sábado, 21 de fevereiro de 2015

Uma distinção em desuso

Há dias ouvi na TSF que os Ipod e Iphones são produzidos na China e exportados a um preço médio de 130 dólares para os EUA, que por sua vez os vendem a 490. A China tem um ganho de cerca de 5 dólares por peça, uma vez que antes tem de comprar materiais a mais de 120 dólares à Coreia do Sul, Singapura e japão. Moral da história? O grosso do dinheiro não fica para quem os produz, mas para quem os concebe, promove, distribui e vende. Numa palavra, nesta “cadeia de valor” são os serviços, e não a indústria transformadora, que geram a maior parte do valor.
No século XVIII, os economistas (os chamados fisiocratas) achavam que só a agricultura gerava riqueza porque, diziam eles, a indústria se limitava a transformar. Hoje, muita gente ainda tem dificuldade em perceber onde é que está o grosso do valor. Mesmo em indústrias como o calçado e o vestuário portugueses, a maior parte do valor é gerado pelos serviços, seja do lado da produção, seja do lado do consumo - design, marketing, publicidade, distribuição, etc. Em bom rigor, ainda fará sentido a tradicional distinção entre serviços e indústria?

2 comentários:

  1. Faz sentido olhar para a globalidade do processo produtivo e considerar a criatividade - em todas as fases - com aderência às expectativas do mercado como a maior alavanca de valor...monetário. E faz sentido discutir o conceito de valor que mais se adequa às sociedades que se querem sustentáveis.

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  2. Caro JCA,

    Fazer, faz. Nem que seja em termos de emprego gerado (os serviços, com algumas excepções, são menos intensivos em mão-de-obra).

    Mas, pegando no seu exemplo, mesmo no passado o que gerava valor não era tanto a mão-de-obra, mas antes a percepção desta. Uma peça produzida por "A" podia ter mais valor que uma produzida por "B" com o mesmo gasto de mão de obra. Bastava que fosse percepcionada como tal.

    Uma mudança que, de facto, ocorreu não foi entre indústria e serviços, mas antes a sobreposição da imagem construída dos produtos (o marketing) sobre características intrínsecas do mesmo (a qualidade / utilidade). A ideia de "marca", que surgiu a partir da qualidade do produto (a marca "x" é boa porque o produto "y" produzido por esta é bom), inverteu-se. Agora os produtos são automaticamente bons porque são produzidos pela marca (o produto "y" é bom porque é vendido por "x").

    Uma (ou "a") consequência disso é que deixou de importante quem produz e passou a ser importante quem vende. Daí que o negócio está - como disse e bem - nos serviços (design, marketing, vendas) e não na produção.

    Mas, como tudo, as coisas mudam: a própria Apple fez um alarido há uns tempos de ter Mac Pro's produzido nos EUA. A alta costura insiste em sapatos italianos (senhora) ou ingleses (homem). Os fatos "bespoke" são de Saville Row. Os carros topo-de-gama são alemães (da Alemanha) ou italianos (de Itália). Marcas há muitas e o verdadeiro sucesso de um país é conseguir transformar-se numa marca (o Japão é um excelente exemplo recente). A China, nesse aspecto, tem muito que andar.

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