sexta-feira, 22 de novembro de 2024

A queda de dois anjos

A ilusão que Biden era um dos melhores presidentes dos EUA que tinha uma economia a bombar, o mercado accionista a quebrar records (bateu 50 records até 8 de Novembro, a sério!), etc. dissipou-se na bruma, tal qual um D. Sebastião. Afinal, dizem alguns, aquele bocadinho de inflação foi fatal, mas isto merece um pequenino à parte.

(Quem andou em economia há 35 anos, deve lembrar-se daquela ideia de que nos EUA havia pouca tolerância para desemprego por causa da Grande Depressão nos anos 30 do século passado e, na Alemanha, havia pouca tolerância para a inflação por causa da hiperinflação da República de Weimar há 100 anos. Por isso nos EUA, o mandato da Reserva Federal era duplo, desemprego e inflação, enquanto que o mandado do ECB, que foi bastante moldado pelas preferências alemãs era principalmente um de controle de inflação. Durante a presidência de Biden, o desemprego americano atingiu o nível mais baixo de há 54 anos em Fevereiro de 2023, mas agora está mais alto.)

Biden é parcialmente responsável pela inflação, dado que as políticas fiscais expansionistas que implementou quando subiu ao poder não eram necessárias numa economia em franca recuperação, mas houve um outro efeito que o eleitorado costuma dizer ser desejável, pois com estas políticas houve redistribuição de riqueza: diminuiu a pobreza infantil, reduziram a dívida de educação dos jovens, foi generoso nas políticas de imigração e muitos imigrantes sem documentos ficaram legalizados, etc. Quem agora aponta os dedos aos Democratas por não redistribuirem está enganado. Até porque muitos dos estados que votaram contra os Democratas são os que recebem mais fundos do governo federal, logo são os que mais beneficiam de ter um presidente associado ao Partido Democrata.

Quase ninguém se recorda que em 2021 e nos primeiros meses de 2022, a maior parte das pessoas não estava grandemente incomodada com a inflação; pelo contrário, por exemplo, as casas na minha vizinhança vendiam-se numa questão de horas e havia filas de carros a rondar à espera que mais fossem colocadas para venda. Os contratos de compra e venda fechavam em três semanas e achava-se normal tanta anormalidade.

Caiu finalmente a ficha em Janeiro de 2022, dias pós o S&P 500 atingir um pico máximo, quando a Reserva Federal anunciou que ia começar a aumentar as taxas de juro e, em Março desse ano, as taxas de juro subiram. O mercado imobiliário travou e o S&P 500 entrou em parafuso e e teve uma queda de 18% em 2022; a última vez que o S&P 500 tinha levado um tombo sério tinha sido em 2008, quando perdeu quase 37% depois de atingir o pico em 28 de Agosto de 2008. (Foi nesse Novembro que se elegeu o Obama.) Apesar da bolsa ter mais do que recuperado em 2023 e 2024, o sentimento de euforia não mais regressou.

A seguir a esta eleição, vislumbrou-se algum entusiasmo na bolsa com a perspectiva de Trump continuar o seu projecto de liberalização da economia, mas parece ter sido apenas um efeito especulativo temporário. Até Trump perdeu o encanto aos olhos dos capitalistas.

segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Dejá Vu

Passadas quase duas semanas desde as eleições, já estamos na fase de apatia. A primeira vez que Trump foi eleito, o choque foi bastante maior; agora apenas se sentiu a confirmação de algo de que já se suspeitava. Um dos meus vizinhos que votou em Trump dizia-me hoje que estas eleições eram prova que a América tinha uma boa democracia porque Biden teve o voto popular há quatro anos e agora foi a vez do Trump. Ou seja, vai à vez e cada lado tem pouco tempo para fazer grandes estragos.

As pessoas têm a memória curta, mas vale a pena um sumário do primeiro mandato de Trump que começou em Janeiro de 2017:

  • o Furacão Maria, em Setembro de 2017, com quase 3 mil mortos em Porto Rico, e cuja reposta foi evocativa dos falhanços do furacão Katrina em Nova Orleães durante a administração de Bush II;
  • a guerra comercial com a China iniciada em Julho de 2018, que foi uma mudança radical da política das relações China-EUA que tinha sido cultivada desde a administração de Nixon. Mas Biden continuou a política de Trump;
  • em finais de 2019 a pandemia inicia-se na China e, meados de Março de 2020, globaliza-se e acaba por dominar o resto do mandato;
  • e chegámos a Janeiro de 2021 e tivemos o ataque ao Capitólio duas semanas antes de Trump sair.

