurso do Governo relativamente ao desempenho da economia portuguesa é de que a economia mudou fundamentalmente e está agora num caminho sustentável. O PIB cresce a torto e a direito, o desemprego desce -- está agora no nível mais baixo de há 11 anos; mas, há 11 anos, quem estava no poder era o PS, logo por que razão permitiu que o desemprego aumentasse? Mas, pronto, está tudo bem, rejubilemo-nos porque agora somos governados por gente muito mais competente do que a que nos governava há 11 anos.

No entanto, os bancos continuam com crédito mal-parado, as vendas de carros a crédito continuam a subir, e agora temos a expectativa dada pelos governantes e partidos que os apoiam de que toda a gente merece ter carro em Portugal. Ora, se os bancos estão com crédito automóvel mal-parado, é sinal de que se compraram carros a mais, ou seja, de que os bancos emprestaram dinheiro para comprar carro a quem não deviam. Qual a solução?

Parece que temos duas soluções: a primeira é vender crédito mal-parado a hedge funds estrangeiros -- se estão à espera de os investidores estrangeiros perderem dinheiro com Portugal indefinidamente, que é a condição necessária para esta estratégia funcionar a longo prazo, desenganem-se; a segunda é aumentar os subsídios de quem tem menos recursos para que possam pagar os carros a que têm direito e, dessa forma, também se mantêm os bancos viáveis -- esta estratégia requer que o estado tenha acesso a financiamento.

Mas qual a diferença entre subsidiar pessoas para ter carro e subsidiar bancos que emprestam dinheiro a pessoas que não têm condições para pagar o empréstimo do carro, que é o que se faz quando os bancos vão ao ar? É a mesma coisa, pois acaba-se por viabilizar o mesmo comportamento insustentável para a economia.

Se isto é a forma como a economia portuguesa dá a volta, presume-se que a economia está presa numa rotunda...


Aumentar as escolhas

Uma das primeiras coisas que se aprende em economia é a noção de custos de oportunidade, que deriva de os recursos serem escassos, i.e., quando gastamos um recurso para fazer uma coisa, ficamos sem ele para fazer outras. Tinha eu ideia de que Portugal era um país em que o estado aplicava parte dos recursos que recolhe da sociedade por via de impostos na criação de um sistema de transportes públicos de boa qualidade para assim garantir que as pessoas de rendimentos mais baixos (ou que não tem idade para conduzir, ou não podem conduzir, ou não querem conduzir) têm mobilidade para fazer a sua vida, sem estarem expostas aos custos de ter um carro, pois para além de terem de pagar gasolina, seguro, também têm de contar com os custos de manutenção, que podem ser dispendiosos.

Podíamos ver isto por outro prisma: ao achar que transportes públicos são mais valiosos para a sociedade do que toda a gente ter carro próprio, o estado recolhe impostos para pagar a existência dos transportes públicos e dar subsídios de aquisição de bilhetes a custos razoáveis; se o estado achasse que era preferível as pessoas terem carro próprio, então alocaria menos recursos aos transportes públicos, cobrando menos impostos, e deixando mais rendimento disponível para as pessoas adquirirem veículo próprio. Também podia subsidiar as pessoas que têm rendimentos mais baixos, permitindo-lhes adquirir veículos próprios; nesse caso, a existência de transportes públicos tornar-se-ia quase redundante.

Só que em Portugal, o Bloco de Esquerda, um dos partidos que forma a Geringonça que governa o país, acha que quem recebe RSI também deve poder ter um carro e ter gasolina para o carro, ou seja, o papel do estado não é apenas o de promover a mobilidade das pessoas, mas o de permitir aos cidadãos ter escolha na forma como se movem. Aumentar escolhas é muito mais caro do que assegurar um nível mínimo de mobilidade dos cidadãos. Como é que planeiam pagar isto: vão reduzir os apoios aos transportes públicos, vão aumentar os impostos, ou vão endividar mais o país e passar os custos às gerações futuras?

E já agora, como é que vão fazer para aumentar a escolha das pessoas que não conduzem: vão dar subsídios para a compra de carro e para o pagamento do salário de um motorista próprio? Podia ser uma forma de reduzir o desemprego e criar um mercado de trabalho mais variado -- lá está, aumentar as escolhas...

sábado, 29 de julho de 2017

Standoffish


"You come across as standoffish", dizia-me a a J.P. depois de eu contar que há umas semanas, quando estava com alguma pressa, os vizinhos apanharam-me na rua, começaram a falar comigo e nunca mais se calavam. Como nunca tinham conversado tanto comigo, desde que eu me mudei para a vizinhança, há três anos e meio, estranhei o incidente. Depois da explicação da J.P., como é de praxe quando nos rotulam de antipáticos, tentei explicar o meu comportamento. 

sexta-feira, 28 de julho de 2017

E agora...


Reince Priebus e Anthony Scaramucci na Sala Oval, The Wall Street Journal

Se Marx ressuscitasse

Marx percebeu de forma original a importância das questões tecnológicas e económicas na sociedade capitalista de meados do século XIX. Hoje, as suas teorias e conceitos estão desactualizados e, por isso, não nos ajudam muito a perceber o mundo em que vivemos. Isto não impede que meninos e meninas do Bloco de Esquerda estudem todos os dias as obras do filósofo alemão em acampamentos (palavra de honra). Se ressuscitasse, o próprio Marx diria, provavelmente, aos jovens bloquistas para se preocuparem menos com o seu "Das Kapital" e se dedicarem mais ao estudo da internet e do genoma humano. Infelizmente, os discípulos marxistas nunca foram tão perspicazes como o seu mestre.

Decidir em democracia

As empresas de automóveis, sensatamente, usam uma rede para organizar os seus milhares de fornecedores. Mas não usam uma rede para conceber os seus carros. As redes não têm uma estrutura de liderança centralizada, o que torna muito mais difícil alcançar o consenso e definir objectivos. As redes não conseguem pensar estrategicamente e são propensas ao erro. Como é que se tomam decisões difíceis acerca de tácticas ou estratégias quando todos têm igual peso nas decisões? Este é um exemplo dado por Malcolm Gladwell para mostrar que as grandes organizações, mesmo as mais democráticas, não conseguem funcionar através de sistemas em que todos votam, em todos os assuntos.

quarta-feira, 26 de julho de 2017

Um cepticismo lógico

Os leigos devem ouvir com um misto de humildade e cepticismo as opiniões dos especialistas. No que ao cepticismo diz respeito, não conheço nenhum conselho melhor do que o de Bertrand Russell, publicado num ensaio em 1928. Recorrendo à lógica, escreveu o filósofo inglês: “(1) quando os especialistas estão de acordo, a opinião contrária à deles não pode ser considerada segura; (2) quando os especialistas não estão de acordo, nenhuma opinião pode ser vista como segura por um não especialista; (3) quando todos os especialistas dizem que não há evidência suficiente para sustentar uma opinião, um leigo faz bem ao suspender o seu julgamento sobre o assunto.” 

