domingo, 17 de setembro de 2023

Mandem para mim!

Se vocês não querem a estátua do Camilo a abraçar a Ana nua, podem enviar para minha casa. A sala de jantar está cheia de mulheres nuas porque faço colecção e é uma ideia bastante divertida ter mulheres nuas onde se come. E para bom entendedor, meia palavra basta...

Notas:
Bem sei que alguma da arte tem vidro que reflecte, mas foi porque as peças foram compradas assim. Os que comprei sem moldura e mandei arranjar estão com vidro anti-reflexo. Só em molduras para as três peças inferiores na parede da La Femme Nue gastei quase $1500 -- bem sei que é mais do que muitos portugueses ganham num mês, mas quem vos manda eleger governos incompetentes?

Ah, a escultura de alabastro comprei na Etsy e veio da Grécia. Encontro muito pouca coisa portuguesa por lá, mas já comprei uns tapetes.

Pois é, ensanduíchado entre os dois livros de fotografia do Richard Avedon estão dois livros do Tito Mouraz, fotógrafo português que eu adoro!

Sim, sim, a escultura por cima dos livros é parecida com uma gata, mas também é uma mulher nua porque cada um vê o que quer.

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Por acaso, aconteceu e correu muito bem

A minha cabeleireira habitual cortou um dedo num prato partido, logo não me podia atender este mês. Lá fui ver se a Ulta tinha vaga no salão, apesar de já lá não ir há um ano. Deixei de ter paciência para pintar o cabelo em casa, é o que é. Também está na moda não pintar o cabelo, mas ainda não entrei nessa onda. Quando frequentava a Ulta com mais assiduidade, costumava marcar com uma senhora que até tinha ascendencia portuguesa, pois a família era de Macau. Depois ela mudou-se para a Califórnia porque o filho queria-a mais próximo dele, e deixei de ter alguém regular por aquelas bandas. Dixei de lá ir depois de ter sido atendida por um senhor de cujo serviço não gostei. Para além de ter mau hálito, era um bocado trapalhão e não me lavou bem a cabeça e não tirou a tinta toda, nem foi muito exacto a aplicar o produto em redor da cara, logo fiquei toda manchada.

Não tinha má impressão dos cabeleireiros homens, pois os anteriores que tive foram todos espectaculares, mas deixou-me pausa esta má experiência. Tentei marcar desta vez com uma mulher, mas a primeira que tentei não trabalhava no fim-de-semana; passei ao nome seguinte da lista que era um homem e tinha vaga para Domingo, o que para mim era perfeito, mas fiquei um bocado reticente, a pensar que podia ser mais outra má experiência.

Chegou o dia da minha consulta e à hora marcada fui ao balcão informar que já tinha chegado. O meu cabeleireiro mandava avisar pela recepcionista que ia chegar 10 minutos atrasado, mas na realidade o atraso foi de uns 20 minutos. Deram-me a garrafinha de água de praxe, e eu esperei. Quando chegou fiquei surpreendida que fosse um senhor negro, dado que nunca tinha visto um a trabalhar lá. Ainda por cima, constatei que eu nunca tinha sido atendida por uma pessoa de cor. Nunca me tinha calhado até então.

Perguntou-me qual a receita da minha cor e, realmente, a senhora que eu costumava ver tinha-me enviado a receita, mas não a guardei--também não a apaguei, mas a mensagem foi apagada nas limpezas de rotina para poupar memória ao telefone. Não me preocupou muito porque eu sabia que a receita também estava no sistema informático da Ulta e disse-lhe que estava no computador. Levou algum tempo, mas lá apareceu com ela, só que não a percebeu, não sabia que produtos usar, e havia uma cor que não estava em stock. Telefonou a outra cabeleireira a perguntar o que fazer e ela deu-lhe instruções, mas ele estava bastante ansioso acerca de toda a situação, a modos que eu também fiquei com uma boa dose de paranoia--e se ele me frita o cabelo? E se me deixa metade do cabelo por pintar? Etc.

Finalmente começou a pintar-me o cabelo e ficou muito surpreendido com a minha cabeça por ter tantos brancos -- que na verdade são prateados e brilham ao sol -- dado que eu era tão jovem. Ah, bom, o primeiro apareceu aos 25 anos e eu já não sou muito jovem, já tenho mais de 50. A sério, dizia-me, não me dava mais de uns 30 e poucos. Agradeci-lhe o elogio, apesar de achar que os meus 30 foram uma grande seca. Durante a aplicação foi bastante cuidadoso e muito exacto, a modos que não fiquei com a testa toda suja. Esperei os 45 minutos de praxe, durante os quais li a The Atlantic.

