segunda-feira, 31 de maio de 2021

Não fazia ideia

Há duas semanas, estava prestes a partir para o Alabama. Quando cheguei à pousada, fui muito bem recebida por um jovem que me parecia fora de sítio: extremamente simpático, mas quase que acanhado, e a quem não esperaríamos encontrar num contexto de atendimento ao público, como é a recepção de um hotel. Perguntei se me podiam ajudar a levar as malas para o quarto e respondeu-me que o valet o faria e podia deixar o carro estacionado à frente da pousada até 15 minutos. E quinze minutos é tempo suficiente para ir e regressar do quarto, indaguei. Ele sorriu e garantiu que era.

O valet era um tipo muito solícito a dar informações e conselhos, que parecia muito contente de ali estar, apesar de só ter começado a trabalhar há dois meses. Antes geria restaurantes; como hobby, brincava na bolsa de valores, mas tinha predileção por instrumentos mais esotéricos, que não me entusiasmam. A caminho do quarto, disse-me que eu estava à vontade: havia quatro restaurantes e cafés onde comer na pousada, logo não havia razão nenhuma que me impedisse de ficar ali durante toda a minha estadia.

Na Terça-feira, senti-me algo mal, mas nada de debilitante. Ao final do dia percebi que o meu desconforto se devia ao período, o que me surpreendeu, dado que estava vários dias adiantado. Tão adiantado, que eu tinha marcado as férias de forma a que o evitasse e, como estava tão confiante dos meus cálculos, nem levei tampões, apenas pensos porque tenho sempre alguns espalhados por sacos, malas, etc.

Como a pousada tinha uma lojinha ao pé da recepção com uma secção de produtos de primeira necessidade, lá fui eu à caça de tampões. Estavam ao canto, em pacotes de dois, muito, mas muito imperceptíveis. Peguei em dois pacotes e fui à recepção para pagar, onde encontrei o moço acanhado. Tanto eu como ele estávamos de máscara, o que dificulta a compreensão do diálogo, mas como achei que era só pagar e andar, até dava jeito. Não deu porque ele murmurou qualquer inquirição que não percebi. 

A frustração que senti por errar nos cálculos e agora ainda tinha de conversar, em vez de apenas pagar e ir para cima e tomar um duche. Ele tentou outra vez: "I think I have some complimentary ones in the back that I can give you, would you like those?" e acrescenta "I'll go check." Vira-me as costas e entra por uma porta de onde, em menos de um minuto, regressa triunfante com quatro tampões grátis que me dá. Agradeci, fui à minha vida e fiquei a pensar em todos os hotéis onde estive e se teriam ou não tampões grátis. 

De regresso a Memphis, contei o episódio a uma amiga e perguntei se ela tinha experiência de os hotéis terem tampões grátis para os hóspedes. Não fazia ideia, respondeu-me. Nem ela, nem eu. 

domingo, 30 de maio de 2021

O caminho verde

Sempre que conduzia no Humphrey's Blvd, fazia uma nota mental de ir investigar uma outra parte do trilho ao longo do Wolf River. Parecia bonito, com pelo menos um lago e o passeio serpenteia por entre as árvores e por vezes vem até quase à berma da estrada. No Inverno, quando as árvores estão despidas, é difícil de imaginar a riqueza de tons de verde e variedade de folhas que despontam na Primavera. 

sábado, 29 de maio de 2021

Quase normalidade

 Levei o Julian ao hotel para passar o dia, enquanto visitei umas lojas. De manhã, não havia vaga no recreio de cães, logo ele teve de ficar numa jaula até à tarde, altura em que pode ir brincar com os outros cães. Para ele, é o ideal porque fica muito excitado se está no recreio muito tempo, mas fiquei surpreendida que o recreio estivesse cheio. No hotel de cães, todos os empregados usam máscara, mas alguns dos clientes não usam. Por recomendação do CDC, se estivermos vacinados, podemos deixar de usar máscara; só que isto pressupõe que quem não está vacinado usa máscara, o que não se verifica. Nota-se que cada vez menos pessoas estão a usar máscara dentro de recintos fechados, mas eu continuo na minha: usar máscara é um cuidado relativamente fácil de implementar, logo não vale a pena arriscar.  

sexta-feira, 28 de maio de 2021

Contos

Enola Gay, a canção dos Orchestral Manoeuvres in the Dark, foi lançada em 1980 e, nesse ano, passei parte do verão em Lisboa e na Costa da Caparica, junto da minha tia, que se casou. Uma das amigas preparou rissóis e recordo-me de estar na cozinha da senhora e ver o vídeo na TV. Sempre achei que a canção era espectacular, mas na altura não fazia ideia que era sobre a bomba atómica de Hiroshima. Parecia-me feliz, mas não é.

O que foi feliz foi esse verão, em que a minha tia mandou fazer um vestido para mim e outro para a minha irmã, comi caracóis na Costa, e íamos à praia. Numa dessas tardes de praia, havia uma senhora já de idade, vestida de preto, que quando chegámos estava a contar uma história a várias crianças. Era um conto do qual já não me recordo, mas lembro-me de ter gostado e de querer ouvir mais. No dia seguinte, quando chegámos à praia pedi que me contassem uma história, mas ninguém me ligou e nesse dia fiquei sem uma história, o que deixou um certo sentimento de frustração que penso que dura até hoje. 

Talvez uma forma em que essa desilusão se tenha manifestado é o meu interesse pelo género literário "short stories", os tais contos em português. Numa das minhas últimas idas à livraria Burke's, a tal que é uma das mais antigas dos EUA, tendo sido fundada em 1875, e que vende livros novos e usados, encontrei uma preciosidade: uma selecção de "short stories" do Egipto, editada em 1982, pela secção de relações culturais internacionais do Ministério da Cultura do Egipto.

Durante as minhas férias comecei a lê-lo e, na introdução enquadra-se a importância de histórias, contos, fábulas, etc. na tradição árabe. O livro mais famoso de contos é talvez As Mil e Uma Noites, em que uma colecção de histórias é urdida numa história envelope, em que Shaherazade começa a contar uma história nova cada noite que deixa inacabada até à noite seguinte, para cativar o interesse do rei Shariar e assim evitar que ele tome uma noiva nova cada noite, que manda matar de manhã. É desta forma que Shaherazade salva as outras mulheres.

Uma das ideias fulcrais da cultura árabe era a crença de que as mulheres eram mais astutas do que os homens. O Jardim Perfumado, escrito como um manual de sexo e erotismo no século XV, incluía várias advertências e pequenas histórias acerca de como várias mulheres tinham enganado homens e, por isso, convinha aos homens aprender a satisfazer as mulheres, para que elas não sentissem necessidade de os trair. Parece-me bem.  