Sou tão bom como tu

“Sou tão bom como tu” é uma das ideias mais perigosas para a democracia, como há 90 anos Ortega y Gasset percebeu de forma perspicaz no seu mais célebre livro: “A rebelião das massas”. Sem as “minorias excelentes”, como lhes chamava o filósofo espanhol, a nossa civilização desabaria em três tempos. Tudo o que temos hoje ao nosso dispor não foi colhido das árvores, desde a democracia aos mil e um confortos materiais. Tudo isto é fruto do trabalho, do sacrifício e do génio descomunais de alguns indivíduos. A passagem pelo ensino superior devia servir, entre outras coisas, para percebermos que há pessoas melhores do que nós em muitas coisas ou competências, como agora se diz. Infelizmente, a própria educação alimenta hoje essa ideia igualitarista e fatal: “Sou tão bom como tu”. Não, não sou. E, na verdade, não é assim tão difícil admitir o óbvio.

terça-feira, 25 de julho de 2017

Aguentem!

Ainda não sabemos quantas pessoas morreram em consequência dos incêndios do mês passado, mas já temos uma crise com as matrículas na escola para nos distrair, os incêndios continuam e o SIRESP falha "pontualmente" quando é preciso que não falhe. Supostamente, a virtude da Geringonça era que os partidos da Extrema Esquerda que apoiavam o PS iriam fiscalizar o PS. Dava muito jeito fiscalizar o PS porque estas pessoas que andam pelo governo PS não são muito diferentes das pessoas que andavam pelo governo PS de José Sócrates e, se fossem competentes, o país não teria ficado à beira da bancarrota -- a lógica é uma coisa lixada!

Já vi pessoas a achar que o Presidente da República devia demitir o governo. Demitir para quê? Se houver eleições, o PS volta para o governo. Percebem porque é que Cavaco Silva não demitiu o governo de José Sócrates? Porque não teria adiantado nada pois os portugueses o teriam enfiado outra vez no governo. Agora aguentem e tentem manter-se vivos, mas não contem com a assistência das autoridades.

segunda-feira, 24 de julho de 2017

Pornografia crepuscular

O Verão é sempre uma chatice porque há umas almas em Portugal que enchem a Internet de pornografia balnear: sim, fotos das praias, com o marzinho azul, tão azul que uma pessoa fica a olhar atentamente para as fotos a pensar se é mesmo assim ou se é produto de Photoshop. Devia ser crime Portugal ser dotado de um mar assim...

Pois bem, chegou a minha desforra! No Sábado, tive um jantar em que tirei umas fotos por altura do crepúsculo. Apesar de não ter visto vampiros cintilantes e sexy, garanto-vos que o céu de Houston estava deslumbrante e eu tenho imagens da pornografia crepuscular para o provar!

Uma semana em cheio

Parece que foi há muito tempo, mas foi apenas na última Quarta-feira que o The New York Times publicou uma entrevista com o Presidente Trump, na qual ele disse duas coisas que causaram furor: (1) se ele soubesse que Jeff Sessions se afastaria da investigação da interferência da Rússia nas eleições americanas, não o teria convidado para Attorney General; e (2) deu a entender que a hipótese de afastar Robert Mueller, o Special Counsel que está a investigar as ligações à Rússia, ainda está a ser considerada.

A cadeia de comando é a seguinte: Mueller trabalha independentemente, mas sob Rod Rosenstein, o Deputy Attorney General. Rosenstein trabalha sob Jeff Sessions, mas este afastou-se da investigação da Rússia, e Jeff Sessions trabalha sob o Presidente. Há falta de clareza acerca do poder do Presidente de afastar directamente Mueller, mas poderia ordenar a Rosenstein que o fizesse. Rosenstein já disse que não afastaria Mueller, logo o Presidente poderia afastar Rosenstein e o seu sucessor poderia afastar Mueller sob ordens do Presidente -- a questão, nesse caso, reduzir-se-ia a o Presidente encontrar alguém que se disponibilizasse a fazê-lo. A CNN tem uma peça que discute as opções legais disponíveis para o Presidente Trump interferir com a investigação de Mueller. No entanto, se Trump decidir afastar Mueller, a haver consequências, estas necessitariam de uma acção do Congresso e, neste momento, não se sabe se existe vontade política nesse sentido.

Depois da publicação da entrevista ao NYT, muitos analistas concluíram que as declarações do Presidente Trump se reduziam a um desejo de que Jeff Sessions apresentasse a sua demissão, mas Sessions disse que não o faria. Quase a seguir, surge uma notícia publicada no The Washington Post a indicar que havia comunicações interceptadas pelas agências de espionagem americanas que indicavam que Jeff Sessions teria discutido questões da campanha presidencial de Trump com o Embaixador da Rússia nos EUA, Sergey Kislyak. Se tal for verdade, entraria em conflito com o testemunho passado de Jeff Sessions ao Congresso, o que seria uma razão para a sua demissão.

Entretanto, Sean Spicer, o porta-voz da Casa Branca, demitiu-se na Sexta-feira, o que aumentou o alvoroço. A razão dada para justificar a sua demissão foi discordar de o Presidente Trump ter oferecido a Anthony Scaramucci a posição de Director of Communications, mas há quem suspeite que isso foi apenas uma oportunidade conveniente para Spicer sair, pois ambos --Trump e Spicer -- estavam "fartos um do outro".

