sábado, 21 de fevereiro de 2015

A sabedoria popular e a falta dela em Bruxelas

Há um ditado português segundo o qual "não há duas sem três e à terceira é de vez". Depois de duas reuniões do Eurogrupo para discutir o caso grego onde nem um comunicado conjunto se conseguiu, a de ontem lá propiciou um acordo. Não sei se será exactamente um "de vez", já que daqui a quatro meses é preciso novo processo negocial. Isto se a pintura não borrar com a lista de medidas a serem apresentadas na Segunda-feira. 

A sabedoria popular portuguesa diz também que "a virtude está no meio". Eu não sou muito apologista de provérbios. Por exemplo, uma apoplexia prefiro que me aconteça nunca que tarde; e consigo ter sol na eira e chuva no nabal: basta que o nabal fique no Minho e a eira no Alentejo; e tenho quase a certeza de que as camareiras não se deitam nas boas camas que fazem. Mas, no caso concreto do confronto entre Grécia e Eurogrupo, defendo que no meio teria estado a virtude. Curiosamente, uma ideia muito aristotélica. Mas, depois de se ter afirmado kantiano, Varoufakis acabou por dizer "sim" a um acordo que lhe dá financiamento por mais 4 meses (em vez de 6), que não admite a reversão das medidas de consolidação orçamental ou das reformas estruturais, que coloca a linha de crédito aos bancos a precisar da autorização do BCE e que deixa a decisão de uma eventual flexibilização de exigência quanto ao défice primário nas mãos da Troika. Perdão!, nas mãos das "instituições", não vamos negligenciar uma das poucas conquistas gregas. 

Deve ser a mudança de termos que leva o governo grego a falar de batalhas vencidas e copos meios cheios. Como europeísta, vejo o copo vazio: pode parecer um paradoxo, mas, para a Europa ganhar, os seus Estados-membro teriam de perder a cara. E esperar que os respectivos eleitorados percebam que a escolha não é entre credores e devedores, mas entre manter ou desfazer o projecto europeu. Na colecção de provérbios gregos, há um que diz que "o corvo não tira o olho de outro corvo". Creio que o governo de Alexis Tsipras confia demasiado na sabedoria (popular) grega...

3 comentários:

  1. Sara:
    Deixou-me confuso.
    Não aprecia provérbios mas perverteu um ao serviço do seu raciocínio.
    Desde quando é que «sol na eira e chuva no nabal», quando foi criado, se enquadrava num horizonte mental capaz de pensar as condições de mobilidade do século XXI? (mobilidade, ainda assim, de muito pouco prática concretização no espaço temporal em que pode haver chuva no Minho e sol no Alentejo, se se atender às perturbações meteorológicas que se vivem).
    No final avalia o desempenho grego com outro provérbio.
    Em que ficamos?

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    1. Manuel, também não creio que o "quem boa cama fizer nela se deitará" tivesse surgido em tempos de hotelaria pujante. Que eu contrarie provérbios populares tomando-os literalmente é questão de estilo e só pretende ser piada. Não me fale de perversões, muito menos ao meu serviço.
      Em que ficamos? Ficamos no ponto em que eu concluo que os gregos assinaram um acordo que, depois de posições extremadas de parte a parte, não ficou no meio (onde estaria a virtude, de acordo com a sabedoria popular e a minha própria opinião); um acordo que deixa cair algumas das condições que teria conseguido no começo da semana, muitas das medidas que enquanto governo defendia e quase todas as que prometeu na campanha eleitoral. Mas, sobretudo, um acordo que só adia o problema, não o resolve. E, ao fazê-lo, é a própria construção europeia que, na minha opinião, sai melindrada.
      O provérbio grego que citei e que envolvia corvos traduz aquela que me parece ter sido uma premissa de Alexis Tsirpas: a de que os alemães acabariam por ceder a todas as exigências do seu governo, porque todos fazem parte de uma mesma comunidade, que agora até se chama união. Estava enganado. Se calhar não sobre o comportamento dos corvos uns para os outros, mas sobre a ideia de que somos todos corvos. Alguns serão pardais.
      Confusão eliminada?

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  2. Sara:
    Nem por isso, mas não continuemos pelo reino das confusões.
    Sabe, sobre as perdas e os ganhos, há opiniões de todo o tipo, tantas vezes não determinadas pela substância do pré-acordo mas pelos pré-conceitos que cada um de nós traz dentro de si.
    Caberá a cada um de nós fazer advogado do Diabo das suas próprias convicções (ou crenças), comparar as novas convicções que conseguir elaborar com as suas «veras» convicções e tirar as conclusões se ficou tudo na mesma, se valeu a pena o braço-de-ferro grego, se tudo teria ficado melhor sem ele.
    Tarefa difícil?
    P. S. Deixo-lhe um desafio: tendo a UE um poder de fogo tão grande comparativamente com os minúsculos e pobres países, como a Grécia, Irlanda e Portugal, p. ex., que sentido faz impor programas com medidas de austeridade para se atingir determinadas metas? Não seria mais sensato, e correcto, impor – com a mesma veemência – apenas as metas a atingir pelos países, deixando aos governos eleitos a tarefa de propor as medidas mais consentâneas com cada realidade.
    É que mesmo nestes programas troicanos muitas medidas não foram cumpridas.
    A imposição de medidas concretas não perverte o valor democrático das eleições?


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