  

quinta-feira, 27 de maio de 2021

Estimativas

Hoje estive a trabalhar com as previsões de crescimento do mundo e também da zona euro e dos EUA, de acordo com o trabalho feito pelo FMI, é tudo muito pouco optimista. Estou curiosa para saber como é que vão mudar as previsões da evolução da população, que a Divisão de estudos da população irá publicar em Agosto. Vivemos um dos períodos mais interessantes da economia mundial a ainda não está claro se os próximos anos irão ser de prosperidade ou de conflito.

Veremos como é que descalçamos esta bota.

 

quarta-feira, 26 de maio de 2021

Aforro

Há dois meses que não pago às minhas empregadas. Não por escolha minha, nem falta de tentar entregar o dinheiro, mas porque uma delas, a que recebe o dinheiro e acerta as contas com a outra, diz sempre que pago para a próxima. No início, pensei que ela estivesse com pressa para sair e não quisesse esperar que eu fosse buscar o dinheiro e contá-lo. Duas semanas depois aconteceu o mesmo e quatro semanas também. Estas coisas incomodam-me imenso porque penso logo que fiz alguma coisa mal, como dizia a minha mãe, sou tão lenta que dava para ir buscar a morte.

Finalmente, na sexta semana, a empregada confidenciou-me o plano: está a "aforrar" e eu sou o banco dela. A filha vai fazer uma viagem em Junho e ela precisava de guardar dinheiro, logo deixou ficar comigo para não o gastar. Depois ria-se toda feliz do seu plano. Então e o dinheiro da outra empregada, quem pagava? Disse-me que pagava ela.

De todas as pessoas para quem trabalha, não faço ideia o ter-me escolhido. O mais engraçado é que antes de ir de férias, pensei logo que me podia acontecer alguma coisa e ela ficava sem o dinheiro. Até pensei em deixar em casa da vizinha, com instruções para dar à empregada, caso eu não voltasse, mas depois achei que estava a ser muito exagerada.  Hoje disse-me que na Quinta-feira vou deixar de ser banco aforrador. Até que enfim.


terça-feira, 25 de maio de 2021

Um dia blah

Não aconteceu nada de especial hoje. Apenas regressei ao trabalho e há bastante que fazer, mas vou tirar folga na Sexta-feira e na Quarta e Quinta à tarde para completar os meus 35 dias de folga antes do final do ano fiscal. Mesmo assim, transferi 5 dias para o ano que começa em Junho, logo terei mais 35 dias para tirar, em vez dos 30 normais. Na Segunda-feira é o Memorial Day, que inaugura a época oficial para tirar férias nos EUA, logo terei um fim-de-semana prolongado. 

Tenho visto nas redes sociais, que se discute se a Mariana Mortágua deve ir para Ministra das Finanças. Acho que deve por várias razões, mas especialmente porque é incompetente e como já tivemos tantos homens maus, temos de tentar equilibrar a coisa para o lado das mulheres. A minha razão principal é que precisamos de mudar: como em Portugal só se muda quando as coisas correm muito mal e mesmo assim, esperneiam muito para deixar tudo na mesma, convém propiciar oportunidades de crise. Venha a próxima.

segunda-feira, 24 de maio de 2021

Talvez Dallas

Um dos meus grupos de amigas está a planear uma viagem a Dallas no final de Agosto. Ir a Dallas ainda vá que não vá, mas em Agosto aquilo é um bocado infernal com o calor que faz.  Já sei que não estou habituada, logo prevejo dores de cabeça, vómitos, etc. Mas pode ser que eu esteja sofrer com a expectativa desnecessariamente. No início de Julho, a minha ex-sobrinha mais velha vai casar em Oklahoma City e estou a contar ir ao casório. OKC também é outro infernozinho no verão, mas será boa prática para Dallas. 

Estou curiosa acerca da questão das máscaras. Aqui em Memphis, quase toda a gente usa máscara quando vai a estabelecimentos comerciais, mas em outras cidades não é assim. Em Gulf Shores, no Alabama, os empregados do hotel usavam máscara, às vezes um bocado aldrabada, mas usavam; já os hóspedes eram  mais relaxados--deviam ser menos de 10% os que usavam. Temos tempo para ver qual o efeito desta confusão da máscara. Pelo menos o Fauci tem sido entrevistado e visto, depois de ter estado  alguns meses mais da retaguarda. 

domingo, 23 de maio de 2021

Os pássaros

Regressei hoje; são cerca de sete horas de viagem, o que nem é muito, mas é um bocado aborrecido porque a paisagem do Mississippi e do Alabama não é por aí além. E depois também se passa por muitos sítios em que se vê pobreza, com edifícios a cair aos pedaços porque estão desocupados, ou casas humildes. Humildade não é vergonha, mas também não é algo que seja agradável de ver.

A minha vizinha perguntou-me do que é que eu gostei mais e tive de responder que foi dos pássaros, especialmente dos pelicanos. Nota-se todo o esforço que têm de fazer para se manter vivos e fazem-nos, todos os dias. Achei inspirador.

sábado, 22 de maio de 2021

Coincidências

No Domingo passado, enquanto passeava o Julian, um casal de vizinhos parou o carro para se despedir. Iam a caminho de LA, o que eu já sabia através de outra vizinha. A minha vizinhança parece aquelas vilas das séries inglesas, onde muita gente se conhece. Quando me mudei para lá, até tinha a impressão que era impossível que não houvesse um crime, e a Miss Marple, ou quiçá a Jessica Fletcher, para ser mais nacionalista, iriam sair de um arbusto para o desvendar. 

Quando a vizinha me disse que eles iam para a praia em LA, Louisiana, respondi-lhe que era impossível. Não há praias na Louisiana, é tudo pântano. Aproveitei para perguntar onde iam na Louisiana, que a outra vizinha me tinha contado da viagem. Ah, mas the "other LA" não quer dizer Louisiana, quer dizer "Lower Alabama", explicou-me o marido. Era um trocadilho. Calhou que eu também ia a caminho da outra LA, só ficando desencontrados por um dia. 

Na Quarta-feira, enviei uma mensagem à vizinha, a convidá-la a ela e ao marido para virem jantar ou almoçar comigo. Como estavam acompanhados com amigos, com quem tinham arrendado uma casa, só podiam encontrar-me hoje para o almoço, às 11 da manhã, antes de regressarem a Memphis. Calhava-me muito bem, disse-lhse. Às 10:30, enviei-lhes uma mensagem a dizer que os encontraria no parque de estacionamento para lhes dar instruções de onde deixar o carro. E às 10:55, quando telefonei para ver onde estavam, foi só dizer-lhes que a entrada para o parque era ao pé da ponte dos pedestres (deve haver um nome mais oficial para isto) pedonal, que eles entraram logo. Um timing perfeito -- assim fosse a lotaria, se eu jogasse.

