segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

AFINAL HAVIA E HÁ ALTERNATIVAS MELHORES QUE A AUSTERIDADE EXCESSIVA

Artigo saído no Jornal de Negócios de dia 19 de Fevereiro ver aqui

Neste artigo reafirmo o apoio a muitas ideias que tive o prazer de encontrar no artigo de Vitor Bento no Observador, defendo que estas estão em total oposição ao que foi o discurso da actual maioria. Defendo também que estas ideias e a acção que resultou delas prejudicou muito o país.

O artigo de Vitor Bento no Observador revela mais uma vez a capacidade de análise e de exposição de ideias de Vitor Bento. É quase redundante salientar que concordo com a análise aí efectuada. Já em vários artigos aqui no Jornal de Negócios, ou no DN – na série de artigos que em 2013 escrevi com Manuel Pinho, salientei as diferenças entre a forma como os EUA e a Zona Euro geriram a crise e apresentei dados, semelhantes aos apresentados por Vitor Bento, para fundamentar a mesma conclusão de que “o mau desempenho da zona euro durante a crise não era inevitável; que esse desempenho poderia ter sido melhor; que se o não foi, tal não pode deixar decorrer da política económica seguida”, salientando, tal como Vitor Bento, que a política económica usada pela zona euro para responder à crise foi desadequada e que a diferença de resultados deve-se sobretudo à forma como as autoridades dos EUA e da Zona Euro responderam ao choque.

Também aí realcei que o problema dos países europeus não era em primeiro lugar um problema orçamental, que a crise das dívidas soberanas teve um carácter sistémico e foi muito agravada pelas falhas da arquitectura do euro, e que tanto os países do Norte como os do Sul contribuíram para os desequilíbrios europeus. Fico assim satisfeito ao ler nesse artigo posições que se aproximam destas e mostram que fora dos radicalismos da austeridade e do antieuropeísmo é possível haver consensos relativamente alargados.

No entanto, tenho também de reconhecer que esta visão rompe completamente com os fundamentos do discurso político seguidos pela direita portuguesa. Nos últimos três anos e meio a maioria, o Governo, e os seus apoiantes, mantiveram um discurso que mesmo sendo contraditório e não consistente com os dados económicos, conseguiu, pelo menos durante algum tempo ter forte adesão. 

O discurso da direita portuguesa baseava-se em duas ideias, em muitos aspectos contraditórias, a primeira ideia era a de que a crise e o facto de termos necessitado de apoio da Troika era totalmente da responsabilidade de Portugal, e em particular dos problemas orçamentais criados pelo anterior Governo, a segunda era a de que, depois de 2011, não havia qualquer alternativa responsável às políticas que tinham de ser seguidas em Portugal e na Europa. Nesta visão antes de 2011 Portugal teria muitas alternativas e teria escolhido as piores, e a seguir não havia alternativas pelo que o que estava a ser feito era estritamente o que tinha de ser feito.

No artigo apresentado no Observador Vitor Bento vai claramente contra esta linha de pensamento, defendendo que os problemas europeus não eram em primeiro lugar orçamentais e que os desequilíbrios existentes não foram apenas criados pelos países do Sul, e mostrando também que, depois de 2011, não só que havia alternativas de política económica, mas também que a evidência mostra que havia alternativas melhores. A austeridade excessiva e generalizada não foi um bom caminho.

Se estas ideias defendidas por Vitor Bento puderem ter mais impacto junto da actual maioria isso será uma óptima notícia, que esperemos leve não só a uma alteração de discurso, mas também das políticas que a actual maioria defende para Portugal e para o espaço europeu.

O diagnóstico e discurso assumidos pela maioria e pelo Governo prejudicaram Portugal pelo menos em quatro formas. Em primeiro lugar porque, o acentuar da culpa portuguesa, no discurso interno e externo, reduziu a capacidade negocial do país, e ainda hoje reforça a desconfiança externa face a Portugal. Em segundo, porque este discurso serviu para legitimar o “ir para além da Troika”, impondo mais austeridade do que a requerida pelo memorando, austeridade adicional que reforçou a recessão e o aumento do desemprego, com efeitos muito reduzidos na redução do défice. Em terceiro lugar porque a política de austeridade excessiva e o efeito que teve na confiança resultou na redução do investimento e a saída de trabalhadores, reduzindo o PIB potencial do país. Em quarto porque este discurso correspondeu a um apoio à linha de austeridade generalizada a todo o espaço euro, que dominou o Conselho Europeu, e que resultou numa performance económica medíocre em toda a Zona Euro.