Quando me lavou a cabeça esfregou-me muito bem o couro cabeludo e ensaboou duas vezes. Depois aplicou um creme hidratante e esperou 5 minutos até enxaguar. Não gosto nada quando aplicam o amaciador e depois enxaguam logo a seguir, sem esperar que actue. Achei que a maneira como ele me lavou a cabeça foi das melhores que já tive e senti o couro cabeludo bastante limpo e sem vestigios de tinta.

Passámos à parte de secar o cabelo, mas eu trato o meu cabelo tão mal, devido ao uso de elásticos para fazer totós, que as pontas estavam bastante espigadas. Perguntou-me quem é que me aparava o cabelo e quando é que tinha sido a última vez (ele pensava que era eu, porque estava tão desnivelado). Na verdade, já nem me lembrava da última vez que tinha pedido para me darem um corte de manutenção, mas se ele quisesse e pudesse cortar, eu agradecia. Lá passou ao corte e ficou bastante bem, com um escadeado muito natural.

Conclusão, apesar dos solavancos com a progressão do serviço, o produto final foi excelente. Espero que fique no salão por bastante tempo porque eu gostaria de o ver novamente.

segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Joaquim Feio (1952-2023)

Mutatis mutandis, faço minhas as palavras do Fernando Alexandre no Facebook:

Foi com o Professor Joaquim Feio que tive algumas das melhores aulas de Economia na FEUC. Nas aulas de História de Pensamento Económico, uma opção a que assistíamos uma meia dúzia de alunos, dizia-nos que as aulas dele eram uma espécie de BBC, canal cultural. A aula sobre fisiocracia foi uma das melhores aulas a que já assisti. Foi com ele que conheci Albert Hirschman ou Peter Drucker - por causa dele li uma fascinante autobiografia de Drucker. Sobre Keynes, que idolatrava, aprendi muito dentro e fora das aulas, dado que o Professor Feio partilhava generosamente o seu enorme conhecimento com os alunos que nele estivessem interessados. Tive também o privilégio de ter longas conversas com ele, com as quais muito aprendi sobre economia e sobre muitos outros assuntos. Uma das pessoas verdadeiramente cultas com que me cruzei na academia e muito importante na minha formação. Foi com muita tristeza que tomei conhecimento da sua morte.

sexta-feira, 1 de setembro de 2023

A americana é do piorio

Dizia um nosso ilustre leitor, há uns posts atrás, que a Rita portuguesa era mesmo bem portuguesa porque se tinha atrasado na submissão do forumulário de IRS. Coitadinha da Rita portuguesa, uma santinha, ou não tivesse ela o nome de duas, que até doente tentou entregar a tempo, mas a página de Internet da AT levou-a pelos maus caminhos. Mesmo assim só entregou com horas de atraso.

Já a Rita americana em vez de tratar dos impostos a tempo e horas, que este ano até era a 17 de Abril, porque o tradicional dia 15 calhava no Sábado, andou a engonhar e, uns pares de dias antes, enviou um email para o seu contabilista a pedir para entregar um pedido de extensão do prazo. Depois levou meses a tratar da coisa. Só tratou no último dia de Julho e foi porque o contabilista lhe disse que era melhor tratar antes de ele ir de férias, senão ela tinha esperado até Outubro, quando terminasse o prazo da extensão, preguiçosa como é, só faz aquilo que lhe agrada. Como hoje.

Hoje, quinta-feira, dia do relatório semanal das exportações agrárias americanas, que sai às 7:30 da manhã, a Rita americana já estava em frente do computador minutos antes, até porque também sai, à mesma hora, o mapa de monitorização da seca. É um dia espectacular, com tanto número e mapas coloridos com que brincar. Então a Rita americana passa o dia inteiro a pastorear números e a enviar emails e mensagens com quê, perguntam? Ora, mais números.

Já passava das 17:30 quando a Rita americana se apercebeu que já ia além da hora de terminar o serviço, mas que felicidade! E ainda estava esperta que nem uma alface salpicada de gotas de orvalho, aliás, pensava ela que ainda nem eram 15:00. Os olhos já estavam cansados e secos, as pernas precisavam de dar um esticão, mas a Rita americana insistia que não: ainda era preciso processar mais outro relatório, o da CFTC que saiu à tarde, e enviar mais um email à equipa a pedir comentários para o relatório que vai ser finalizado no Domingo de manhã -- é ao Domingo para ter a informação meteorológica mais actualizada para a próxima semana. Há quem vá à missa, a Rita americana vai ao Microsoft PowerPoint, o que dá no mesmo.

Por ano, a Rita americana tem direito a duas semanas de baixa médica, mas na semana dos impostos portugueses, quando estava febril e quase a delirar, não tirou sequer uma hora. E férias? Tem direito a 4 semanas de férias por ano (20 dias úteis), mais dois dias por motivos pessoais, e ainda só tirou 4 dias e meio o ano inteiro. E as férias de Setembro, que estava a planear fazer, a Rita americana já as adiou até Outubro, mas ainda nem sequer comprou o bilhete de avião. Ao menos, quando chegar a Outubro, já não terá de entregar os impostos.