Fomos para o restaurante, dado que a reserva estava feita para as 11 da manhã, e colocaram-nos numa mesa com vista para o mar. Não estava muita gente e os meus convidados/vizinhos ficaram encantados com o sítio e gostaram também da comida. Antes de sairmos do restaurante, mostrei-lhes uma peça de arte em que pedaços de tecido de algodão cortados com a forma do Alabama tinham sido montados em blocos de madeira e selados com cera de abelha. 

Alguns dos blocos tinham coloquialismos característicos da zona, muitos deles já tinha ouvido nos sítio onde vivi. Por exemplo, hissy fit (é uma birra) é normal ouvir-se em Oklahoma, y'all (vem de you all) é muito comum no Texas, fixing to (prestes a) também é muito característico da parte sul dos EUA. Algumas expressões engraçadas e que nunca tinha ouvido "knee deep in butter beans"(enterrado), "madder than a wet hen" (muito zangado), "like a duck on a Junebug"... Esta última é difícil de entender, mas significa perseguir algo ou alguém como um pato persegue um besouro para o comer.

Uma das empregadas do restaurante falou connosco acerca da peça, de como era uma das suas preferidas, da artista que era local, das expressões serem encantadoras, de como alguns dos tecidos usados eram de caças de ganga, etc. 

Depois fomos à sala principal, onde há um café. A minha vizinha ficou encantada e tirou muitas fotos da decoração para se inspirar para a casa dela. Tomámos o café na varanda que dá para o mar e ficámos lá sentados a conversar durante algum tempo. Esta pousada é bastante diferente dos hotéis mais comerciais que se encontram em Gulf Shores ou em Orange Beach. A mim não me apetece muito ir para as zonas comerciais, só de pensar em ter de procurar um sítio para estacionar, desinteresso-me logo. E depois também gosto muito da vegetação natural que rodeia a pousada, dos animais que se cruzam connosco, e não me apetece ir ver jardins com flores que posso encontrar em qualquer lado. Não lhes disse nada acerca de não querer ir para esses sítios. 

Ficámos de combinar um jantar ou umas conversas para quando regressarmos. Há algumas semanas, mostrei-lhes o trabalho que tenho andado a fazer no meu jardim e eles agora acham que eu conheço muitas plantas, logo penso que vamos ter de conversar sobre jardinagem. 

Vários tecidos recortados com o mapa do Alabama






Pelicanos a voar à frente da varanda do meu quarto


sexta-feira, 21 de maio de 2021

Um Amor Feliz

O meu objectivo para o dia de hoje era terminar de ler "Um Amor Feliz", do David Mourão-Ferreira, que adquiri há pouco tempo pela Livraria Varadero, que até tinha uma edição com a capa marota que escandalizou o país. Também me decidi a andar mais, tanto na praia, como na parte florestal do parque, ao pé dos lagos. Passeei pela praia logo de manhã e, apesar do forte vento, foi muito agradável. Uma das minhas coisas preferidas destes últimos dias tem sido ver os pelicanos a voar. Parecem tão mais pequenos e graciosos no ar do que quando os vemos em terra.

Para o almoço e para variar o meu repertório gastronómico, apanhei o autocarro grátis que anda pelo parque e fui ao restaurante Woodside. A estrada que atravessa o parque, que foi por onde eu vim na Segunda-feira, está a ser arranjada e o motorista avisou-me que iria levar uns 40 minutos porque tinha de ir pela cidade. Decidi fazer a viagem, dado que não tinha uso mais premente para o meu tempo. No início fui a única passageira e o motorista meteu conversa. No sul do EUA, é normal conversar com estranhos.

Contou-me que era motorista ali há meses apenas. Há trinta anos, tinha começado a trabalhar num hospital na parte de manutenção, depois passou para a parte de distribuição de correio, na qual se reformou. Mesmo reformado, arranjou um emprego a transportar carros de cidade para cidade, e agora é motorista no parque. Era um senhor muito simpático, muito preocupado com que eu entendesse como usar o autocarro para não ficar sem boleia. 

Deixou-me no restaurante, onde almocei na esplanada, e aproveitei para adiantar mais um bocado a minha leitura. Passado mais de meia hora, aparece ele na esplanada a perguntar se eu ainda estava bem ou se precisava de boleia. Ele tinha terminado a ronda e o próximo autocarro a passar pelo restaurante seria o do colega, uma pessoa que ele admirava muito porque conseguia conversar sobre qualquer coisa, tinha muita cultura geral, explicou-me ele logo no início quando o conheci.

Respondi-lhe que ainda estava bem e ia ficar mais um bocado a ler. Voltou a lembrar-me que, se eu quisesse ir embora, podia sempre pedir aos empregados do restaurante para contactarem os autocarros para me irem buscar mais depressa e regressou para o seu autocarro ao mesmo tempo que me dizia que viria ver se eu ainda estava bem da próxima vez que ali passasse. Continuei a ler e, como prometido, ao fim de um tempo, ele lá apareceu outra vez e fui para o autocarro. 

Desta vez havia dois outros passageiros: um casal já de idade, que iniciou conversa comigo perguntando-me se a comida era boa. Durante a nossa viagem fiquei a saber que este casal tinha comprado uma caravana há uns três anos e têm passado todo este tempo a conhecer os EUA; quando as fronteiras com o Canadá abrirem, também contam ir mais para norte. 

São originários do estado de Washington, mas mudaram-se para o Arizona. Nunca tinham estado no Alabama, logo esta parte do país é-lhes uma autêntica novidade, diziam. Perguntaram-me se estava a acampar ou se era hóspede da pousada e, perante a minha resposta, aproveitaram para me fazer perguntas acerca dos restaurantes e da pousada. Sugeri-lhes que fossem ao café porque dava para se sentarem a uma mesa na varanda, em frente ao mar, e ficaram interessados. Era um casal simpático e parecia darem-se muito bem.

Quando o motorista me deixou em frente da pousada, saí do autocarro em modo automático, mas depois lembrei-me de lhe dar uma gorjeta. Dei-lhe $20, o que é bastante generoso, mas ele tinha sido muito boa pessoa, muito preocupado com o meu bem-estar. Perguntou-me se tinha a certeza que lhe queria dar tanto dinheiro. Claro que sim, era mesmo aquilo que lhe queria dar e despedi-me dele, agradecendo-lhe o ter-me ido buscar.  

De tarde, tentei caminhar mais um pouco, mas os trilhos estavam fechados, não percebi se das obras ou devido ao acasalamento das águias (há dois ninhos no parque), duas das hipóteses avançadas durante a conversa no autocarro. Mudei de direcção e regressei ao mar e fui investigar o pontão. Havia muita gente e não me agradou, logo não fiquei muito tempo.

