terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Eufemismos (II)

Ao contrário do que os jornalistas pensam, para já, Varoufakis não está recuar. Está, simplesmente, a alterar a proposta por outra equivalente. Tal foi extraordinariamente bem explicado nesta entrada de 13 de Março de 2014. No Facebook, o Miguel Madeira resumiu a situação na perfeição:
"O problema do Varoufakis é que tem que dar a entender a umas pessoas que está a recuar e a outras que não está a recuar."

12 comentários:

  1. Na guerra com Troia, os gregos construiram um cavalo enorme com madeira e encheram-no de guerreiros, depois, transportaram-no até às portas da cidade e ali o deixaram. Os troianos, convencidos que o cavalo seria um sinal da humilhação dos gregos e de admissão da derrota , levaram o cavalo para dentro das muralhas. Durante a noite, os soldados gregos sairam de dentro do cavalo, dominaram as sentinelas e abriram as portas das muralhas, permitindo a entrada do exército grego que conquistou e destruiu a cidade.
    Não sei se seria útil que profetas, adivinhos e magos do poder financeiro e económico e políticos governantes recordassem este episódio imortalizado por Homero. E se preferirmos um eufemismo para Troia, podemos substitui-la por Troica, se quisermos um eufemismo para Merkle, podemos substitui-la por Varoufakis. Se a "coisa der para o torto", então o eufemismo para insucesso das medidas do governo grego, pode muito bem ser; derrocada do euro.

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  2. Caro LA-C,

    E como discuti consigo na altura, moralmente vai uma grande diferença. Fazer um haircut sem redução do valor facial da dívida (p.ex. baixando juros) é mais fácil de engolir que uma redução no capital. O resultado final é o mesmo, mas a maneira como este é encarado não é.

    O Varoufakis está a explorar maneiras de esfolar o gato sem que este se queixe muito...

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    1. Carlos Duarte, e, como na altura lhe respondi, os seus conceitos morais são absolutamente irrelevantes. Eu não discuto a moralidades aqui. Se eu tenho uma obrigação que vale 100€ e passa a valer 50€ estou nas tintas para que você ache que é moral porque se deve a uma redução do cupão ou imoral porque se deve a uma redução do valor nominal.

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    2. A Grécia já teve uma reestruturação desta dívida com a Troika, logo a moral já está comprometida. Aliás, a moralidade da Grécia já estava comprometida desde o século XIX: de 1829 a 2006, a Grécia esteve em default 50.6% dos anos. Como dizia um CEO para quem eu trabalhei, é um processo de reversão à média esta coisa da Grécia entrar em default.

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    3. Só que isto é uma questão política primeiro e económica segundo. Todo o discurso do Syriza (ou, em alternativa, o discurso do anterior governo grego), bem como o que houve por aqui tem muito pouco de económico. Todos os apelos fazem-se a valores éticos ou morais (respeito por compromissos, dever para com os eleitores, solidariedade intra-europeia, etc.)

      Esta discussão de racional tem muito pouco: se tivesse, já há muito que a dívida grega tinha sido perdoada porque é por demais evidente que não vão pagar.

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    4. Rita, não tem a ver com a moral grega. Tem a ver com a percepção do processo de pagamento / não pagamento por parte dos diversos intervenientes (e, sendo todos os países democráticos, com a percepção dos eleitores). Tem, no fundo, a ver com justiça (e não estou a tomar uma posição sobre se é justo ou injusto).

      Quanto à reversão à média, ninguém mandou emprestar aos gregos...

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    5. "Quanto à reversão à média, ninguém mandou emprestar aos gregos..."

      E também ninguém os mandou pedir dinheiro emprestado sob a forma de contratos legais que incluem obrigações específicas ( as suas OT). É claro que podem mandar esses contratos às malvas, não podem é dizer que isso é legal (ou, já agora, moral). Podem tentar reajustar os termos dos contratos, mas ninguém tem, à partida, obrigação (moral ou legal) de lhes fazer a vontade....

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    6. " Fazer um haircut sem redução do valor facial da dívida (p.ex. baixando juros) é mais fácil de engolir que uma redução no capital. "

      Tendo em conta que o preço pago inicialmente pelas obrigações (e recebido pelo estado grego) foi, em todos os casos, superior ao capital a receber no fim do contrato, dizer que "se diminui o valor dos cupões e se mantém o capital final" ou dizer que "se diminui o capital final e se mantém os cupões" é exactamente igual, mesmo moralmente: afinal se um estado vende por 100 euros uma obrigação a três anos que paga 80 euros no fim do prazo e 10 euros ao fim de cada um dos anos, está (mesmo "apenas" moralmente e admitindo que qualquer lucro por parte do credor fosse imoral) obrigado a devolver um total de 100 euros, e não os 80 euros do capital do fim do prazo.