É do piorio, a Rita americana. Só faz o que lhe dá na telha e não tem vergonha de andar sempre a adiar coisas.

domingo, 27 de agosto de 2023

Quarta-feira, depois do almoço

Foi na Quarta-feira, depois do almoço, que morreu a K. aos 94 anos. Na Quinta-feira à noite recebi o e-mail da minha vizinha onde me dizia que decerto eu já tinha ouvido da sua morte, mas eu ainda não sabia. Eram melhores amigas não porque tivessem sido melhores amigas, mas porque as duas eram as últimas sobreviventes do seu círculo de amizades. Agora resta apenas a minha vizinha que está triste por ser a última, mas o plano é chegar aos 100 anos porque um vizinho lhe deu uma garrafa de vinho caro e ela quer bebê-la na celebração--falta ano e meio.

Os últimos meses foram difíceis. Costumavam telefornar-se diariamente, mas a K. já estava esquecida e contava à minha vizinha coisas que ambas sabiam porque as tinham vivido. A minha vizinha ficava frustrada e dizia não saber o que se passava, que estava preocupada com a amiga. Já para o fim, a K. queria falar com ela, mas ela não sabia se a devia ir ver porque, há muitos anos, alguém das relações delas estava a morrer e a K. não achava bem que fossem visitar a pessoa. Para tentar resolver o impasse, disse-lhe que obviamente que tinha de ir, dado que a K. a queria ver.

A última visita correu bem, falaram quase 45 minutos e a K. estava lúcida, mas com bastantes dores e durante o tempo inteiro não se tinha mexido. Inquiri do porquê de não a mudarem de posição, dado que estando deitada ia ficar com feridas no corpo. "Rita, não interessa se ela terá feridas ou não. Ela já não vai melhorar." respondeu-me. A K. estava pronta para morrer, dizia que queria paz. Quando se despediram, a minha vizinha agradeceu à K. a sua amizade, ao que ela retorquiu "You're welcome." Riram-se porque era uma resposta tipicamente à K. Qualquer outra pessoa teria reciprocado o sentimento, mas ela não estava para essas coisas.

Quando conheci a K. e ela soube que era de Portugal, declarou-se a fã número um do António Lobo Antunes. Adorava os seus livros e já os tinha lido várias vezes--era uma leitora voraz. Também gostava muito de José Saramago, especialmente do livro "All the Names" ("Todos os Nomes"), que a vi mencionar a várias pessoas. Por sugestão dos leitores da DdD, recomendei-lhe os livros do Gonçalo M. Tavares que comprou imediatamente e leu. O último livro que lhe sugeri foi "Empty Wardrobes" (Os Armários Vazios") da Maria Judite de Carvalho: assim que lhe falei dele foi à Amazon e encomendou.

Eu e ela partilhamos o mesmo dia de aniversário, mas com 43 anos de diferença. No ano em que nasci, calhou o nosso aniversário ser à Quarta-feira, e eu apareci depois do almoço.

quinta-feira, 17 de agosto de 2023

Claro que mudou

Tenho acompanhado com alguma surpresa a discussão em torno do estado da nação. Os diagnósticos feitos são os mesmos de sempre: (a) situação demográfica má e agora pior devido ao aumento da emigração; (b) carga fiscal elevada; (c) fraca produtividade do trabalho; e (d) salários baixos. A única coisa que mudou no discurso é que agora a taxa de desemprego está a níveis baixos. Como receita de crescimento, os de Esquerda propõem aumentar despesa em educação e saúde e os de Direita receitam uma descida de impostos, como se essas coisas tivessem valido ao país no passado.

Em Junho deste ano, a Universidade do Porto publicou um estudo acerca da economia não registada em Portugal, no qual se estimava que tivesse atingido 34,37% do PIB. Se isto é verdade então o problema não é tanto os impostos serem muito altos, mas sim haver uma parte significativa da população que consegue escapar a pagar impostos, logo a carga fiscal acaba por ser concentrada em menos contribuintes. A conclusão do estudo é curiosa: a solução está em

"que o governo tome medidas adequadas e abrangentes para tornar a economia oficial mais atrativa e competitiva – face à ENR, mas também face aos países concorrentes –, de um modo geral, para que as pessoas (trabalhadores e empresários) não tenham de recorrer à ENR para obter níveis de rendimento mais condignos ou até mesmo emigrar (deslocalizar, no caso das empresas)”, destaca Óscar Afonso, autor da investigação e diretor da FEP."