Continuei a ler até chegar à hora do jantar, que tinha marcado para o restaurante Perch. Estava tudo óptimo, mas a lista de cocktails fez-me recordar da minha visita a Liverpool, há uns anos, na qual fui ao The Alchemist duas vezes porque à primeira não percebi que era para tomar cocktails. Tirando o facto de eu insistir em continuar a usar máscara em recintos fechados, excepto restaurantes, a vida até tem estado bastante normal.   



Pelicanos sobre a água

A praia pública fechada

Quatro humanos e uma garça

Pelicanos sobre terra

Tomar café com uma gaivota

Esplanada de almoço no Woodside


Passeio vespertino interrompido

Cocktail de fim de tarde no Perch

Polvo no Perch


Toucinho no Perch

Perch: onde terminei "Um Amor Feliz"

quinta-feira, 20 de maio de 2021

Morte na praia

Ao acordarmos de manhã, deparámo-nos com um vulto à distância que a maré cheia e violenta tinha trazido para a praia.  Ou talvez tivesse vindo voluntariamente, mas não teve oportunidade de regressar. Era uma enorme tartaruga e, quando digo enorme, era mesmo de um tamanho tal que eu teria dificuldade em tocar ambas as extremidades com os meus braços abertos. Suspeito que pesava perto de 150 Kg, com já várias décadas em cima, talvez perto de meio século. 

Tinha morrido recentemente como se estivesse a caminho de regressar ao mar, a tal criatura, uma tartaruga "loggerhead", uma espécie protegida pelo Endangered Species Act, mas na areia não havia vestígio que tivesse ido às dunas deixar ovos ou coisa que lhe valesse. A única coisa que traía a sua aparência era os olhos, já sem qualquer parentesco com a vida. De resto, parecia mesmo prestes a entrar no mar. Se calhar morreu, por ter a idade avançada: estas tartarugas duram 47-67 anos.

Várias pessoas a rodearam durante perto de uma hora, até que os patrulhas que protegem a vida selvagem a levaram, decerto para analisar a carapaça e determinar o motivo da sua morte. Durante toda a semana, tenho lido informações acerca das tartarugas espalhadas pelo hotel, de como temos de ter cuidado com a poluição de luz à noite para as não desorientar e não interromper o seu ciclo de reprodução.

No átrio de entrada, uma enorme instalação tenta reproduzir o padrão que as tartarugas bebés deixam na praia depois de nascerem e de se dirigirem ao mar. No chão, os indicadores de distância para nos mantermos afastados por causa da pandemia são autocolantes de tartarugas. Apesar de tanta informação de sensibilização, não dava para ter noção do quão majestoso estes animais são, mesmo depois de mortos. 

Encontrado esta manhã

No átrio, um enorme painel da April Hopkins e Zach DePolo


Tartarugas a marcar o chão

Tartarugas na parede exterior

Instruções para os hóspedes


quarta-feira, 19 de maio de 2021

Agreste

Se há coisa que me tira a tusa é o Golfo do México, com a sua água morna e calminha, reminiscente do conteúdo de uma banheira; mas esta semana está uma ventania que nem vos conto e o Golfo está bravo, tão bravo que se olha para ele e se vislumbra a intensidade do Atlântico. Fico feliz com tanta agitação porque uma pessoa está à beira mar e sente o respeito que deveras comanda. Desde há uns anos que durmo com as cortinas meio abertas para acordar com o raiar do dia. Acho que é um hábito que nos aproxima dos nossos antepassados de quando a electricidade ainda nem era um sonho e o contacto com a luz natural também regula o nosso ritmo circadiano.

Como acordei por volta das seis da manhã, tomei o pequeno almoço, e aproveitei para dar uma volta na praia. Não estava quase ninguém, mas via-se bastantes pássaros e à distância alguns pescadores. Não há muita gente no hotel nesta altura, mas ontem quando falei com o empregado do hotel que me trouxe as malas para cima, fiquei a saber que as melhores alturas para visitar são em Abril e Novembro porque ele diz que o tempo ainda está bom -- o tempo está quase sempre agradável por estas bandas, -- mas não há quase ninguém. Vou ter de me certificar da altura do mês para poder planear a minha próxima visita. 

Toda a gente aqui é muito simpática e atenciosa, mas tenho a apontar que os hóspedes quase não usam máscara nos espaços comuns. O único sítio onde eu não uso máscara é nos restaurantes; de resto uso se vou entrar e sair de edifícios, mas se estou na praia ou sentada na esplanada, não uso. Na rua não vale a pena, mas dentro dos edifícios acho que devemos usar.

O meu passeio matinal:







 

terça-feira, 18 de maio de 2021

Azul

Estou ao pé do mar, mais perto de vocês, no Gulf State Park, no Alabama, onde há uma pousada mesmo à beira mar. É um dos edifícios mais interessantes do mundo não só pela sua história, mas também pela construção. A Lodge at Gulf State Park original foi destruída pelo furacão Ivan, de categoria 5, que atingiu os EUA em 2004. Depois em 2010, esta zona foi outra vez atingida por uma catástrofe com o derrame de petroleo do Deepwater Horizon. O estado do Alabama pegou no dinheiro da indemnização do derrame de petróleo e reconstruiu a pousada, que abriu há cerca de dois anos e meio. 

O edifício é uma fortaleza, construído de forma a resistir à maior parte dos furacões. O furacão Laura, que atingiu a zona em Setembro do ano passado, fez poucos estragos, apenas danificou uma porta e a electricidade ficou cortada durante uma semana. Dois dos edifícios do Gulf State Park, incluindo a pousada, foram distinguidos com vários prémios de conservação do ambiente. Ou seja, é um dos edifícios mais verdes do mundo, o que é engraçado dado que quando se pensa em protecção do ambiente, o Alabama não vem mesmo à ideia.




segunda-feira, 17 de maio de 2021

Vivi pela arte

Na reunião de moradores da nossa vizinhança, que se realizou hoje, tivemos um curto recital da Opera Memphis, a companhia de ópera local, patrocinado por mim. Estava um dia glorioso. Eu que sou meio tosca, estive a trabalhar até quase à hora da reunião. Aliás, até troquei as horas, o que é normal para mim: pensava que era às três e era mesmo às duas. Por sorte, terminei de organizar o trabalho uns minutos antes (tive de trabalhar um bocado para ter tudo alinhavado antes de ir de férias) e fui ver o último boletim da vizinhança e lá estava: era às duas e faltavam 5 minutos. Troquei de camisola à pressa, apanhei o saco e saí porta fora. Só que o Julian tinha percebido que era para sair e ficou super-entusiasmado com a ideia. Antes de poder sair, tive de andar a correr de porta para porta a ver se lhe escapava, porque não dava mesmo para levá-lo, senão não conseguia prestar atenção a nada.