A alternativa ao discurso auto punitivo não tem de passar por não assumir os erros ou as fragilidades de Portugal, mas antes por reconhecer que os erros do passado, não justificam os erros do processo de ajustamento, e que as fragilidades e desequilíbrios de Portugal e de outros países do Sul da Europa, se acentuaram impulsionadas por variáveis internas, mas também pelo comportamento de outros países e das instituições europeias. É tempo de que estes países e instituições assumam a sua quota parte de responsabilidade e avancem com determinação na alteração de politicas. 

A Zona Euro precisa de um estímulo de procura, de um relançamento do investimento, de alterações da política orçamental e de rendimentos dos países com saldos das contas externas muito elevados e de manter a política monetária e de apoio ao sistema financeiro e às dívidas soberanas. É bom saber que mais economistas defendem estas ideias. Seria ótimo se o Governo português os escutasse e contribuísse para a mudança no nosso país e na Europa.

7 comentários:

  1. Nunca percebi bem a comparação com os EUA para justificar uma política diferente para a UE. O que é que a realidade dos EUA tem a ver com a da Europa, a começar pela questão da moeda? A "economia real" americana nunca deixou de funcionar, as empresas não deixaram de ser as mais inovadoras do mundo, os EUA não têm os problemas demográficos da maioria dos países europeus, incluindo Portugal. Até parece que antes da crise as coisas corriam às mil maravilhas na Europa. Mesmo antes dos problemas de financiamento e antes dos cortes, Portugal não crescia ou crescia muito pouco, à semelhança aliás da Alemanha e de muitos outros países europeus. Em termos de comparações, talvez o caso do Japão seja uma referência mais útil, onde foram experimentadas várias políticas e o crescimento insiste em não arrebitar.

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    1. Zé Carlos, depois disto acredito que somos almas gémeas. Subscrevo em absoluto. O euro é irrelevante, pois os problemas da UE são estruturais e existem apesar do euro, não por causa dele.

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    2. Podemos ser almas gémeas (e é agradável pensar que posso ter uma alma gémea a viver nos EUA), mas acho que não estamos completamente de acordo neste caso. Os problemas da UE são estruturais? Completamente de acordo. Mas não acho que o euro seja irrelevante nesta história. Trata-se antes de mais de um problema político. Acho que o problema não é só relativo ao design institucional do euro, a Europa não estava preparada, politicamente falando, para esse passo. Houve no passado demasiado voluntarismo e experimentalismo (nunca se tinha experimentado uma União Monetária sem a existência prévia de uma União Política) e irresponsabilidade. Não vejo como é que o euro se possa aguentar (correndo-se o risco de fazer implodir o projecto europeu) sem se avançar para o federalismo. Mas, lá está, a UE não é os EUA e essa solução é inviável a curto e médio prazo. Em suma, o euro veio trazer ainda mais problemas a uma Europa envelhecida e a perder competitividade para o resto do mundo.

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    3. Eu não acho que a introdução do euro tenha sido um factor determinante nos problemas. Acho que a introdução de livre circulação das pessoas contribui muito mais para o agravamento das assimetrias porque acelera processos demográficos recessivos que são coisas completamente novas para a humanidade. A longo termo, o crescimento é determinado pelo tamanho da população e pela produtividade das pessoas. Uma região sobre-regulada, que tem uma política macroeconómica que desincentiva a produção nas zonas mais pobres para proteger as zonas mais ricas e introduz liberdade de circulação que facilita que o trabalho saia das zonas mais pobres para ir para as zonas mais ricas está condenada. O ter uma moeda única apenas afecta quando se chega à ruptura. O euro acelerou o processo, assim como a crise financeira de 2008 também acelerou o processo.

      Se um condutor adormece ao volante enquanto conduz e o carro dirige-se para um precipício quando o pé do condutor ainda carrega mais no acelerador acelerando-o contra o precipício, qual é a causa do acidente? Que o condutor tenha adormecido ou que o seu pé tenha pressionado o carro reduzindo o tempo potencial em que o condutor poderia acordar e evitar o acidente?

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    4. Rita, e como explicas então que os países da União Europeia, mas que não estão no Euro, tenham tido uma resposta à crise mais favorável?

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    5. A verdade é que taxas de câmbio flexíveis são o principal instrumento de coordenação internacional. As défices e excedentes acumulados nos diversos países da zona Euro seriam simplesmente inconcebíveis se cada país tivesse a sua moeda. Podemos discutir, se é bom ou não, mas não faz sentido tratar como se fosse irrelevante.

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  2. Alternativa(s) para a(s) crise(s) nunca faltou/aram. Não existe, é alternativa para os milhares de milhões que os especuladores capitalistas lucram, quando a austeridade é imposta.

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