Fonte: UP

Ou seja, o crime compensa e quem não paga pode continuar a não pagar. Ainda por cima, o estado gastou mundos e fundos a desenvolver uma Autoridade Tributária das mais sofisticadas do mundo e, no final do dinheiro gasto, serve apenas para assediar quem já paga impostos. Ainda por cima, ironicamente os contribuintes é que suportaram o custo de um sistema que os persegue e que não consegue apanhar quem não paga. Ironicamente, se a economia paralela fosse declarada, Portugal teria um rácio de dívida pública-PIB mais baixo e haveria mais receitas fiscais para amortizar a dívida e até para melhorar a qualidade da saúde e da educação pública em Portugal. E sendo uma economia de menos risco, também poderia conseguir financiar-se a custos menores.

Onde é que está a economia paralela ou não registada e quem são as pessoas que afinal até são bastante produtivas para gerar mais de 34% do PIB registado? O estudo acha que é uma economia de vícios: corrupção, branqueamento de capitais, fraude, etc., mas acho este diagnóstico suspeito. Se eu tivesse que sugerir a área que aumentou bastante de actividade recentemente e que provavelmente uma parte significativa vive à margem, diria que é a economia digital, especialmente através das redes sociais, o que nos leva a outra ideia.

Portugal já tinha grande tendência para a economia dos biscates e agora, na era dos influencers, condutores de Uber, senhorios da Airbnb e do Instagram, personal coaches, etc., ainda tem mais e por isso o desemprego baixou -- não só em Portugal como noutros países. Não é verdade que a economia portuguesa não tenha mudado, mudou bastante e até se internacionalizou ainda mais. Basta participar nos workshops de influencers portugueses para encontrar pessoal a assistir que está espalhado por todo o mundo.

terça-feira, 25 de julho de 2023

Os narizes grandes e tortos

O primeiro jantar de Dallas nas minhas últimas férias foi no restaurante Paradiso, no bairro de Bishop Arts. Sentámo-nos no bar no interior do restaurante, mas estava tão cheio que para além do barulho que nos forçava quase a gritar para manter uma conversa, não me senti muito à vontade na nossa era covídica. Quando chegou a altura para nos sentarmos na mesa de jantar, fui da opinião que devíamos ficar no jardim, que eu adoro. Ao final da tarde, as melgas estavam que nem melgas, mas assim que o sol se pôs desapareceram e deu para apreciar o quão agradável a noite estava.

Eramos quatro nessa noite porque uma não fez a viagem e a outra só chegaria no dia seguinte. A conversa estava animada e a minha companheira de quarto parecia super-feliz. Quando estava a ler o menu tirei-lhe uma foto de perfil porque gostei de a ver e também "tínhamos" de partilhar as fotos do que estavamos a fazer não só com as duas do grupo que não estavam lá, mas também com a minha antiga vizinha de Houston, a tal que tem 98 anos, e a sua melhor amiga que, por coincidência, faz anos no mesmo dia que eu.

Quando viu que lhe tirei a foto, ficou chateada. Não gosta que lhe tirem a foto porque fica mal em fotos e tem o nariz grande. Nunca me tinha apercebido que o nariz dela era grande, aliás achei que a foto tinha ficado muito gira. Dei às outras amigas para apreciar e toda a gente concordou que a foto estava boa, mas a amiga do nariz discordou e disse-me que eu não entendia porque era gira ("cute"), etc.

Então mencionei que o meu nariz não era simétrico porque as minhas narinas não têm o mesmo tamanho. Acrescentei que como eu, que me vejo ao espelho todos os dias, demorei quase 50 anos a aperceber-me que o meu próprio nariz tinha "problemas", deduzi que o risco dos outros repararem era muito pequeno. A minha conclusão é muito falaciosa porque, logo a seguir, uma das outras amigas disse que eu tinha o nariz torto. E realmente tenho o cano do nariz com um bocadinho mais de osso de um lado do que do outro. Com a constatação que o meu nariz é torto ficou a situação ultrapassada e pudemos finalmente ficar felizes com a foto que despoletou toda esta conversa.

sexta-feira, 21 de julho de 2023

Leituras de verão, etc.

Em Junho, quando fui passar uma semana ao Texas, calhou ouvir na ida o podcast The Literary Life, que tinha uma entrevista com a Anne Berest acerca do seu livro novo, de título "The Postcard", dado que a tradução americana acabou de ser publicada nos EUA. Adorei a entrevista e, quando passei por Houston, aproveitei para ir à Livraria Brazos, uma livraria independente, comprar uma cópia. A Anne Berest é de ascendência judia e o livro relata muito do que aconteceu à sua família durante a Segunda-Grande Guerra Mundial e o período que a antecedeu, mas também tem coisas mais recentes.

