sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

É a microeconomia, estúpido...

Hoje, quando regressava do trabalho, ouvi uma história na rádio acerca da agricultura na Califórnia, no programa MarketPlace. A Califórnia produz cerca de metade das frutas e hortaliças que os EUA consomem. Muita da agricultura do estado depende de irrigação e esta depende da água que está em aquíferos, que são formações subterrânea onde água fresca se acumula. O tópico da minha dissertação teve a ver com aquíferos, mas eu estudei a depleção de uma parte do Ogallala que é um aquífero enorme que se entende pelo centro dos EUA desde o Nebraska até ao Texas. Perguntam vós o que tem a ver economia com aquíferos e é muito simples: quando eu vim para os EUA, a área que me interessava era a de problemas ambientais e o uso de água proveniente de aquíferos com recarga limitada é um problema de gestão de recursos naturais finitos. Na minha dissertação eu presumi um período de análise de 100 anos, durante o qual a água extraída do aquífero era utilizada para uma exploração de suinicultura, sendo depois reciclada, juntamente com os nutrientes provenientes dos animais, na produção de milho utilizando dois tipos de irrigação alternativa: um pivot central ou um sistema de irrigação subterrânea. Naquela altura, início dos anos 2000, ninguém tinha feito uma análise económica e ambiental do uso de irrigação subterrânea em Oklahoma.

Voltando à Califórnia: saiu um estudo da Universidade de Califórnia-Davis que analisa o que sucederá ao uso de água para fins de agricultura e urbanos, se a California sofresse um cenário de seca persistente durante 70 anos. Este é um cenário catastrófico muito improvável de acontecer, mas que permite estudar o pior que poderá acontecer e quais os efeitos de redistribuição do recurso água, os preços sombra, o que sucede ao mix de culturas, etc. A ideia de fazer isto é mais ou menos como aquela expressão que indica: "esperar pelo melhor e preparar-se para o pior". Este ano, a Califórnia está em seca, mas como muita da água usada é subterrânea, grande parte do efeito sente-se no custo de obter água. O acesso à água está sujeito aos direitos de propriedade vigentes no estado, mas sítios que têm excesso de água podem vendê-la a outros sítios com falta. Para conservar água, os agricultores deixaram de usar irrigação por inundação e usam agora sistemas de irrigação subterrânea que são muito mais caros de instalar e manter--com estes sistemas, é necessário que se produzam coisas que gerem receita suficiente para absorver os custos fixos adicionais do sistema de irrigação, como por exemplo amêndoas em vez de algodão. O algodão é uma "commodity", já as amêndoas são um produto de maior valor acrescentado.

A agricultura é uma das áreas onde Portugal poderia ser mais competitivo internacionalmente, pois tem recursos excepcionais em termos de qualidade de solos, microclimas, e recursos hídricos. No entanto, nota-se em Portugal que não há grande mestria em gerir os recursos naturais, nem há conhecimento dos produtos que seriam aconselháveis produzir. Por exemplo, há alguns meses, a Câmara de Mogadouro ofereceu sementes aos agricultores para plantar soja. É uma das piores ideias que eu já ouvi. Portugal não deve investir em soja porque é um produto de baixo valor acrescentado, que é altamente subsidiado pelos EUA, o que deprecia os preços mundiais. Não há propriamente falta de soja no mundo. Se for soja biológica até compreendo mais ou menos, mas soja não-biológica não é assim tão atractiva, mesmo sendo grande parte da soja americana geneticamente modificada e a soja portuguesa não. As únicas pessoas que ganham com isto são as companhias que vendem sementes e as que vendem equipamento agrícola. E depois a soja não é exactamente uma colheita que seja amiga do ambiente, apesar de não necessitar de muito fertilizante de nitrogénio por ser uma leguminosa. Que tal investigar cereais antigos, como quinoa, cujo preço é muito mais atractivo e cuja procura está a aumentar exponencialmente?

Também se nota que a gestão de risco está completamente ausente. Por exemplo, seria importante saber quais os rendimentos agrícolas históricos e os custos de cultivo de produção por região para saber qual a colheita mais atractiva antes de se decidir o que plantar. Se formos à página de Internet do Ministério da Agricultura, não se encontra nenhuma informação que seja útil para um produtor agrícola planear a sua actividade, nem sequer ficamos com uma ideia do que exactamente o Ministério da Agricultura faz. A página, que é bastante simples, até tem ligações que dão a páginas que não têm informação. Fui à página da Direcção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural e também não encontrei informação de mercado para os agricultores planearem a sua actividade. Como fazemos parte da UE, se calhar é lá que os produtores agrícolas devem informar-se, mas não. Se forem a esta página da Comissão Europeia, encontram lá uns relatórios em PDF acerca de preços agrícolas de algumas commodities. Contrastem isso com as estatísticas americanas, ou brasileiras, ou até argentinas, e verão que a utilidade da informação da União Europeia para a agricultura não passa de uma ilusão, que nos sai bem cara, porque as pessoas que trabalham para a UE não são pagas salários assim tão baratos.