Já com Bush II também tinhamos tido uma sucessão de eventos de grande impacto, mas mais espaçados:

  • Janeiro de 2001 entra Bush e em Setembro temos o ataque de 9/11;
  • Bush invade Iraque em Março de 2003;
  • Furacão Katrina aterra em Nova Orleães em Agosto de 2005, causa mais de 1800 mortos;
  • Setembro de 2008 colapso de Lehman Brothers e crise financeira.

Neste novo mandato, claro que vamos ter mais eventos desta envergadura e, se calhar, não nos safamos só com três ou quatro. Talvez finalmente estoure a bolha das criptomoedas e quem sabe causa uma depressão económica mundial, que tal inflação acima de 10%, uma crise da dívida soberana americana, colapso do dólar, colapso da Segurança Social americana, uma nova guerra mundial, quiçá outra pandemia, perseguições e assassinatos políticos, etc. Mas também pode ser tudo isto e mais alguma coisa que me escapa.

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Cobertura das eleições na PBS

Finalmente animação!

Chegámos a 5 de Novembro, finalmente. Como a hora mudou no Domingo, decidi colocar o despertador para as 5:45 da manhã, que corresponde às 6:45 antigas. Demorou algum tempo até decidir se ia trabalhar do escritório ou de casa, mas decidi ir ao escritório. O trânsito não estava mal na direcção oeste na autoestrada, mas do outro lado tinha havido um acidente. Na minha imaginação havia a possibilidade do pessoal andar aos tiros, mas tal não sucedeu. Não é exagero da minha parte porque há bastantes relatos de situações dessas. Depois de tarde escureceu e tivemos umas chuvas fenomenais, logo pouca oportunidade para histrionices na via pública.

No trabalho chegámos a falar sobre as eleições, mas foi mais a jeito de piada do que lamento. Eu dizia que esperava que o pessoal tivesse poupanças, pois, se Trump ganha, a agricultura americana e a Segurança Social vão ao ar, mas pode-se sempre fazer dinheiro com as taxas de juro que a inflação das políticas dele irá produzir. Dá um certo calorzinho na barriga saber que quem o elege será mais prejudicado do que quem não votou nele.

E por falar em taxas de juro, em Setembro fui a Oklahoma e tive oportunidade de ir jantar com umas senhoras, algumas já reformadas, mas uma que trabalha num banco local. Dizia ela que as taxas de juro das contas a prazo e dos certificados de depósito estavam ridículas e não cobriam a inflação. Eu disse que não tinha razão de queixa, pois a minha conta de poupança tinha 4.3% de juro e o meu certificado de depósito a 12 meses tinha 5.25% (eu tenho conta no Capital One, mas até há outros bancos que tinham melhores rentabilidades). Ela disse-me que o meu banco não contava porque não era um banco regional e por isso funcionava de outra forma. Preferências--cada um usa o banco que quer. Oklahoma é completamente republicana: não há um único condado púrpura, é tudo encarnado, depois a culpa é dos azuis.

No meu Facebook, quase nenhum dos meus amigos americanos menciona as eleições e eu tenho amigos em ambos os lados. Mas há uma excepção: uma das minhas colegas do emprego que eu tinha há 12 anos, que já está reformada, é muito Republicana e ela acha que se Trump perder vai ser o fim do mundo, então de vez em quando mete uns posts a lamentar a chegada do fim do mundo. Claro que neste momento, Biden é presidente, logo se fosse para haver o fim do mundo por causa de um presidente democrata já não estaríamos aqui. E o mesmo é válido para Trump v. 2.0: sobrevivemos quatro anos, logo podemos sobreviver mais quatro e depois ele vai à vida. Claro que também há a possibilidade de o Vance o despachar para outras paragens ou até ele sucumbir à sua propria mortalidade.

De qualquer das formas, os EUA prometem que os próximos quatro anos irão ser animados.