Não sei se posso classificar isto de coincidência, mas na Segunda-feira de Juneteenth, uma das minhas amigas insistiu em passar pelo Museu do Holocausto e Direitos Civis de Dallas. Apesar de eu já ter visitado várias vezes o Museu dos Direitos Civis de Memphis, que fica no Motel Lorraine, onde o Martin Luther King, Jr. foi assassinado, nunca tinha ido a um Museu do Holocausto para ver uma colecção permanente porque sempre achei que iria ser demasiado triste. Tinha ido só ao Museu do Holocausto de Houston quando mostraram o filme sobre o Aristides Sousa Mendes, mas só para ver o filme e a palestra que se seguiu. (Valia bem a pena fazer uma versão nova deste filme. É um projecto que calharia bem na Netflix.) Reticentemente, acedi a ir com a minha amiga.

O museu de Dallas está mais focado para a parte do que aconteceu politicamente e militarmente na Europa, numa visão mais macro. Não há muitas histórias de pessoas específicas, mas há uma instalação em que podemos entrevistar um sobrevivente dos campos de concentração através de um holograma da pessoa. Isto porque entevistaram os sobreviventes e fizeram 1000 perguntas a cada um. Depois quando fazemos uma pergunta, há um algoritmo que selecciona a parte do seu testemunho que serve melhor de resposta.

A sobrevivente que nos calhou era uma senhora que foi violoncelista e tinha tocado na orquestra do campo de concentração -- foi isso que a salvou. Tinha uma disposição muito pragmática e era uma pessoa muito directa. Uma das perguntas que lhe fizeram foi o que ela diria a pessoas que negam o holocausto e ela responde que é preciso ser muito estúpido para negar uma coisa que está tão bem documentada. Depois quando visitei Houston decidi ir ao Museu do Holocausto sozinha. Esse museu tem uma perspectiva mais micro e é dedicado à história oral dos sobreviventes que foram para Houston. Também tem uma pequena cabine onde se pode entrevistar um sobrevivente vendo-se a pessoa por um écran.

Não foi planeado, mas tenho dedicado este verão a este tema e terminei o livro da Anne Berest, que tem mais de 400 páginas, muito rapidamente. Talvez agora esteja mentalmente preparada para a obra de Eli Wiesel. E como não vos posso oferecer um livro, deixo aqui a entrevista da Anne Berest. Vale bastante a pena.

sábado, 8 de julho de 2023

A produtividade da função pública

Há uma semana, depois de várias tentativas, consegui submeter a minha declaração de IRS. Foi azar estar doente e ter adiado para o último dia e a AT decidir sugerir que eu precisava de uma chave digital, o que me destrambelhou por completo, quando me bastava a palavra-chave de acesso à conta da Autoridade Tributária, como tem sido em anos anteriores, para além de que Sextas-feiras são um dos dias mais ocupados no meu trabalho e eu trabalho até às 17 horas, que são 23 horas aí. Desde 2008 que cumpro as minhas obrigações fiscais a tempo e horas em Portugal e fico chateada quando falho nestas coisas.

sábado, 1 de julho de 2023

Um país com imensa piada

É Sexta-feira, dia 30 de Junho, o que quer dizer que é altura de entregar o IRS. Tinha planos de o fazer mais cedo, mas fiquei doente esta semana e atrasei-me, então deixei para o último dia. Só que não dá para entregar porque é necessário autenticar não sei o quê e ninguém me disse que tinha de tratar da autenticação.

Antes de chegar a essa parte, houve uma situação gira. Eu faço uma contribuição mensal para uma organização com fins não lucrativos em Portugal e essa contribuição é declarada à AT que a mete no anexo H. Quando tentei submeter a declaração de IRS disse-me que por eu não ser residente não tenho direito a essa dedução no IRS. Claro, direitos não tenho, apenas obrigações e agora nem essas me deixam satisfazer.

Fui ao meu email ver se tinha recebido alguma correspondência electrónica da Autoridade Tributária a aconselhar-me a tratar da autenticação, mas não encontrei nada. Também não recebi nada do meu procurador fiscal nesse sentido. Estranhei porque há uns anos era frequente receber correio electrónico da AT a mandar-me ir limpar as matas que eu pudesse ter em Portugal. Claro que não tinha matas nenhumas, mas a AT decidiu errar por excesso de zelo, não fosse eu esquecer-me das matas que não tinha.

Não pensem que sou completamente desleixada porque, em 2015, comprei uma maquineta para o meu cartão de cidadão, que nunca funcionou com o PIN que me deram. Para além de que era preciso um software que tinha de instalar no computador e isso já lá vão três computadores. Aliás, o computador onde estou a escrever agora nem sequer tem porto USB para ligar a dita máquina que não funciona.