Fui a casa da minha vizinha, bati à porta e entrei esbaforida, dado o meu atraso. Temos de ir, temos de ir, dizia eu... A mãe dela, que estava a recusar-se a ir, concordou em sair até de sapatos de quarto--ia no carro, não fazia mal, disse-lhe. Apanhei-a mesmo desprevenida, o que foi sorte, porque estávamos com medo que não quisesse mesmo ir. Desde que se instalou a pandemia que, com os cuidados extra de a manter segura, quase que não sai de casa, o que acelerou a sua demência. Mas, pronto, dá-se um jeitinho e lá vamos conseguindo que ela faça algumas coisas mais audaciosas.

Penso que estariam perto de 50 pessoas no parque do gazebo. A reunião atrasou-se um pouco e a ópera só começou depois das três da tarde, mas todos ficaram e participaram. Tinha pedido que cantassem Puccini, mas o especialista em Puccini estava doente e fomos brindados com Verdi, Bizet, Rossini, musicais da Broadway... Foi magnífico, na mesma, e houve duas coisa que me fizeram felizes: a primeira é que os dois cantores da Opera Memphis ficaram muito contentes com a recepção que tiveram; a segunda é que, no final, uma das minhas vizinhas veio agradecer aos cantores e disse que as suas interpretações lhes tinham aberto todo um mundo. 

Quanto a mim, tantas vezes me agradeceram durante o espectáculo, que agora toda a gente sabe quem sou. E eu que sou uma pessoa tão privada, mas não havia volta a dar-lhe: se eu não visse um espectáculo de ópera este ano, dava-me qualquer coisa má.  No final, conversei com os cantores e eles informaram-me dos programas que estão agendados. O calendário está a normalizar -- estamos a aprender a conviver com o vírus. 

A Ópera Memphis tem das pessoas mais simpáticas que já conheci. Sempre que lhes faço uma doação, mesmo qualquer coisa pequena, enviam sempre uma nota muito amorosa a agradecer. Nota-se mesmo que gostam do que fazem e esforçam-se por servir a comunidade. É muito gratificante apoiá-los.



domingo, 16 de maio de 2021

Culpa das rosas

Passei grande parte do dia a trabalhar no jardim. Aquilo nunca mais acaba e nem consigo decidir se gosto ou não do trabalho até aqui realizado. Em princípio, à medida que o jardim amadurece, as coisas irão ficar com outro aspecto e a escala das plantas irá ser diferente. Não sei o porquê de pensar nisto, dado que pior do que o que estava não ficou (antes tinha relva plástica, ideia da dona anterior). Para além de que, a passarada parece estar a apreciar todo o meu esforço. 

Hoje apareceu um colibri que ficou suspenso quase à minha frente, com as asinhas a bater a 1000 à hora, como se estivesse a perguntar se lhe tinha preparado a refeição. Fiz tudo direitinho: bem sei que o jardim ainda não tem muitas flores, mas meti comedouros de colibri e plantei duas dedaleiras que comprei já em flor e tenho mais plantadas, mas que ainda não floriram. Ele lá foi a uma dedaleira e desamparou a loja.

Enquanto tratava da porção do jardim da parte da frente de casa, passou uma vizinha, que vejo amiúde, a passear o seu cão, mas com quem nunca tinha conversado. Não é que eu seja antipática ou difícil (às vezes sou, mas só quando dá jeito), mas a senhora está sempre com pressa e raramente sorri, logo presumi que nem valia a pena meter conversa--também quase que não houve oportunidade. 

A propósito das minhas roseiras que estão a abarrotar de flores, hoje ela iniciou conversa -- as roseiras dela não têm muitas flores e estão infestadas com uns bicharocos. Disse-lhe que tinha aplicado fertilizante nas minhas, o que ela achou revolucionário, como se nunca tivesse ouvido falar. No entanto, a vizinha disse que aplicava muito pesticida nas dela por causa dos besouros. O único pesticida que meti nas minhas foi uma solução de sabão, mas já deve ter desaparecido com a chuva. Fiquei de lhe dar o nome do fertilizante das roseiras e, ao fim da tarde dei um pulo à loja de ferragens, pois precisava de comprar sementes para os pássaros, e comprei um saco para lhe oferecer.

Quando nos despedimos, perguntou-me o nome e depois disse-me que se chamava Ming, que penso ser chinês. Da próxima vez que conversar com ela, talvez lhe pergunte de onde ela é.

Julian vai às compras à loja de ferragem

 

 

sábado, 15 de maio de 2021

Mascarar ou não

A Administração Biden decidiu esta semana publicitar a decisão dos CDC de informar as pessoas que estão vacinadas que podiam andar sem máscara tanto dentro como fora de edifícios. O Anthony Faucci tem estado praticamente ausente da comunicação social; em vez disso, são os políticos que dão a cara. É uma autêntica estupidez. A politização dos CDC foi uma das maiores críticas que foi feita ao Trump e até agora o Biden tem continuado a politizar a mensagem. 

Na companhia onde trabalho, reina a precaução e recebemos indicações que continua a ser obrigatório usar máscara em todos os edifícios onde trabalhamos e a regra aplica-se a empregados e terceiros que nos visitem. Pela minha parte não me afecta, pois continuo a trabalhar de casa, como tenho feito desde Março do ano passado.

Vou continuar a agir como se os CDC não tivessem efectuado a recomendação. Apesar de estar vacinada, acho que o custo de usar máscara nas poucas vezes que interajo com pessoas que não conheço é bastante menor do que ficar doente. Bem sei que o risco de ficar doente é menor com a vacina, mas se eu tenho a oportunidade de reduzir o risco ainda mais e o custo é baixo, não faz sentido para mim correr riscos desnecessários. Mas cada um tem a sua função de preferência de risco, logo os outros façam o que acharem melhor para eles. 

sexta-feira, 14 de maio de 2021

Os coitados

Instalou-se em certo círculos dos EUA esta ideia de que é preciso proteger os coitadinhos do papão que aí vem. Na Califórnia, fala-se em desistir de oferecer aulas de preparação avançada para a faculdade para não prejudicar as crianças que são incapazes de frequentar essas aulas. Para certos segmentos da população, é completamente irrelevante ser o estado ou o sector privado a oferecer estas aulas, dado que estas famílias não estão sujeitas a restrições orçamentais. Quem irá sair prejudicado irão ser as crianças mais capazes cujos pais têm menos recursos. O que vale é que os americanos medem os resultados de tudo e julgo que não levará muitos anos para a Califórnia descobrir que, se implementar esta medida estará a prejudicar os mais vulneráveis, em vez de os proteger.   

Esta semana também se falou na criação de um novo sistema de projectos de interesse público à semelhança do que Roosevelt fez durante a Grande Depressão. Só que não há assim tanta gente à procura de emprego, bem pelo contrário. Neste momento, os EUA sofrem de falta de trabalhadores pois em bastantes partes do país, as pessoas preferem andar a viver de biscates ou do seguro de desemprego, do que de obter um emprego a sério, mesmo daqueles que oferecem benefícios a sério com conta poupança-reforma e seguro de saúde.