Durante a semana também se discutiu o poder do Presidente em termos de conceder um perdão: será que poderia perdoar a si próprio e a outros intervenientes por acções discutíveis que envolvam a Rússia? A questão do Presidente poder perdoar-se a si próprio tem sido alvo de bastantes peças de opinião, pois o Presidente acha que é indiscutível que o Presidente tenha o poder absoluto para perdoar a quem quer que seja, enquanto que os analistas acham que não tem lógica o Presidente ser juiz de si próprio: até o Papa tem de pedir a outro padre para lhe absolver os pecados.

Outro desenvolvimento foi a equipa de Robert Mueller ter instruído a Casa Branca a reter toda e qualquer comunicação que tenha a ver com a Rússia. Robert Mueller também está a estudar as ligações dos negócios de Donald Trump com a Rússia durante os últimos 10 anos e na entrevista ao NYT, Trump disse que a gota de água seria se Mueller decidisse investigar as declarações de impostos do Presidente. Esta preocupação em não revelar os impostos é suspeita, levando a que Chris Cilizza na CNN ache que "todos os caminhos nos levam às declarações de impostos de Donald Trump."

Esta próxima semana irá continuar a ser interessante, pois Jared Kushner foi chamado a testemunhar no Congresso na Segunda- e na Terça-feiras e muitas das polémicas que têm ocorrido nas últimas duas semanas devem-se à equipa legal de Kushner tentar proteger o seu cliente: foi a actualização dos contactos de Kushner com pessoas de interesse que levou a que se descobrisse a reunião de Donald Trump, Jr., com a advogada russa. Entretanto, há dois dias, Kushner também actualizou as suas declarações financeiras e as de Ivanka Trump, sua esposa, revelando mais de 70 activos anteriormente não declarados "inadvertidamente", o que pode levar a mais polémicas à medida que os jornalistas investigam o conteúdo das declarações.



sexta-feira, 21 de julho de 2017

A invasão das couves

Hoje decidi deixar o carro em casa e ir a pé até ao café aqui do burgo almoçar. É uma pequena aventura porque algumas das ruas não têm passeio e é difícil navegar quando parte do itinerário não está planeado para peões, a modos que passo grande parte do caminho a pensar que há uma grande probabilidade de ser atropelada. Na restante parte penso que, como já não estou acostumada a passear na rua ao pé de carros, se calhar, é essa a causa da minha pequena fobia. Vivo tão perto de restaurantes, lojas, e paragens de autocarro, que, decidi há uns meses, devia aproveitar e viver mais à "europeia".

Magia



Continuo a ler o livro "Dinner with Persephone -- Travels in Greece" de Patricia Storace. Como o tópico em voga em Portugal é o racismo, recordei-me de uma passagem que li no outro dia, que abordava o tema do preconceito racial, e na qual a autora fala de como a discriminação não é uma coisa estática: nada garante que quem discrimina hoje não seja discriminado amanhã.

quinta-feira, 20 de julho de 2017

É a mile, é a mile

Sobre as declarações de André Ventura haveria várias coisas a dizer. No entanto, vou notar apenas dois aspectos, que até estão relacionados. 
Por aqui e por acolá, tenho ouvido (lido, sobretudo) gente a desculpar o candidato à Câmara de Loures com recurso ao argumento de que ele só verbalizou um pensamento que é partilhado por muita gente. Ora, eu gostaria de ver Portugal governado por pessoas que vão um bocadinho além do senso comum. É aquela coisa do déspota esclarecido, mas sem a parte do despotismo, só a do esclarecimento.  
A segunda observação que me ocorre fazer é a de que, se eu só for capaz de identificar os ciganos quando eles estão vestidos de preto num bairro social, é possível que acredite que todos eles vivem dependentes da ajuda do Estado. É o preconceito a gerar mais preconceito. Aquela ali em baixo é a Leonor Teles. Faz filmes e ganhou um Urso de Ouro em Berlim. Não anda nas feiras. Quantos reconheceriam que é cigana, com aquele cabelo tão curto?





Mood: very mellow



P.S. Parece que este disco saiu há menos de um mês... Obrigada, Shazam!

quarta-feira, 19 de julho de 2017

Incongruências

"You don't have a shit planet because you have clear thinking people — it doesn't happen. And you don't have shit people and a healthy planet. It will not happen. We're reflections of each other. That's all that is."

Tori Amos, 1992

Inovação sexual

Muitas vezes, penso em antigamente, em como eram as coisas. Só que as coisas nunca foram só de uma maneira antigamente, houve uma evolução ao longo da história. Surpreende-me bastante que as pessoas estejam tão agarradas ao que as coisas são hoje e pensem que chegámos à cúspide da evolução: vai ficar assim até ao resto do tempo porque não pode ser melhor do que isto. Depois sai um telemóvel novo e a malta larga o velho.

Nas relações humanas também é assim. Imaginem quando as pessoas começaram a escrever cartas pessoais umas às outras. Não acham que muita gente deve ter achado uma grande anormalidade? Devia ser mais confortante enviar uma mensagem por alguém -- um intermediário de confiança --, pois uma carta dava a possibilidade de muitas pessoas lerem o que alguém tinha escrito, enquanto que um intermediário de confiança saberia ficar calado.

Já pensaram em inovação sexual? Houve uma altura em que sexo normal e desejável era um em que a mulher tinha uma camisa com um buraco e o homem penetrava-a pelo buraco da camisa quando lhe apetecia ter sexo. Hoje em dia, ter sexo assim, é capaz de ser visto como violação. Sexo como se tem hoje era uma coisa depravada, reservada para quem era imoral, logo associado a amantes e prostitutas.

O sexo homossexual também evoluiu, por exemplo. Na Grécia Antiga, era normal haver relações homossexuais, especialmente nas camadas mais altas da sociedade, desde que se observasse certos costumes relativos à idade dos intervenientes e ao seu papel na relação. Note-se no entanto, que os costumes de homens maduros se associarem a parceiros muito jovens tanto dava para relações homossexuais como heterossexuais, pois quem era penetrado tomava um lugar passivo e inferior na relação, logo não era uma coisa que ficasse bem num homem maduro. Pelos cânones actuais, o que se fazia na Grécia Antiga era uma coisa parecida com pedofilia.

Por falar em pedofilia, vi o filme francês Ma Loute (2016) este fim-de-semana que passou e é interessante como o tema é lá abordado. Mais não digo porque estrago-vos a surpresa, se decidirem ver o filme. (Ah, se ficam enojados facilmente, preparem-se para umas cenas macabras, mas que não têm a ver com sexo.)