Chateia-me muito que o governo português trate os portugueses tão mal, mas não é culpa do governo que haja um punhado de portugueses que vote em gente tão medíocre para os governar. Também fico chateada com os partidos da oposição que nem sequer chegam a ter votos para governar porque são incapazes de apresentar um plano eleitoral coerente e, sejamos honestos, quando os que lá estão são tão maus, não é muito difícil pensar em como fazer melhor. E fazer melhor não é andar a assediar minorias, nem a imaginar que mais causas sociais estão nos extremos que possam ser adoptadas. Mas estou a digressionar.

Não é muito claro em que século é que Portugal está. Por um lado, tem um sistema fiscal todo XPTO a fazer de conta que vive no século XXI, mas para se tratar de alguma coisa, é preciso deslocarmo-nos presencialmente, como se ainda vivessemos nos séculos XIX e XX. A modos que eu, supostamente cidadã portuguesa, não tenho os documentos em dia porque tenho de ir presencialmente a um consulado, sendo que o que trata de mim está a mais de 12 horas de carro. Mesmo que queira lá ir, é preciso marcar vez com muita antecedência porque não há empregados suficientes para dar vazão ao serviço.

Há anos, o PR Marcelo disse que o governo tinha de normalizar a situação dos emigrantes para exercermos a nossa cidadania e facilitar a participação no processo democrático português, mas desde então nenhum progresso foi feito, ou seja, os nossos direitos constitucionais foram revogados. Isto acontecer sob um PR que foi professor de Direito Constitucional não deixa de ter imensa piada.

P.S. Voltei a tentar o processo de autenticação, mas parece que não existo para ser autenticada. Nesse caso, dá para eu não pagar IRS, nem IMI? Piadas à parte, não sei como vou descalçar esta bota. O melhor é enviar um email aos senhores autoritários da tributação.

domingo, 25 de junho de 2023

Barco de Esperança

Reencontro-me a arrumar a biblioteca que recebi do meu pai. Não tinha acabado na tentativa anterior, porque não tinha paredes suficientes para tantas estantes de que precisava. Vai daí, optei por uma solução radical, dividir uma divisão grande em duas recorrendo a estantes feitas à medida que fazem de parede divisória. Livros de um lado e do outro.
E lá estou eu de volta às memórias que alguns livros me trazem. Entre as dezenas ou centenas de livros que hoje passaram pela minha mão, estava a “Filha do Labão” de Tomás da Fonseca. Abro o livro e percebo que o meu pai o leu, e usou, enquanto combatia na Guerra da Guiné. Com certeza que à falta de um caderninho de apontamentos, o meu pai recorreu à primeira folha do livro, que estava em branco, para escrever a primeira versão de um poema. O Barco da Esperança Assisti a este método algumas vezes: vinha-lhe um poema à cabeça e tinha logo de tomar nota. Faltava-lhe confiança na memória. Muitas vezes o vi fazer isso em guardanapos nos cafés, ou em toalhas de mesa de papel. 
Aquela versão de 6 de agosto de 1965, em Bissau, terá sido a primeira versão. Tem algumas emendas e acaba por ser razoavelmente diferente do poema que acabou por ser publicado, já mais depurado e trabalhado, e que reproduzo a seguir.

A primeira vez que tive consciência deste seu processo mental foi numas férias na Praia de Mira. Passeávamos à beira mar, com o meu pai bastante calado, muitas vezes parecendo contar pelos dedos. Contava as sílabas métricas dos versos dos poemas que ia fazendo. Quando alcançava um resultado digno de impressão, perguntava-me se queria um gelado e íamos ao café mais próximo comprá-lo, onde pedia por uma esferográfica e uma folha de papel, às vezes, o tal guardanapo, para anotar a sua criação. 


quarta-feira, 3 de maio de 2023

Um Narciso desdentado

Pela terceira vez desde que saí de Portugal, já não vou aí há quase cinco anos. A última vez que aí estive foi em Junho de 2018. Ultimamente tenho pensado que preciso de aí, mas o caos em que o país se encontra é bastante desmotivador. A seguir ao 25 de Abril de 1974, quando Portugal estava no limbo, Mário Soares era considerado "the only game in town" na óptica de Frank Carlucci, mas à medida que Soares envelheceu, o PS foi-se deteriorando. E como o PS governa 75% do período do século XXI, Portugla vai pelo mesmo caminho.

Talvez eu esteja enganadam mas penso que dificilmente Mário Soares se reveria na máquina de poder em que o partido se tornou. Apesar de tudo, Mário Soares era um homem de ideais. O PS de hoje nem serve para ideais, nem sequer para ideias. E, prova que caiu um santo do altar, chego à conclusão que até José Sócrates, um enorme canalha e aldrabão, foi melhor Primeiro-Ministro do que António Costa.