No Texas, as universidades já estão a trabalhar com os proprietários de terra há vários anos para que quando o preço do petróleo descesse, estes pudessem ter uma actividade mais rentável de apoio. Nesse sentido, tem-se vindo a incentivar o cultivo de oliveiras para começar a produzir azeite. Estes americanos estão sempre a planear o futuro. Em Portugal, ainda estamos a tentar perceber como é que falhámos no passado.

Como dizia o Michael Porter, não há nenhum apoio à microeconomia; mas, parafraseando Bill Clinton, "é a microeconomia, estúpido..."

4 comentários:

  1. Excelente(issimo) texto!
    Não sendo agricultor, interesso-me por assuntos que digam respeito à produção agrícola, pecuária, etc. E, nesta matéria não poderia estar mais de acordo com tudo o que aqui escreve. De facto no nosso país não existe informação disponível da parte dos orgãos governamentais, para que os agricultores planeiem as suas produções. A preocupação primeira, é saber-se para que cultivo ha subsídios da UE e de que forma inflacionar os projetos de candidatura. Quando pesquiso alguma informação na internet encontro-a acompanhada de níveis técnicos elevados, em sitios do Brasil. Não tenho qualquer dúvida que os nossos irmãos do lado de lá do Atlântico se acham muito mais disponíveis para partilhar a informação mesmo a nível técnico como já referi. Moro numa zona rural e por vezes visito os vizinhos que se dedicam especialmente à produção de cereais. Estes vizinhos são associados de uma cooperativa agrícola que todos os anos promove reuniões onde aconselham aos agricultores que género de cereal hão-de semear. Acontece que, na altura da colheita, verifica-se o excesso de um cereal que irá ser pago a um preço tão baixo que não cobrirá as despezas com a sua produção, ficando assim os agricultores devedores à cooperativa, dado que, adquiriram sementes, fertilizantes e pesticidas a crédito. Há dois anos, um destes vizinhos comentou comigo que na reunião, o técnico agrário de cooperativa disse a todos os presentes; este ano é para semear centeio. Nessa altura aconselhei-o a semear fava, porque nesse caso iria haver falta e seria paga a um preço mais alto. E assim foi; nesse ano que até foi bastante produtivo, ele teve um lucro fantástico. Não ha dúvida que o nossos país dispões de inúmeras zonas onde existem condições excelentes para determinadas produções, as quais não são exploradas, também porque os subsídios de apoio deram origem a uma postura de inércia fundamentada no preconceito de que "não compensa - porque a mão-de-obra é cara, porque as sementes e os produtos são caros e os preços não pagam o investimento, porque chegam a Portugal importados de países como a Espanha, a preços muito mais baixos". Entretanto, o nosso país enferma de desertificação do interiror de abandono de campos agrícolas e mais grave, de uma alta taxa de desemprego. Tudo isto seria possível de reverter e reconverter se fossemos um pouco mais inteligentes e nos deixássemos de "armar ao rico" e ir acumulando dívida, pagando cada vez mais impostos e vendo as condições sociais cada dia mais frágeis e insustentáveis.

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    1. Obrigada. A USDA faz um óptimo serviço em recolher estatísticas de todo o mundo, mas nem sempre há o detalhe suficiente. Por exemplo, na ferramenta da PSD Online (Production, Supply, and Demand; http://apps.fas.usda.gov/psdonline/psdQuery.aspx) encontram-se algumas estatísticas para Portugal. Mas, como eu referi, ter acesso a informação sobre custos (orçamentos de produção para colheitas e tecnologias diferentes) é muito importante para o planeamento e essa informação não parece existir para Portugal. Os custos mudam todos os anos, logo convém que os orçamentos sejam actualizados com regularidade.

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  2. Estou com o Bartolomeu, excelente texto, mais um. Espero que os nossos responsáveis do Ministério e instituições adjacentes o leiam.

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  3. Rita,
    Gosto muito dos seu artigos. Tem uma perspetiva interessante, vê-se que é competente e que "não vai com a manada". Cada vez gosto mais de a ler e acho que é verdadeiro serviço público o que faz. Obrigado.

    Efetivamente as decisões e o desempenho dos nossos ministérios da Agricultura e do Ambiente não são minimamente escrutinadas pela opinião pública o que permite que sejam efetivamente muito fraquinhos. Limitam-se a transpor a legislação europeia e a levar a cabo uns projetos cujo fim praticamente acaba por ser somente a captação de uns subsidios da UE. Há uns meses vi que os nossos exportadores de fruta precisavam de mandar a fruta para espanha para depois a conseguir enviar para o chile e outros países da américa latina, poir portugal não tinha salvaguardado a sua posição ao realizar acordos de cooperação com estes países.

    Entrou em vigor o QREN 2014-2020 e seria muito bom que os critérios para a subsidiação de projetos fossem efetivamente discutidos e escrutinados de forma séria de forma a não ser mais uma oportunidade perdida. Infelizmente na prática o que se passa é que a maioria dos nosso agrivcultores vira-se para as culturas em que é mais fácil maximizar a subsidiação e acaba por ser esse o critérios de gestão agrícola nacional em 90% dos casos.

    Estou a pensar que se pusesse este comentário naquela ferramenta do word que falou noutro post chumbava miseravelmente por frases demasiado compridas e palavras com demasiadas sílabas hehe.

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