Pois, sexo... Se calhar, o Woddy Allen, no filme Sleeper (1973), tinha razão acerca do futuro que nos espera. Realizou-se um inquérito recentemente e parece que os americanos não têm tanto sexo como tinham antes. Ninguém sabe muito bem a razão, mas achei piada a uma parte do artigo da CNN em que se dá a entender que o que é definido como sexo está a mudar, ou seja, a Internet está a contribuir para uma onda de "inovação sexual" e parece que definir sexo não implica necessariamente incluir penetração.
Herbenick, also an associate professor at Indiana University School of Public Health, added that "we may be having less sex, but I would argue it's better sex. We actually don't know if singles are having 'less sex' since the (survey) never defined sex and doesn't ask about the many kinds of sex play that people engage in (including masturbation, oral sex and sex toy play), especially during hookups. It is possible that singles are having less frequent intercourse but about the same (or more or less) of other kinds of sex, such as oral sex or hand stimulation or sex toy play."

~ CNN, 19/7/2017



Gypsy

To the gypsy
That remains
She faces freedom
With a little fear

~ Stevie Nicks



terça-feira, 18 de julho de 2017

Reportagem 25

Foi finalmente anunciada a publicação numa data ainda a determinar dos resultados definitivos da aturada investigação em torno da pergunta o que é o homem, investigação que durou já muitos séculos,

segunda-feira, 17 de julho de 2017

A gentileza

[Começo por dizer que vou meter a foice em seara alheia e, como tal, peço já desculpa por algum eventual erro ou falta de rigor. No essencial, julgo que os meus argumentos não sairão afectados por tal.]

Este fim-de-semana, o Expresso publicou a entrevista que fez a António Gentil Martins. Havia incêndios em Alijó e Mangualde, mas foram as declarações do médico a pôr o país on fire. Aqui eu devo já esclarecer que não me passaria pela cabeça silenciar o homem. Reconheço-lhe todo o direito a ter a sua opinião e reconheço-me o direito a achar essa opinião abjecta. Como agora sempre acontece, o debate fez-se em trincheiras e cheio de rotulagens imediatas.

Gostando eu de ser um bocadinho do contra, vou pegar numa citação que não tenho vista referida. À pergunta «É católico praticante?», responde Gentil Martins «Sou. Vou à missa todos os domingos e dias santos». E aí temos um entendimento do que é ser-se católico: é ir à Missa. Pronto, assim faz mais sentido. Eu fico sempre muito surpreendida quando vejo pessoas que se autoproclamam cristãs ser sectárias. Das minhas longíquas sessões de catequese, guardo João 8:1-11. É possível que eu tenha dado ao episódio do não apedrejamento da mulher adúltera uma interpretação demasiado livre, mas encontro ali uma enorme mensagem de tolerância. Claro que, quando ser católico é cumprir o calendário ritualístico, a coisa muda de figura. Aí abre-se espaço para o julgarás.

E que julga António Gentil Martins? Segundo ele, a homossexualidade é uma anomalia. Uma pessoa vai ao dicionário e vê que anomalia significa «o que se desvia da norma, da generalidade»; é sinónimo de «irregularidade». Posto em termos estatísticos, nada a opor. Ser homossexual é uma anomalia. Ter gémeos é uma anomalia. Ser caucasiano é uma anomalia. Ter um QI de 120 na escala de Wechsler é uma anomalia. Já afirmar que anomalia foi utilizada na referida acepção é coisa de quem tem QI inferior a 90 ou não está de boa-fé. Porque as palavras foram estas: «Não vou tratar mal uma pessoa porque é homossexual, mas não aceito promovê-la. Se me perguntam se é correcto? Acho que não. É uma anomalia, é um desvio de personalidade.» Médias e probabilidades?! Nãaaaa. Moral. O que Gentil Martins quis dizer - parece-me claro - é que é uma «deformidade, monstruosidade», sentido que também surge no dicionário. Aliás, ele não quis dizer, ele disse-o; afirmou que não está correcto e que é um desvio de personalidade.

Ora, a 17 de Maio de 1990, a Organização Mundial de Saúde retirou a homossexualidade da lista de doenças. Até então, tinha sido considerada um distúrbio mental, o tal desvio de personalidade. Que um médico, entrevistado na qualidade de médico, perpetue uma noção de 1952 que não encontrou evidência empírica a seu favor parece-me ser caso a levar à Ordem dos Médicos. Seria o mesmo se tivesse defendido a lobotomia. E nada disto tem que ver com coarctar a sua liberdade de expressão. Só, eventualmente, a sua liberdade de ser médico: compete à Ordem avaliar.

Logicamente, o homem, o católico, tem direito às suas concepções morais. Mas olhemos para a sequência da entrevista. Observam-lhe que casou tarde para a época. E ele explica que «Queria escolher bem. Tem de existir uma similitude de ideias e aquela atração que não sabemos porque aparece. Sentir amor por outra pessoa.» Até aqui, totalmente de acordo. Só não percebo o acrescento «Sou totalmente contra os homossexuais, lamento imenso.» E, por isso, a pergunta impôs-se: «Duas pessoas do mesmo sexo não podem amar-se?» Porque, de facto, aquela sequência sugere que a homossexualidade não é uma questão de amor, de afecto, com tudo o que o amor envolve. E a resposta, que inclui a parte da anomalia, começa com «Ouçam, é uma coisa simples: o mundo tinha acabado. Para que o mundo exista tem de haver homens e mulheres.» Não é exactamente o mundo, é mais a espécie humana, mas, certo, não percamos o raciocínio com questões que podem ser matéria de estilo. E vamos lá aos argumentos...