Sócrates falhou na execução, certamente de propósito, mas não se pode dizer que o país não vivesse uma época em que se notava que havia um poder executivo com ideias que, se bem executadas, poderiam vir a dar frutos. O PS de hoje não tem isso, existe apenas para servir os interesses de quem está filiado no partido. Não seria muito díficil fazer oposição a um partido que desceu a tão baixo nível, no entanto não há oposição em Portugal.

Mesmo quando os partidos falham, a CRP contempla o papel de um Presidente que pode intervir no sentido de evitar que o país vá por um caminho errado. Pensar-se-ia que, estando Portugal no imbróglio em que está, com a qualidade da democracia em queda livre e a rápida deterioração das instituições, ter uma pessoa na Presidência da República que foi professor de Direito Constitucional seria uma previdência do destino: quem melhor para garantir que a Constituição e os interesses da República seriam salvaguardados?

Em vez disso, MRS prefere o papel de Narciso que se entretém a olhar para a sua figura, a admirar a sua beleza, à medida que se tornou desdentado e muito àquem de conseguir roer a noz que lhe é servida. Agora está bem lixado se não se apressar. Para além do país estar completamente em (des)governo, as pessoas que levaram a República a tal estado estão no processo de rever a Constiuição, o tal documento que dá a MRS os poderes que ele não quer usar. Por quanto tempo os terá?

quarta-feira, 26 de abril de 2023

Ser livre é...

Antes da mini-crise financeira que assolou os EUA e a Europa há um mês, na conversa semanal com as minhas amigas americanas mencionei que não iria votar em Biden uma segunda vez (talvez se a alternativa a Biden for Trump reconsidere, mas acho improvável que Trump consiga avançar muito). Caiu o Carmo e a Trindade em cima de mim. O Biden é tão bom presidente, está tudo óptimo, o que é que eu poderia apontar de mal ao homem, que na ideia delas era o melhor para o país...

Se o país depende do futuro de um fulano com 80 anos, o país está tramado; se um país com 330 milhões de pessoas não tem centenas, e talvez milhares, que possam ser tão ou melhores do que Biden, então o país entra em colapso daqui a cinco anos porque ele só teria no máximo mais um mandato. Mas deixemos a estatística de lado e passemos ao meu rol de queixas.

A primeira é que não me esqueci que votei nele contrariada porque preferia que tivesse sido outro candidato, ou melhor, eu quero mesmo é uma candidata. Mas as minhas amigas, que são muito feministas e anti-patriarcado, advertem-me que uma mulher não é viável porque não é elegível e o que importa é ganhar. Para mim, ser contra o patriarcado e preferir o Biden a qualquer outro candidado é incongruente.

Quanto ao desempenho dele como presidente, acho-o melhor do que o Trump, mas mesmo assim mau. A saída do Afeganistão foi desastrosa. O pacote fiscal para lidar com a pandemia contribuiu para a aceleração da inflação e o aumento da dívida pública. A questão do acesso das mulheres a cuidados reprodutivos é pior agora do que com o Trump, apesar de Biden ter tido maioria no Congresso--não me venham falar do SCOTUS porque se as coisas andam no SCOTUS é porque os Democratas se recusaram a legislar sempre que tiveram maioria absoluta. A economia tem tido um bom desempenho, mas não considero que seja devido às políticas de Biden. Para além disso, a economia de Trump também foi boa antes da pandemia e a recuperação da pandemia iniciou-se com Trump, Biden apenas apanhou um processo em andamento.

Eu percebo que haja pessoas que olhem para a política e achem que a melhor maneira de servir o país onde vivem é votar sempre no mesmo partido ou nos canditados sugeridos pelo partido, mas na minha cabeça querer que o mesmo partido tenha sempre o poder não é democracia, é ditadura partidária.

Evitei o Zoom semanal durante umas semanas e, quando regressei a conversa tinha mudado para as questões de censura, em especial por causa de um livro que tinha sido banido em algumas escolas. Era uma questão de liberdade de expressão, dizia uma das minhas amigas. Eu achei que não porque havia conteúdo que seria razoável não ter nas escolas, logo há excepções à liberdade de expressão. E depois, o livro foi publicado e pode ser comprado, logo a liberdade de expressão do autor foi respeitada. Enquanto em tentava argumentar que não achava a liberdade de expressão um bom ataque ao sucedido, a minha amiga foi-se embora da conversa.

