segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Cães de baixo, ratos, e gatos

Gosto muito de ler o Clive Crook, que agora está na Bloomberg, mas antes escrevia para o Financial Times. Hoje, na sua peça de opinião, ele revela algumas das preocupações com que me tenho debatido: (1) o peso da opinião da Alemanha, (2) a forma insensível como os políticos falam das pessoas, e (3) a cegueira com que se prossegue com o mesmo tratamento, mesmo depois de este ter falhado.

Compara-se os EUA com a UE na expectativa de que a experiência europeia possa replicar a experiência americana, mas com melhores resultados para os cidadãos, isto é, construir um sistema que tenha menos tolerância com as assimetrias de qualidade de vida dos cidadãos. Acho este objectivo louvável e digno de todo o meu apoio, mas reservo o direito de discordar com a metodologia seguida. Até agora parece que o controle de assimetrias está a tender para um método de ameaça, género "ou vocês se portam bem, ou vão para a rua". Realmente, a truncação é um método efectivo para se conseguir eliminar a cauda má da distribuição probabilística.

Talvez eu me engane, mas seria impossível os EUA tratarem os estados pobres, como o Mississippi ou o Alabama, da mesma forma como a UE trata a Grécia. Nos EUA são os estados ricos que têm mais sarilhos: foi a Califórnia que sofreu por não conseguir equilibrar o orçamento; quando o furacão Sandy atingiu a Nova Jérsia, que é um estado rico, que contribui para a federação mais do que o que recebe, o governador Christie exigiu que o Congresso "get their act together" porque os cidadãos do estado dele tiveram de esperar mais tempo por um pacote de ajuda do que os cidadãos de outros estados pobres. E o governador chegou a dizer ao Congresso para ter vergonha do que estava a fazer. Uma das lições que aprendi aqui é esta: "In the US, you root for the underdog."--nos EUA torce-se pelos mais fracos. Não é mal visto ser-se fraco ou ficar numa situação fraca; o que é mal visto é estar-se numa boa posição e ter desprezo pelos fracos. Foi isto que sucedeu a Mitt Romney quando disse que "47% dos americanos é dependente do governo" e votariam em Barack Obama, logo esses constituintes não lhe interessavam. Romney foi severamente castigado pelo que disse.

Note-se que os EUA fizeram muitas coisas diferentes. Por exemplo, a capital dos EUA não fica num estado, é um distrito que não tem estatuto de estado. Os estados mais populosos não têm tanto poder como os estados menos populosos, mesmo para eleger o Presidente, pois o papel do Colégio Eleitoral é diluir o poder dos estados fortes e dar mais poder aos estados fracos. A Segurança Social é um sistema federal, isto quer dizer que os estados ricos, onde os salários são mais altos, contribuem mais em impostos e recebem menos, pois as pensões pagas aos cidadãos têm menos poder de compra nos estados ricos e mais nos estados pobres. Na primavera de 1999, quando fui a San Francisco, houve uma senhora que entrou no autocarro onde eu ia e começou a falar da vida dela: estava reformada e tinha de pagar $700 de renda por mês por um apartamento onde "os ratos eram do tamanho de gatos". Eu vivia em Stillwater, OK, nessa altura, onde um apartamento sem ratos podia ser arrendado por $230/mês. Não era luxuoso, mas era muito bom.

Parte do custo da educação nos EUA também é federal, logo há estados onde muitas das pessoas que tiram um curso superior saem do estado e vão criar valor para outros estados, mas como parte do custo de educar essa pessoa foi suportado pela federação, o estado não herda a responsabilidade financeira total. Outra parte do custo da educação também é financiada a crédito com recurso a empréstimos federais, logo o risco desse crédito é suportado pela federação. E, claro que esse individuo paga impostos para a federação sempre, mas nem todos os estados têm impostos sobre o trabalho. É tradicional os jovens americanos trabalharem part-time desde os 16 anos, logo é normal que parte do custo da sua formação seja suportada por eles. Este método não é perfeito, pois há muitas pessoas que não conseguem pagar os empréstimos de educação, mas grande parte dos problemas advêm de os jovens escolherem mal, por exemplo, como se pode entrar e sair facilmente da universidade, não acabam os cursos e, tirando raras excepções, limitam os benefícios salariais futuros; outra causa é que é muito fácil mudar de curso e há quem mude duas ou três vezes, o que aumenta os custos.

Os problemas da Grécia são mais profundos do que a dívida. Perdoar a dívida é uma solução contabilística temporária--já perdoaram uma vez e voltámos ao mesmo. As soluções que deviam estar a ser exploradas era como é que se criam condições para o país crescer--e note-se que há mais países que não crescem--e os cidadãos poderem tomar conta de si próprios e do seu país. Mas, enquanto essa lição não se aprende, eu, se fosse os alemães, teria tento na língua: a Grécia tem excesso de médicos, a Alemanha tem falta; muitos dos médicos gregos estão a ir para a Alemanha para trabalhar. Não convém humilhar e maltratar as pessoas cujo papel é ajudar-nos quando as posições se revertem e nós somos o lado fraco. Pois, também notaram que os médicos gregos vão trabalhar para a Alemanha depois da Grécia, que é uma nação tão má em tudo, os ter formado...

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