Em primeiro lugar, se a homossexualidade é a tal anomalia estatística, a sua ocorrência em nada ameaça a sobrevivência do Homem. Se a preocupação é essa, talvez possam libertar o pessoal eclesiástico do dever de castidade, porque aquilo de ter de haver homens e mulheres só funciona se eles puderem copular. O que me leva ao segundo ponto: o imperativo biológico não precisa do amor romântico para nada (eu acho muito estranho ser necessário notar isto a um médico, mas teve de ser). Se nós achamos (e eu acho) que o Homem é mais que pura biologia e que o sexo vai além da reprodução, o argumento contranatura deixa de colher. Um bocadinho de coerência exige-se, por respeito ao ser biologicamente determinado a pensar que somos. Repudiamos um casamento heterossexual em que só um dos elementos é infértil e o sabe? Não, pois não? Então como pode ser isso argumento contra a homossexualidade? Eu percebo que a religião, dado o seu papel normalizador e perpetuador da sociedade, o tivesse considerado um pecado quando a concepção não tinha alternativa médica. Agora que ela existe, a homossexualidade que não se tenta conformar a um padrão heterossexual não é nenhum óbice ao aumento da natalidade. Curiosamente, os que se mostram tão preocupados com a extinção do mundo decorrente de relações afectivas que não podem biologicamente gerar filhos são os mesmos que querem impedir estas pessoas de ser pais e mães com recurso a técnicas de reprodução assistida. Algo aqui me parece inconsistente. Mas pode ser uma anomalia cognitiva minha...

Adenda: Depois da polémica, Gentil Martins enviou uma carta ao Expresso. É caso para dizer que é pior o esclarecimento que a entrevista.
Que ele nunca desejou a celeuma, nós podemos adivinhar. Provavelmente, teria preferido uma ovação, elogios públicos e a subscrição total das suas opiniões. Se não previu a reacção, enfim... Ajuda naquela parte de quem o defende usando a idade como desculpa. E, sim, nós percebemos (estou a ser optimista, quiçá) que não eram os méritos desportivos de Cristiano Ronaldo a estar em causa.
Sobre nunca ter querido ofender a mãe de Ronaldo. Ora bem... Alguém escreve «O Ronaldo é um excelente atleta, tem imenso mérito, mas é um estupor moral, não pode ser exemplo para ninguém. Toda a criança tem direito a ter mãe. Mais: penso que uma das grandes culpadas disto é a mãe dele. Aquela senhora não lhe deu educação nenhuma.» e não quis ser ofensivo??? A sério???!!! Se eu disser a Gentil Martins que um dos filhos dele é um estupor moral e que a culpa é dele, que foi, como confessa na entrevista, um pai «mais do que ausente», ele não vai ficar ofendido? Tenha dó! Até as pessoas que têm um QI não anómalo são capazes de ver isto.
E, caro Gentil Martins, os homossexuais não sofrem com a homossexualidade per se, sofrem com a discriminação de que são alvo, plasmada em entrevistas como a sua.

O futuro do trabalho e desigualdade

No Público de hoje, com Miguel Portela.

domingo, 16 de julho de 2017

Experiências e tangibilidade

"Things aren’t all so tangible and sayable as people would usually have us believe; most experiences are unsayable, they happen in a space that no word has ever entered, and more unsayable than all other things are works of art, those mysterious existences, whose life endures beside our own small, transitory life."

~ Rainer Maria Rilke, "Letters to a Young Poet"

Tarde divertida

Até dizem que estragos esperar.





quinta-feira, 13 de julho de 2017

Estado tem/sem graça

Não estou a perceber muito bem a reestruturação do Governo, que está em decurso hoje. Obviamente, Ministros não serão demitidos, mas os novos Secretários de Estado que já vi (Internacionalização, Indústria, Assuntos Fiscais, Presidência do Conselho de Ministros, Habitação) não têm nada a ver com Tancos, nem com Pedrogão Grande. Se percebi bem a retórica ante-crise, estas áreas até são áreas em que se dizia que o Governo estava a ter muito sucesso, logo vão se ver livre do pessoal de sucesso -- têm lógica, em Portugal.

Ocorre-me que talvez o pessoal que está a ser demitido seja mesmo competente e já tenha bons empregos garantidos fora do governo, enquanto que o pessoal que seria demitido por causa das crises não poderia arranjar emprego em lado nenhum a ganhar um ordenado "decente" porque os portugueses levariam a mal -- só temporariamente porque é Portugal.

Depois também não compreendo como é que o PM vai de férias a meio da crise, logo não trabalha na reestruturação do governo, mas ao fim de menos de uma semana após o seu regresso já tem a reestruturação feita ao mesmo tempo que gere as crises. É para parecer competente? O povo diz que "depressa e bem, há pouco quem..."

P.S. Quero ver o rácio homens/mulheres dos novos nomeados.

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Que giro!

Encontrei por acaso uma marca de roupa americana que desconhecia por completo: a J.McLaughlin. Quando visitei a página de Internet, achei curioso que uma das formas como se distinguem da concorrência é através da qualidade dos tecidos, tendo eles um conjunto de tecidos exclusivos. Numa das páginas, têm um guia de tecidos em que explicam os vários tecidos que usam e pode-se seleccionar para ver a roupa por tipo de tecido. Um dos tecidos chama-se Madeira cloth e é fabricado de fio português. Explicam eles:

Lógica moderna

Nos EUA:
Diz Donald Trump, Jr., uma "pessoa de alta qualidade", que não fez nada de mal pois, apesar de ir para uma reunião com intenção de receber ajuda do Governo russo para influenciar a eleição americana, não houve ajuda nenhuma, logo está tudo bem. Só falta dizer que poupou trabalho ao FBI, se os tivesse chamado.

Em Portugal:
Diz o Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas que parte do material que foi roubado em Tancos já estava fora do prazo de validade e não pode ser usado eficazmente, logo não é tão mau como parece. Só falta dizer que os ladrões pouparam dinheiro e trabalho ao estado para se livrar do material obsoleto.

terça-feira, 11 de julho de 2017

Vai pegar fogo...

Publicado há 5 minutos na página do NYT:
The Times now has the email to Donald Trump Jr. offering Russian aid to "incriminate Hillary." His reply: "If it's what you say I love it."

O Novo Testamento ao contrário...

Quando vim para os EUA estudar, fui viver para uma residência universitária para estudantes mais velhos: naquela altura, admitiam alunos que estivessem pelo menos no terceiro ano da faculdade. Isto tinha muitos benefícios do ponto de vista académico, pois as conversas eram muito mais interessantes, abrangendo tópicos como religião, literatura, poesia, filosofia, política, etc.