P.S. Esqueci-me de publicar. Tinha tanto sono...

quarta-feira, 12 de maio de 2021

Da vergonha

Cá em casa há dois cestos enormes cheios de peluches de maior escala, depois há um ajuntamento de peluches mais pequenos. O que há é tralha e tinha pensado há uns meses que iria dar a volta aos peluches e dar a maior parte deles à filha de uma das minhas empregadas, que ainda é pequena. Pensei nisso hoje, enquanto a casa estava a ser limpa e fui a um dos cestos buscar peluches. Só consegui dar um e senti uma vergonha enorme ao olhar para a cesta e não conseguir dar mais. 

Aqueles peluches não são nada e são tudo. A maior parte foram oferecidos pelo meu ex-marido, há o Eeyore gigante que pede abraços, o Elmo que tem cócegas, o sapo Cocas que apanha moscas e canta, um sapo como o que eu tinha colocado na lista de casamento, mas que ninguém comprou, mas que depois comprámos. 

O sapo original foi confiscado pelo meu cão Alfred que pegava nele e fazia passeios, sestas, etc. Por vezes, o Alf deixava o sapo num quarto que acabava com a porta fechada e ele sentava-se à porta à espera que a abrissem. De tanto amor que teve, o sapo perdeu os olhos e ficou imundo. Tivemos de andar à procura de um sapo igual para o substituir. Encontrei um numa loja no aeroporto de Orlando e sempre que por lá passava, comprava um sapo para o Alf. Ainda tenho um que o Alf nunca recebeu porque morreu em 2016. 

Há também uns peluches que comprei especificamente porque me agradavam, mas tudo aquilo um dia ia ser os brinquedos dos meus filhos, aqueles filhos que nunca tive. Foi por isso que não consegui dar à menina os meus peluches. E senti tanta vergonha de a minha acção a ter privado da alegria de os receber. Talvez um dia destes consiga, não deve ser mais difícil do que perder o Alf.

 

terça-feira, 11 de maio de 2021

O corpo às avessas

No Sábado, resolvi arriscar e marcar uma massagem, que eu já não tinha uma há mais de um ano. Era necessária porque os meus músculos das costas estavam tão tensos que eu sentia o esqueleto a ser comprimido. De vez em quando, passo o tempo a procurar por massagistas na Internet. São criaturas raras os bons massagistas, mas há uns tempos tinha encontrado um spa aqui perto que fazia várias coisas que me interessavam, entre elas uma técnica que aqui se chama myofascial release.

Telefonei para fazer a marcação e ninguém atendeu logo tive de deixar mensagem. Passados uns minutos, telefonam-me e consigo fazer contacto. Perguntei para quando havia vaga e perguntaram-me se queria homem ou mulher. Era indiferente, respondi. Nesse caso, podia aparecer às 16 horas e eu marquei hora e meia. Também me deram indicação do preço: $145 pagamento a dinheiro ou $160 pagamento com cartão de crédito. 

Depois da marcação, enviaram-me um SMS a fazer as três perguntas do Covid-19 (se tinha sintomas de tosse, falta de ar, ou garganta inflamada, se tinha tido febre nas últimas 48 horas, e se tinha estado em contacto com alguém sintomático). As instruções de como chegar à marcação e entrar também estavam incluídas: estacionar o carro à porta e enviar um SMS a dizer que tinha chegado, ficar no carro até fornecerem a papelada que era preciso preencher, e quando entrasse, tinha de estar sempre com máscara, exceptuando quando estava de barriga para baixo, em que a podia retirar se quisesse.

Apareci 15 minutos antes da hora marcada e segui o protocolo. O meu massagista era o mesmo rapaz que me tinha telefonado. É muito raro ter massagistas homens, não porque não escolha, mas porque nos sítios onde vou muitas vezes só trabalham mulheres. Acasos...

Quando entrei na salinha perguntei até onde me devia despir. Isto porque apesar de eu costumar despir-me toda, há alguns tratamentos, como a integração estrutural, em que também se trabalha as fáscia, em que o trabalho é feito com roupa, dado que o massagista olha para a forma como andamos e nos movimentamos, para vir que 'reas do nosso corpo estão desalinhadas. Podes despir-te toda, disse ele.

Saiu da sala e fechei a porta e tranquei-a. Deitei-me na marquesa nua, mas debaixo de um lençol, e esqueci-me de destrancar a porta. Lá veio o rapaz que bem dava à maçaneta, mas a porta não abria. Levantei-me para destrancar, mas estava nua. Olha, começa bem, o moço ainda diz que o estás a tentar assediar, pensei eu. Ah e era um moço afro-americano e eu branquela europeia. Isto há uns anos era ilegal.

Pronto, lá me deu a massagem e muito teve para trabalhar porque eu tenho pouco mais de metro e meio, mas sou muito concentrada, tipo polpa de tomate. Gostei bastante do trabalho dele porque até incluiu as nádegas na massagem e muito raramente se encontra pessoas que façam. Até agora, só tinha tido uma pessoa que fizesse as nádegas e que foi a minha massagista no Noroeste do Arkansas. Ela até à barriga dava massagens. Era mesmo espectacular.

A certa altura da massagem, já as dores eram tantas que eu ria-me e ria-me. E ele ria-se de eu me rir de dores. E mandava-me respirar fundo para ir mais oxigénio para a zona que ele estava a massajar e eu ria-me, gemia, e espirava fundo... Que eu não me surpreendesse que fosse doloroso sentar-me ao outro dia. Não que fosse doloroso sentar-me, mas doeu-me o corpo todo o resto do fim-de-semana. Fiquei mesmo K.O. Aliás, sentia-me tipo o Rocky Balboa se devia sentir depois de uma luta com o Mr. T, daquelas que o Rocky perde.

Desde a massagem que viro o pescoço para trás, para ver se tenho mais flexibilidade e confere, logo valeu a pena aquela sessão de tortura. Quanto ao resto, o rapaz ainda não telefonou a dizer que eu o tinha assediado, mas quem sabe daqui a 20 anos.

segunda-feira, 10 de maio de 2021

Síndrome do refresco Tang

O síndrome do refresco Tang é um fenómeno frequentemente observado em Portugal. Manifesta-se quando os portugueses fazem as coisas mal-amanhadas, na esperança de alguém meter água e as coisas acontecerem de forma a viverem felizes para sempre -- como o refresco Tang, claro.

Por exemplo, acordei hoje e tinha uma notificação do Twitter acerca de uma moça que tinha sido vítima de assédio e piropos por parte de um motorista. Ora, o assédio pelo que leio hoje em dia parece que não é ilegal; mas o piropo já está ilegal, por mérito da Geringonça.