Afinal, quem sou eu para pensar que sou livre de exprimir a minha opinião e continuar a ter uma audiência?

domingo, 23 de abril de 2023

Ainda o Boaventura

Durante a minha licenciatura em Economia na FEUC, o nome e a pessoa de Boaventura de Sousa Santos apareceu frequentemente. Nos idos anos 90, ele era capaz de ser a estrela não só em termos de sucesso académico, como didático, dado que os seus estudantes gostavam bastante das suas aulas. Houve algumas vezes, em que vi salas de aulas que tinham as mesas fora do sítio, tendo sido configuradas em forma de O quadrado, e soube que tinha sido por causa dele. A ideia, explicou-me uma aluna, era ter uma forma mais egalitária de ensinar, em que o professor não fosse colocado num pedestal a olhar para os alunos sentados. Nós de economia, que tinhamos professores que nos ensinavam de forma tradicional, eramos uns seres menores. Nunca ouvi ninguém dizer que ele se aproveitava das alunas então.

Recordo-me de uma vez ver o BSS passar pela faculdade todo vestido em couro preto, até a boina. Era über-cool, o homem, naquela altura com uns 50 anos. O texto dele "Um Discurso sobre as Ciências Sociais" fazia parte do nosso currículo de Introdução às Ciências Sociais. Infelizmente, nunca consegui ler aquilo. Sempre que tentei, mal passei das primeiras páginas e até é uma coisa que eu tento ler de vez em quando porque trouxe o livro para cá, mas não dá. Quanto às mesas e cadeiras, tê-las alinhadas à frente de um professor que nos ensina de pé, dá perfeitamente para eu aprender. Aliás, nem eu queria ser igual aos meus professores, prefiro pensar que naquela altura eles estavam bastante acima de mim e por isso havia bastante a aprender deles. Mas agora com estas acusações de assédio, não consigo tirar da cabeça que se calhar ele metia as mesas assim para ver as pernas da alunas, dado que a maioria eram mulheres.

Que estas acusações viessem agora à luz não me choca, mas o que me fez cair o queixo foi a carta que ele escreveu, a tal de sete páginas, onde na primeira menciona o "mau comportamento" de uma das investigadoras, que identifica pelo nome. Os processos disciplinares são coisas internas de uma organização e não são informação pública, até porque, por poderem manchar a reputação profissional de alguém e terem consequências a longo prazo, devem ser matidos em sigilo para não dar aso a processos em tribunal. Um processo disciplinar não é uma situação equilibrada, pois a pessoa que está a ser sujeita ao mesmo tem muito menos poder do que a organização. O comportamento de BSS demonstra mesmo isso, ele acha que pode e manda e faz o que lhe dá na telha.

O único factor redentivo do homem é que as suas alunas finalmente interiorizaram o que ele ensinou e fizeram-lhe frente.

quarta-feira, 12 de abril de 2023

Entretenimento

Interrompo o entretenimento nacional de decidir onde será o próximo aeroporto através de consulta pública -- ou será concurso de popularidade do governo?, talvez um ersatz de eleições dado que hoje em dia as sondagens já não são tão fidedignas e, para além disso, já temos vasta experiência de que estudos de benefício-custo para informar obras públicas durante governos socialistas valem menos do que papel higiénico -- para vos informar de uma mini-série muito interessante que está disponível na Netflix, que se chama Transatlantic. O tema é o trabalho de Varian Fry em França para salvar pessoas durante a Segunda Grande Guerra Mundial. Foi através dele que grandes personalidades intelectuais conseguiram escapar aos nazis, como André Breton, Max Ernst, Hannah Arendt, Marc Chagall, etc.

É mesmo entretenimento, dado que a história é ficionalizada, apesar de ter algumas partes que são baseadas em factos históricos e as personagens serem baseadas em pessoas reais, mas as relações entre elas serem ficionalizadas. A Netflix disponibilizou um pequeno documentário sobre a produção da série que vale a pena ver também.

Alguns pontos interessantes é que a série critica as grandes potências de então e faz alguma equivalência com o que se passa actualmente em termos de política de refugiados na Europa e no mundo. Depois eu não conhecia a história de Varian Fry, nem de Mary Jayne Gold, mas já estive a ver uma entrevista dela para a história oral do U.S. Holocaust Memorial Museum e fiquei mais educada acerca do assunto.

Finalmente, Lisboa e Portugal saem com uma reputação bastante boa, dado que Portugal não só não é criticado, como é visto como um porto seguro numa altura bastante conturbada da história mundial. Claro que nós portugueses sabemos a verdade de que o regime tinha bastante simpatia para com os alemães. Que o diga a família de Aristide de Sousa Mendes, cuja história daria uma óptima série da Netflix, apesar de já existir um filme menor sobre o assunto. Estima-se que Aristides de Sousa Mendes tenha salvado umas 30 mil almas. Varian Fry salvou cerca de 2000 e Oskar Schindler, cuja história inspirou o filme do Spielberg, umas 1300. Parece que o tratamento cinematográfico é inversamente proporcional ao número de sobreviventes.