Nos nossos tempos livres, era costume irmos em grupo, tipo matilha -- éramos todos Stouties porque vivíamos em Stout Hall --, para cafés e livrarias. Em Stillwater, OK, a única livraria a sério era a Caravan, que ficava na baixa da cidade -- uma downtown minúscula. Depois havia o Hastings, mas isso era uma cadeia de lojas que vendia livros, CDs, DVDs, brinquedos parvos, era clube de vídeo, comprava CDs e livros usados, etc., ou seja, era o capitalismo, o amor ao dinheiro; a Caravan era o amor aos livros e ao conhecimento. Julgo que, enquanto vim a Portugal terminar a licenciatura e candidatar-me ao mestrado, a Caravan fechou, para desespero de muita gente.

segunda-feira, 10 de julho de 2017

Expliquem melhor

Eu gostaria que alguém me explicasse, de forma muito simples, como é que o Primeiro Ministro vai de férias por uma semana, assim que regressa os Secretários de Estado envolvidos no GalpGate pedem para ser constituídos arguidos, depois de quase um ano de investigação do Ministério Público em que não o foram, demitindo-se mesmo a tempo de o Primeiro Ministro aceitar a demissão destes no Domingo, o dia a seguir a António Costa regressar, justificando a sua demissão dizendo que não queriam prejudicar o Governo. Só faltou António Costa chegar montado num cavalo...

Mas a Justiça em Portugal é independente do Executivo ou é apenas uma ferramenta na manipulação da opinião pública?

sábado, 8 de julho de 2017

Trust fund linguístico



Patricia Storace, "Dinner with Persephone -- Travels in Greece"

sexta-feira, 7 de julho de 2017

As máquinas malandrecas...

No final da semana passada, recebi uma carta a dizer que a segunda prestação do pagamento do meu seguro de carro estava em atraso. Achei esquisito porque não me recordo de receber nenhuma correspondência indicando que tinha de ser paga, apesar de me lembrar que estava na altura; mas, mesmo não recebendo, tinha dado autorização à companhia de seguros para processar o pagamento automaticamente por via de cartão de crédito duas vezes por ano, logo não costumo precisar de fazer nada.

Telefonei à agente local da companhia de seguros, a Gayle, que me disse que a companhia tinha tentado processar o pagamento em Junho, mas não tinha obtido autorização do banco e tinha-me informado do ocorrido via e-mail. Fui ao meu e-mail e não encontrei nenhum aviso. Fiquei de telefonar ao banco para ver se o problema era com o cartão de crédito.

A rapariga do banco, submeteu-me a um rol de perguntas para se certificar que realmente era eu a telefonar: qual o nome do teu patrão que temos no ficheiro, qual o número da tua carta de condução, etc. Eu não sabia. Disse à moça que já mudei de emprego várias vezes e tive cartas de condução de vários estados, todas com números diferentes, logo não me lembrava a que período se referiam as respostas.

Durante o interrogatório, que achei um bocado ridículo, deu-me vontade de dizer à moça que eu estava ali a dar-lhe as respostas que ela podia usar para se fazer passar por mim, mas calei-me para ver se me livrava mais depressa. Por fim, lá se satisfez que eu era quem dizia que era e disse-me que nenhuma transacção tinha ocorrido em Junho que tivesse sido recusada, o meu cartão estava completamente operacional e o balanço estava a zero, havendo limite de crédito suficiente para o pagamento do seguro.

Mais um telefonema, agora para a companhia de seguros, cujo computador me informou que a conta estava sob aviso, o pagamento estava em atraso, o valor que eu devia já incluía uma taxa por eu estar atrasada, blá, blá, blá... Não deu para falar com uma pessoa a sério do serviço central, pois a única opção para falar com alguém era a agente local com quem tinha falado. Peço para me transferirem para ela e algum tempo depois aparece a Gayle ao telefone, que ainda se lembrava da conversa que tinha tido comigo há dias. Digo à Gayle o que o banco me disse: ninguém tinha recusado o pagamento no banco porque ninguém tinha pedido um pagamento ao banco.

A Gayle oferece-se para falar com a companhia de seguros para ver o que eles dizem e depois volta a telefonar-me. Nos serviços centrais não encontram o problema porque é tudo feito electronicamente, mas tenho até o dia 21 de Julho para pagar porque a companhia não pode pedir o pagamento ao banco -- é tudo electrónico e não dá para fazer um pedido individual e, a propósito, já retiraram a taxa de atraso, sem que fosse preciso eu pedir. Depois a Gayle diz para eu telefonar para os serviços centrais e fazer o pagamento por telefone.

Telefonei, paguei, e a operadora electrónica deu-me o número de referência do pagamento. Se a máquina se enganar outra vez, dou-lhe com o número em cima...

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Prioridades do PS

"A única aldrabice será daqueles que falam desses assuntos sem os estudar convenientemente. Mas nós, nesta fase, não atribuímos grande importância àquilo que a liderança do PSD diz, porque também não sabemos por quanto tempo essa liderança sobrevive"

~ Carlos César

Arquivem isto em "Novas formas de enrolar os cidadãos". Eu sugeria aos membros do PS que se preocupem em governar o país e responder às questões que lhes são colocadas pela oposição -- é essa a função de uma oposição --, em vez de andarem preocupados com a forma como o PSD se governa.

Frases famosas 28

Wilde, Oscar de seu nome próprio, escreveu.

quarta-feira, 5 de julho de 2017

Rotherhithe

No sudeste londrino, há um pedaço de terra que, por causa do estranho serpentear do tamisa, e por falta de meio de passagem entre margens, está afortunadamente isolado da cidade. Até ao início dos anos 90, esta zona era quase exclusivamente ocupada por docas, que acolhiam os barcos que vinham da América, sobretudo do Canadá. As docas entretanto fecharam e deram lugar a bosques e lagos, invulgarmente descuidados para os padrões ingleses, em torno dos quais se construíram casas de dois andares com telhados angulados, que fazem mais lembrar a Suécia do que Inglaterra. De cabeça, acho que o bairro tem apenas duas mercearias, três restaurantes, um centro de saúde e dois pubs. Esta descrição não parecerá anormal a quem nunca viveu em Londres - mas é absurda para quem cá viva. Nos últimos anos, Londres tornou-se sobre-povoada, sobre-construída, sobre-poluída. Este pedaço manteve-se estranhamente desabitado, desconstruído, límpido. 