Então se há uma lei, por que carga de água ainda há pessoas a mandar piropos? E quantas já foram multadas ou acabaram no xilindró devido a piropos? Como é que se implementou a lei do piropo, aquela lei que ia ser transformadora para a sociedade portuguesa, alguém sabe? É que isto das leis é um bocado mais complicado do que fazer refresco Tang. 

Finalmente, a polícia vai investigar estes crimes de piropos que têm sido relatados recentemente nas redes sociais?

domingo, 9 de maio de 2021

À conversa

Terminaram o telhado do vizinho, mas antes meti-me à conversa com um dos rapazes no meu espanhol trapalhão. Basta dizer olá em espanhol e eles ficam curiosos. Ora, este rapaz era muito interessante. Fazia muitas perguntas e comunicava muito à vontade, de igual para igual. Logo de início perguntou-me a idade e quando eu lhe perguntei a dele mandou-me adivinhar. Eu adivinhei 25 porque ele tinha dito que trabalhava neste negócio dos telhados há 6 anos, logo presumi que veio para cá pouco antes. Perguntei-lhe de onde era e disse-me que tinha vindo do México.

O tipo de perguntas que as pessoas da América Latina fazem é bastante curioso. Por exemplo, este moço, a quem não perguntei o nome, perguntou-me se eu trabalhava todos os dias e o que é que eu fazia nos tempos livres. Jardinava, respondi-lhe, dado que me tinha dito que o meu jardim era muito agradável. O que eu acho curioso é que os brasileiros nunca me fazem perguntas deste tipo, mas as pessoas dos países que foram colonizados por Espanha parece que não sabem que os fins-de-semana são reservados para o lazer em muitos países ocidentais.

sábado, 8 de maio de 2021

Telhados e lixados

O trabalho da substituição do telhado dos meus vizinhos começou hoje. Não demorou muito tempo até retirarem tudo e fizeram o favor de cobrir parte do jardim. A meio da manhã fui ver o progresso e ia-me dando uma coisinha má quando vi que uma das hortênsias estava cheia de lixo. Retirei tudo cuidadosamente. Não há crise, pensei. Desde que não estraguem as raízes, sobrevive, acho, porque na verdade nunca tive hortências, não sei quase nada acerca do assunto. Do lixo que retirei, notei que o telhado era super-levezinho, devia ser de muito má qualidade e duração e por isso decidiram substituir. 

sexta-feira, 7 de maio de 2021

A sorte

Depois de passarmos meses a fio enfiados em casa, tentando proteger-nos de uma coisa microscópica, o nosso planeta vai ser este fim-de-semana atingido por um bocado de um foguete chinês, do tamanho de um edifício de 10 andares. Não percebo nada destas coisas, mas parece-me ser uma coisa gigante e pesada e nem sabemos onde ou em quem vai cair. 

Por falar em coisas que caem, os meu vizinhos vão substituir o telhado, o que vai demorar três dias. Os telhados americanos são muito diferentes dos portugueses. São basicamente umas folhas que se pregam à estrutura de madeira. Super-rápido de colocar, mas como hoje tivemos uma tempestade ao final da tarde, devem ter adiado para outro dia. 

Nos últimos seis meses tenho andado a renovar o jardim, que fica colado à parede norte do meu vizinho. Estou a imaginar como é que vão substituir o telhado sem haver uns largos pedaços de telhado a cair nas minhas plantas. Para me animar, tento pensar que não faz mal se as folhas ficarem partidas, desde que a raiz esteja saudável, mas não me estava a apetecer ver o jardim escavacado.

quinta-feira, 6 de maio de 2021

Hábito

Depois de um ano a escrever ao fim do dia, é difícil não pensar no que escrever... ao fim do dia. 

Hoje falei ao telefone com uma das minhas amigas que vive em Memphis e que eu já não vejo há mais de um ano. Apanhou Covid em Novembro, no jantar do Dia de Acção de Graças, mas só me disse agora. Não fiquei surpreendida, aliás, a razão de eu a não ver há mais de um ano é mesmo essa: eu achava muito provável que apanhasse porque ela encontrava-se com muitas pessoas. 

À medida que contacto com um círculo mais largo de pessoas, encontro muitas que já foram infectadas. Ninguém do meu círculo íntimo de pessoas ficou infectado até agora. Mesmo o meu vizinho que gere uma loja e tem contacto com dezenas de pessoas diariamente ainda não apanhou. Claro que não ter apanhado pode ser tão assustador como apanhar porque parece que vivemos com uma faca ao pescoço e estamos apenas à espera de ficar infectados. 

Vou proceder como tenho feito, avaliando os riscos dada a altura do ano. Até Setembro não acho muito perigoso, desde que tomemos as precauções que agora se tornaram habituais. Depois de Setembro, o plano é ser bastante cuidadosa e evitar contactos próximos desnecessários. Quanto ao trabalho, ainda não nos disseram quando é para começar a trabalhar no escritório, mas suponho que depois do 4 de Julho devem anunciar. O plano da Administração Biden é ter 70% da população vacinada até essa data.  

quarta-feira, 5 de maio de 2021

May the 4th be with you

Ontem foi o aniversário do "One Year Maybe"--hurra! Consegui terminar um ano de posts quase diários: houve um que me esqueci, outro que adiei para o dia seguinte, uns que me esqueci de publicar antes do final do dia... Em termos de assiduidade, estive dentro dos parâmetros de falhanço a que me sujeito.  Normalmente, contento-me com fazer as coisas 95% bem, dado que os últimos 5% necessários para atingir a perfeição podem sair bastante caros, logo não tem muita lógica estar a perseguir a perfeição.

A numeração tem um significado: o 2 refere-se ao facto de eu ter tentado fazer um projecto destes antes e não consegui terminar. Julgo que esse ano em que falhei foi o ano em que fiquei doente, pois comecei a ter reacções adversas a várias comidas. Os últimos três dígitos referem-se aos dias. E são versões porque representam a minha evolução ao longo do ano, o que eu estava a pensar na altura. Claro que a nossa evolução é contínua, em vez de discreta, mas sabe-se lá se a continuidade é realidade ou percepção. 

Também há outra particularidade engraçada, pois muitos destas missivas são escritas depois de eu me deitar e, às vezes já estou com bastante sono. Agrada-me bastante a ideia de escrever naquela altura em que se está menos alerta, entre o consciente e o inconsciente. O único problema é que houve alturas em que adormecia a escrever e até houve uma vez pelo menos em que adormeci antes de publicar.

É muito simpático receber os vossos comentários e tenho alguns para responder ainda, mas para isso tenho de mudar de computador. Normalmente escrevo do MacBook, que não me deixa comentar. É prático porque o computador liga-se bastante rapidamente.

