quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Re:

Na sequência desta entrada sobre o apoio político de Pedro Adão e Silva à pessoa certa no momento errado, o nosso Manuel Cabral, deixa um comentário com uma pergunta que cito:
 A questão que deixo ao meu amigo LAC é se hoje, e sabendo o que foi processo de ajustamento dos EUA e o da Zona Euro, consegue afirmar com a mesma convicção, que o Sócrates de 2009 (e já agora também a Merkel e o Obama) estavam assim tão errados, e que a Merkel de 2010-14 (mais próxima da Manuela Ferreira Leite de 2009) estava certa.
Parece-me que o Manel está a misturar as coisas. Na altura, fui a favor da acção europeia de combate à crise. O tempo e a experiência americana sugerem que essa estratégia era correcta.

Mas, nessa altura também, fui radicalmente  contra que Portugal interviesse de forma tão voluntarista nesse combate. Por um motivo simples, não tínhamos margem orçamental para isso e o nosso endividamento punha-nos nas mãos daquilo a que desde Keynes chamamos os  'Animal Spirits', e que eu prefiro chamar equilíbrios indeterminados. Ou seja, estávamos numa situação em com taxas de juro baixas a dívida pública era suportável, mas que taxas de juro elevadas facilmente seriam suficientes para pôr a dívida em trajectória insustentável. Quer isto dizer que tudo dependia das crenças dos investidores
A isto, há que acrescentar que Portugal podia fazer o que quisesse que não era pelo nosso expansionismo que o mundo ia sair da crise. Somos demasiado pequenos para fazer a diferença nesse domínio.

Portanto, quer na perspectiva europeia quer na perspectiva portuguesa, o tempo não me meu grandes motivos para mudar de opinião.

Finalmente, vale também a pena voltar aos documentos da época. A propósito de uma entrada similar no Facebook, alguém me mandou ler este relatório do FMI sobre a resposta global à crise, ainda assinado por Strauss-Khan. Cito duas passagens que me parecem relevantes para perceber o que quero dizer.

Primeiro, logo na mensagem inicial de Strauss-Kahn:
We recommended a stimulus equivalent to 2 percent of GDP, and countries have largely delivered.
A recomendação de estímulo foi de 2% do PIB. Em Portugal o défice passou de 3,8% em 2008 para 9,8% em 2009 (na altura as estatísticas indicavam que tinha passado de 2,6 para 9,3%). Aceito que me digam que grande parte deste aumento teria ocorrido na mesma por inacção (efeito dos estabilizadores automáticos) e que se pode distinguir um estímulo puro dos estabilizadores automáticos, mas, mesmo assim..., diria que fomos além da tróica.

Segundo, na secção sobre a resposta macroeconómica à crise pode ler-se:
The Fund encouraged those countries, both advanced and developing, with fiscal space available to use it to boost demand.
O conselho de políticas expansionistas era para países com folga orçamental. Imagino que não estivéssemos de acordo quanto à existência dessa folga. Na altura, eu considerava que não havia folga. Infelizmente, não houve nada que se tenha passado depois que me leve a mudar de opinião.

2 comentários:

  1. Acho que não se pode falar do estímulo em Portugal sem mencionar que as estatísticas foram manipuladas (por exemplo, meter pessoas em cursos de formação para encobrir desemprego, adiar os custos de projectos para o futuro ou desorçamentá-los) e o dinheiro foi largamente usado para financiar projectos de valor duvidoso para a economia e cujos critérios de implementação resultavam de proximidade política e não de mérito. Mas o maior deficit português nem é o orçamental, é o moral e o institucional. E não digo que tenhamos falta de instituições porque as temos, mas elas não funcionam, e o facto de as termos cria a ilusão de que criam valor, quando na realidade consomem recursos.

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  2. Mas a ideia do estímulo - como aliás escreveu - não está subjacente um critério de contra-ciclo? I.e. as reformas estruturais (que SÃO necessárias) não deveria ter ocorrido durante a fase expansionista do ciclo de forma a criar margem para gastar dinheiro durante a recessão? O problema é que isso politicamente é muito complicado (para não dizer quase impossível): chapa ganha, chapa gasta...

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