Um dos pubs do bairro é o mais bonito da cidade, e viu partir, há uns quatrocentos anos, rumo à Virgínia, o Mayflower - parece que todas as viagens a partir do bairro são feitas para longe. O outro pub fica na ponta da península que é desenhada pelo rio, e tem uma esplanada na qual é possível tomar, calmamente, refeições razoáveis com vista privilegiada para a zona financeira da cidade - ali tão perto e tão confortavelmente distante. Foi lá que jantei há umas duas ou três semanas, com amigos do tempo em que ali vivi. Um dos amigos é engenheiro civil, trabalha na maior empresa de construção do Reino Unido e trouxe dois colegas de trabalho com ele. Um destes colegas, acho que a chegar aos 60s, estava a contar-nos dos planos para explorar a Austrália. Ia lá passar nove meses, sozinho, e fazia particular questão de explorar o interior deserto. Perguntei se tinha tirado uma sabática. Não, tinha sido despedido - uns dias antes. Com ele, foram despedidos um terço dos trabalhadores da construtora. Também me contaram que decidiram parar por completo de investir nas zonas 1 e 2 de Londres, e que só iam acabar de fazer os prédios já planeados para os subúrbios da cidade. A seguir a disso, a ideia era guardar os tarecos. 

Diz-se que o melhor barómetro para a economia inglesa é dado pelo número de guindastes no centro da cidade. Para quem ache que dados científicos deste calibre não bastam: a economia britânica cresceu 0,2% no primeiro trimestre do ano, e esta taxa é a mais baixa de entre as economias avançadas. A inflação está quase nos 3%, por causa da queda no valor da libra. A produtividade caiu, a indústria também, há menos trabalhadores não qualificados a querer vir para cá, contrataram-se menos trabalhadores qualificados. Há 96% menos enfermeiros a candidatar-se para o sistema de saúde britânico. O preço dos transportes públicos sobe significativamente face ao aumento dos salários - sendo que, para referência, um passe apenas para o centro da cidade custa já cerca de 150 euros por mês. 

Eu disse, há mais de um ano, antes do referendo, que a saída do Reino Unido da União Europeia não tinha qualquer argumento económico, e que seria uma tragédia a este nível. Seria - se acontecesse. Estou ainda muito longe de estar convencido que vai acontecer. Acho que a realidade está a dar-me razão. Sem que daí retire gozo. Até porque já não vivo naquele bairro, tão estrategicamente isolado da cidade. 

Um país vergonhoso!

Quando envio encomendas pelo correio dos EUA para outro país, tenho de preencher um formulário de alfândega que é colado ao pacote: é o formulário CN 22, que contém o valor da encomenda e o seu conteúdo. Mas, para além disso, quando entregamos o pacote nos correios daqui, o empregado também digita toda a informação no computador -- ou nós metemos antecipadamente na página deles da Internet --, inclusive a minha morada e a do destinatário, e há um rastro digital do percurso da encomenda. Nesse formulário também se pode incluir a morada de e-mail ou o telefone do destinatário, mas eu costumo deixar essa informação em branco quando não a tenho e foi o que fiz na última encomenda que enviei para uma amiga em Portugal.

No entanto, os CTT ou a alfandega têm o e-mail do companheiro da minha amiga e fizeram cruzamento de dados da morada para onde enviei o pacote e enviaram um e-mail a ele, que não é o destinatário do pacote -- eles não são casados, mas vivem em união de facto. Parece que em Portugal, não há leis que regem a privacidade dos cidadãos, ou será que regressámos à época em que as mulheres não têm direitos?

Para além do e-mail enviado ao companheiro, a minha amiga também recebeu um postal em casa. Não acham isto muito "Big Brother" e uma demonstração de uma diligência extrema na coordenação dos serviços de uma empresa privada e de um serviço público em prol do assédio dos contribuintes e da violação dos seus direitos fundamentais? Imaginem o SIRESP a ser gerido assim, aposto que pouparia a vida de muitas pessoas e idas ao hospital. Mas agora vocês já sabem: a vossa vida e segurança não são tão importantes quanto os impostos que se podem sacar de uma encomenda postal.

Como imaginam, no pacote está colada a informação que os serviços aduaneiros querem e está marcado que é uma oferta, mas não há uma alma suficientemente inteligente na alfândega em Portugal para a ler ou sequer para saber que um pacote dos EUA nunca seria enviado sem a informação aduaneira. Exigir que alguém no estrangeiro tenha os números de contribuinte dos amigos em Portugal é o cúmulo da idiotice.

Se pensam que pára aqui a estupidez, enganem-se. Na página dos CTT, vocês são brindados com publicidade enganosa acerca dos envios de encomendas dos EUA para Portugal: é o serviço Express2Me, que vos aconselha a comprar nos EUA, pois o envio para Portugal é fácil e simples e os CTT preocupam-se com a satisfação dos clientes. No entanto, notem os detalhes: os CTT dizem que o cliente tem direito a 21 dias de armazenamento sem custo, ou seja, quanto mais tempo demorarem a processar as encomendas, mais dinheiro faz os CTT -- vejam as datas da minha encomenda na imagem abaixo para verem o que vos espera.


(Vou-vos dar um conselho: os EUA têm portes muito caros, não comprem cá pela Internet. Guardem o dinheiro e vão à Florida de vez em quando com uma mala vazia e comprem à vontade, desde que não acumulem mais do que 23 Kg.)

É vergonhoso...

Há alternativas aos relvados

Por que motivo milhões de pessoas por esse mundo fora gostam de pôr relvados à frente das suas casas? Porque acham bonito, dirão. Talvez. OK, mas por que motivo pensam as pessoas assim? Há uma história dos relvados e o desconhecimento dessa história talvez leve muitos a não considerarem outras possibilidades: porque não um jardim japonês ou algo de completamente novo? Na Idade Média, a nobreza de Vale do Loire em França começou a usar os relvados. Era uma forma de dizerem ao mundo: sou tão rico e poderoso que posso dedicar vários hectares a relva que não serve para absolutamente nada de útil. A partir de determinada altura, o poder de cada família nobre era visto pelas condições do seu relvado. As monarquias e a nobreza caíram, mas ficou este símbolo de poder e prestígio, e alastrou ao resto do mundo. Com os cortadores de relva do século XX, a classe média passou a ter também o seu pequeno relvado. Hoje, nos EUA, a seguir ao trigo e ao milho, a semente de relva é a mais plantada. Este é um exemplo dado por Yuval Noah Harari em "Homo Deus" para percebermos que só conhecendo o passado nos podemos libertar dele e imaginar um futuro diferente, ou melhor, vários presentes e futuros possíveis.