Um ano depois e ainda estamos na pandemia. Estou bastante preocupada com os portugueses. A vacinação está bastante atrasada. O objectivo devia ser o de vacinar toda a gente até ao final de Outubro, o mais tardar Novembro. Parece-me ser o mais prudente, mas não vai acontecer. Eu sei que o problema é o mesmo noutros países da UE, mas ninguém obriga Portugal a ser lento e a gerir mal as coisas. Passaram meses a fio a fazer pirraça por causa do Trump estar a gerir mal a pandemia nos EUA, mas a Europa não teve um Trump e acabou por gerir pior. Que desculpa têm?

  

terça-feira, 4 de maio de 2021

Version 3.364

Estou muito chateada com o Bill e a Melinda porque anunciaram hoje o seu divórcio. Se é para me fazerm isto, o mínimo que podia ter acontecido era a Melinda ter tido um affair com um tipo jeitoso, mais novo, todo charme, sorriso que deixa uma mulher K.O.: alguém como o MorenoPorcu no Instagram, que dança ali todo dengoso, requebro para ali, lascívia para acolá. Seria melhor para a Melinda e para as mulheres em geral. Só espero que o Bill não ande a cortejar uma jovem de cabeça oca porque, se eu um dia o conhecer, ainda lhe digo umas verdades. 

segunda-feira, 3 de maio de 2021

Version 3.363

Antes de mais chuva chegar, passeei o Morceguinho, mas não sei o que lhe deu, que parecia o Energizer Frenchie, não querendo vir para casa. Fizemos umas duas voltas à vizinhança e finalmente usei o meu poder de veto para bloquear uma terceira. Depois fui ao Fresh Market comprar alguns ingredientes para fazer outro bolo de chocolate e posso assegurar que continuo a ser um desastre na decoração.

Tivemos uma festa de aniversário muito engraçada, ao final da tarde, pois às 18 horas daqui já é 3 de Maio em Portugal, com um grupo pequeno de vizinhos. Claro que bebemos vinho português -- do Alentejo -- e champagne porque se não fosse o Napoleão, eu não estaria aqui. Eu vesti Red + White + Blue e Verde + Vermelho, obviamente. A pouco e pouco regressamos à normalidade e a contacto mais pessoal. O meus vizinhos fizeram-me poemas que declamaram, o que me emocionou bastante, apesar do cariz cómico dos textos; mas penso que captaram bem a versão actual da Rita. 

Viver nos EUA é muito especial. Desde que vim para aqui, a minha vida parece um filme. Há muitos dias em que o que me acontece não parece real e, no entanto, é. Não digo que todos os momentos sejam perfeitos ou bons, nem nos filmes o são, mas o que há frequentemente são momentos especiais, daqueles que queremos guardar. 



 







domingo, 2 de maio de 2021

Version 3.362

Tenho andado a pensar na situação de assédio que a Vera, a minha colega de blogue, descreveu e que foi publicada na revista Sábado. Estou curiosa para saber se a instituição em causa irá iniciar uma investigação, ver se é caso isolado, ou se é parte de um comportamento recorrente, e tomar medidas correctivas. Aliás, este exercício devia ser feito por todas as instituições regularmente e devia haver consequências visíveis.

Na Quarta-feira, celebrámos o dia de inclusão na companhia onde trabalho. É uma celebração anual em que há várias horas de workshops com o intuito de sensibilizar os empregados de que se deve valorizar a diferença e dar voz às pessoas que estão menos representadas. Também somos encorajados para não ficarmos calados quando há situações de abuso. Para além do dia de inclusão, todos os anos fazemos uma sessão de treino de ética em que discutimos situações semelhantes à que aconteceu à Vera. Na empresa onde eu trabalho, não é permitido haver relações amorosas entre pessoas que estão hierarquicamente próximas, em que uma é superior, logo tentativas de sedução e obviamente assédio não são permitidas. Acho que esta prática é o procedimento correcto.

O agressor tinha responsabilidades na organização superiores às da Vera, o que a colocava à mercê das decisões dele. A partir do momento que isso acontece, toda a responsabilidade é da pessoa que se encontra num nível superior porque presume-se que foi colocada numa posição superior porque já adquiriu experiência e profissionalismo que o justifiquem. Posto isto, tem de se comportar à altura das suas responsabilidades e tem o dever de zelar pela boa reputação da instituição onde trabalha e pela segurança dos colegas. Quem não segue estes princípios devia ser sujeito a treino de ética; se mesmo com essa sensibilização não muda de comportamento, devia ser despedido. 

Há muitas coisas que são bastante simples; não é preciso inventar a roda porque isto é prática em outros países. Até aposto que há sítios em Portugal onde também se pratica; que não se pratique em universidades, que são sítios onde se molda o carácter dos alunos e se lhes incute certos valores que são desejáveis para a sociedade é revelador de uma certa imoralidade que está institucionalizada. Mas que existia já sabíamos nós.    

sábado, 1 de maio de 2021

Version 2.361

A meio da tarde hoje, tocaram a campainha cá de casa e eis que aparece uma jovem, que estava a tomar conta dos cães dos meus vizinhos, enquanto estes tinham ido à cerimónia de final de curso da filha na parte leste do estado -- nunca visitei a parte leste do Tennessee, mas disseram-me que era deslumbrante, eu acredito, até porque a Amy Butler, designer de tecidos, tem uma cabana no lago Watauga que é um sítio de sonho. O motivo da visita da Annie, a moça que tocou à porta, foi ter trancado a casa com as chaves e o telemóvel lá dentro. Telefonei à minha vizinha, mas ninguém atendeu, logo deixei mensagem de voz e enviei SMS. 

Fui à minha vida, mas a vizinha não me contactou. Passados uns minutos bate a Annie na porta outra vez porque queria saber se eu tinha tido notícias ou se podia telefonar ao namorado dela. Perguntei-lhe se ela sabia o número e disse que sim. Que extraordinário que soubesse o número do namorado de cor. Eu já não invisto nenhuma da minha memória na memorização de números de telefone.

Desta vez, fiquei a fazer companhia à moça: tentámos ver se havia maneira de entrar, ofereci-lhe um copo de água, e conversei com ela. Contou-me que estava a estudar literatura, pois adorava o período romântico inglês. Olha que giro e eu estou a ler Henry James, The Portrait of a Lady, respondi-lhe. Ainda não leu, mas gosta muito de Jane Austen. São os seus livros preferidos. E depois disse que gostava muito de poesia. 

A conversa foi mesmo como uma taça de cerejas, ia a eito e falámos de livros, carreira, cães, jardinagem... Terminou quando chegou o namorado, que vinha ansioso para a ajudar. Parecia um rapaz simpático e carinhoso, o que me agradou. Fazem um casal engraçado. 

Alguns minutos depois de eu regressar a casa, recebi uma mensagem da minha vizinha: já tinham conseguido abrir a porta e estava tudo bem. Um final feliz--como deve ser na América.