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  3. Caro Pedro Silva,

    Como referi no post original do ano passado, não é uma questão de ser moral ou não, mas sim da solução moralmente mais aceitável (ou percebida como tal).

    O Estado Grego fez um contrato com terceiros com a emissão da dívida, correcto. Mas fez igualmente (e não sei detalhes) com funcionários públicos e pensionistas. Em termos morais, são todos contratos e pode ser alegado - ouvi alguém de cá dizer isso mesmo, provavelmente PCP ou BE - que a responsabilidade para com os seus cidadãos é superior a responsabilidades para com terceiros, sendo tudo o resto igual. A complicação primeira é que tudo o resto NÃO é igual (um default pode ou acarretará consequências futuras que podem ser mais gravosas para os próprios cidadãos que os despedimentos e redução das pensões).

    Quanto ao legal, vi com incredulidade e mesmo surpresa o caso argentino, em que o Estado Argentino foi condenado num tribunal americano. É algo que vai contra todo o conceito de soberania de Estado e, segundo me parece que foi o caso, os termos foram aceites pelo Estado Argentino, estes deviam ter sido pura e simplesmente declarados nulos. Um Estado não tem legitimidade legal ou soberana para julgar outro, salvo acordo prévio (a nível de Estado) nesse príncipio. No caso grego, por exemplo, não me chocava que a Alemanha (p.ex.) processasse a Grécia por incumprimento no Tribunal Europeu de Justiça (não sei se tem jurisdição neste caso, mas isso são outros quinhentos). Mas um cidadão alemão nunca deveria ser possível processar o Estado grego num tribunal alemão - se o quisesses fazer teria de o fazer na Grécia, de acordo com as leis gregas. Isto para dizer o quê: o não pagamento das divídas é uma prerrogativa soberana inalienável. É SEMPRE legal, bastando ao Estado legislar nesse sentido.

    Quanto à formas das OT - e isto é uma opinião puramente pessoal e não se aplica nos casos existentes - as mesmas deveriam poder ser sempre resgatadas, pelo valor facial + juro devido pro rata, a qualquer altura pelo emissor sem pagamento de penalização ou com uma penalização símbolica. O resto cheira sempre a usura.

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  4. "O Estado Grego fez um contrato com terceiros com a emissão da dívida, correcto. Mas fez igualmente (e não sei detalhes) com funcionários públicos e pensionistas"

    O grande problema dos contratos com os pensionistas é que não estão escritos em lado nenhum, e por isso estão sujeitos à arbitrariedade do poder político. Aliás, para o caso Português, o Tribunal Constitucional até deliberou há bastante tempo que o direito a pensões não é um direito de um contribuinte a uma sua propriedade. O Carlos não preferiria que o seu/nosso direito a pensões fosse dirimível num tribunal independente do Estado Português? Eu preferia....

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  5. "Quanto à formas das OT - e isto é uma opinião puramente pessoal e não se aplica nos casos existentes - as mesmas deveriam poder ser sempre resgatadas, pelo valor facial + juro devido pro rata, a qualquer altura pelo emissor sem pagamento de penalização ou com uma penalização símbolica"

    Isso não seria uma OT, mas uma conta-empréstimo a um Estado. Os Estados não preferem emitir OT (vs. criar contas-empréstimos) por capricho: o que se passa é que uma OT é muito mais facilmente transaccionada, e por isso (do ponto de vista de um credor) é muito mais atraente do que uma conta-empréstimo. Essa atractividade acrescida faz com que sob a forma de OT um Estado se possa financiar com custos bastante mais baixos do que aqueles que se verificariam sob a forma de contas-empréstimo.

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  6. "Quanto ao legal, vi com incredulidade e mesmo surpresa o caso argentino, em que o Estado Argentino foi condenado num tribunal americano. É algo que vai contra todo o conceito de soberania de Estado e, segundo me parece que foi o caso, os termos foram aceites pelo Estado Argentino [...]."

    Não vai contra nenhum conceito de soberania, porque os termos foram acordados previamente: o Estado Argentino só foi julgado num tribunal americano porque as OT que emitiu indicavam explicitamente que a lei que os governava (e o foro competente para dirimir eventuais litígios) era a lei americana. Dessa forma, o Estado Argentino conseguiu encaixar mais dinheiro pela sua venda do que o que teria obtido se as tivesse emitido sujeitas à Lei argentina. Aliás, a reeestruturação grega de 2012 baseou-se exactamente no facto da maior parte da dívida emitida pela Grécia até essa altura estar sujeita à lei grega, e por isso bastou fazer uma alteração legislativa na Grécia para forçar os credores a aceitarem trocá-las por outras. A partir dessa altura, (vá-se lá saber porquê) os investidores deixaram de querer comprar OT gregas sujeitas a lei grega, e a Grécia passou a vender OT sujeitas a lei (e tribunal) estrangeiros.

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