Excedentários

Em 2004, os Professores Frank Levy do MIT e Richard Murnane de Harvard publicaram um estudo minucioso sobre as profissões com mais probabilidades de serem robotizadas num futuro próximo. Dessa lista, excluíram os camionistas, que achavam estar a salvo do processo de robotização em curso. Na altura, não lhes passou pela cabeça que algoritmos informáticos pudessem conduzir camiões de forma segura. Não foi preciso muito tempo para perceberem que estavam enganados. Camionistas, seguranças, mediadores de seguros, guias turísticos, médicos, correctores, advogados, contabilistas, bancários, professores, etc. ninguém está seguro. Como diz Yuval Noah Harari em “Homo Deus”, muito provavelmente a grande questão económica do século XXI é: o que farão os excedentários, os desempregados, pior ainda, os “inempregáveis”? É melhor a sociedade começar a colocar já estas questões.

Uma média

Psicólogos como Daniel Kahneman mostraram que os indivíduos quando tentam avaliar experiências passadas (mesmo as mais recentes) fazem uma média entre a sensação final e a sensação mais intensa dessa experiência. Por exemplo, após um mandato de quatro anos, ninguém é capaz de fazer uma média de todas as sensações, emoções, opiniões pessoais, slogans vazios, propaganda, etc. que foi acumulando ao longo desse período. Chegada a hora de votar, o mais provável é os eleitores (sobretudo os flutuantes) fazerem uma média entre a impressão final e os acontecimentos mais intensos ou marcantes ocorridos no mandato. Há muito que os políticos sabem isso, nem que seja intuitivamente. Por isso, guardam para o fim as grandes inaugurações e as acções e medidas mais populares. Por isso, uma tragédia como Pedrogão Grande é um daqueles momentos intensos que vai pesar na hora de cada português fazer a média deste governo. Os estrategas do governo têm plena consciência deste facto e estão aflitos.

terça-feira, 4 de julho de 2017

Nova promoção turística

Aqui está o meu contributo para os novos slogans de promoção turística para Portugal e viva o Turismo!
  • Venha de férias a Portugal; o nosso Primeiro Ministro passa as dele em Espanha
  • Venha a Portugal, onde as depressões desaparecem às 18 horas
  • Nas férias em Portugal, evite seguir os conselhos da GNR: podem ser fatais
  • Portugal: o destino mais esturricado deste verão
  • Faça luto à portuguesa: enterre os mortos e vá de férias
  • Encontre a sua futura arma em Portugal
  • Não desperdice o seu tempo em Granada; em Portugal, pode comprar granadas
  • Portugal já não é para amantes; é para comprar armas o quanto antes
  • Sol, praia, e venda ilegal de armas


segunda-feira, 3 de julho de 2017

O Nada-Cola

O Primeiro Ministro António Costa está de férias em Espanha. Como já estavam marcadas, teve de ir.

As demissões

Na sequência dos incêndios de Pedrógão Grande ainda não houve demissões. Há quem ache que não vale a pena, pois as pessoas já morreram, logo não adianta demitir agora. Eu fico a modos que confusa com as coisas em Portugal.

É normal ouvir dizer que Portugal não é um país meritocrático, em que quem ascende a cargos de responsabilidade o faça por competência. Pelo que vejo e isto é mesmo uma impressão minha, muitas vezes, o aparato político convida pessoas competentes quando precisa de dar credibilidade ao sistema e, depois de as usar, demite-as ou elas demitem-se porque não querem estar associadas a um sistema tão corrompido.

A fonte da minha confusão é a seguinte: se não há demissões na sequência da tragédia, que devo eu inferir?

  • Que não há gente mais competente para estes cargos?
  • Que não vale a pena queimar as reputações de outras pessoas que substituiriam os demitidos porque é provável que aconteçam mais tragédias?
  • Que as tragédias fazem parte do processo de treino dos responsáveis pela segurança pública?
  • Que a segurança pública em Portugal é regida apenas pela sorte e aquelas pessoas que morreram e ficaram feridas tiveram azar?
  • Que, ao não demitir, o governo não assume responsabilidade pelo sucedido porque melhor não podia ser feito?
Já na sequência do roubo de armas, houve demissões e muito rapidamente. O que é que essas demissões significam?

domingo, 2 de julho de 2017

Conselhos para tudo

Já há vários dias que ando a pensar na questão do que fazer se formos apanhados num incêndio. Quando conduzo nos EUA, é normal encontrar sinais de estrada a indicar "Do not drive into smoke".


(Imagem retirada da Internet, foto de Andrew Maclean, em Oklahoma)

Fiz mesmo agora uma busca dessa expressão e nos resultados apareceu os conselhos do Oklahoma Department of Transportation ou OKDoT, como costumamos dizer. Na página deles há conselhos para quase tudo: fogos, tornados, gelo na estrada, etc. Oklahoma é o estado onde vivi mais tempo, não é um sítio muito avançado, rico, ou que tenha um governo que seja conhecido pela sua competência.

No entanto, em termos de segurança pública e de gestão de desastres naturais, é um sítio muito bom. Quando há tempestades que possam produzir tornados, há uma enorme coordenação de serviços, as TVs param a emissão normal e os meteorologistas acompanham a progressão da tempestade, minuto a minuto, e a zona que está a ser atingida. Recordo-me de ouvir Gary England uma vez na TV dizer a uma pequena cidade "Folks, you have 8 minutes to get to a safe place.", enquanto o tornado se dirigia para os seus lados. Nunca encontrei conselhos tão precisos em mais nenhum lado. (Há uma área em que ainda estão atrasados: a dos terramotos.)

A natureza dos fogos em Oklahoma é diferente da de Portugal porque o terreno é na sua maior parte planície com poucas árvores, a zona mais arborizada é o leste do estado, que faz fronteira com o Arkansas. Mesmo assim os incêndios podem ser perigosos, há áreas em que quando conduzimos não encontramos grande coisa, a não ser a linha do horizonte e nestas alturas temos de estar alerta, pois se algo acontece, temos de nos saber orientar até chegar ajuda. Deixo aqui os conselhos de como agir perante um incêndio nos E.U.A.: