terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Mitos europeus

Em 1995, Tony Judt publicou um pequeno ensaio no qual conclui que a Europa Ocidental que hoje temos é o resultado de um conjunto de circunstâncias únicas e irrepetíveis e que nunca mais ninguém terá igual sorte.

Não passa de um mito a versão oficial de que a União Europeia é o resultado de um destino histórico ou que a “Europa” foi reconstruída por idealistas, cuja principal motivação era a de que não houvesse mais guerras. Não houve qualquer consciência europeia no nascimento da “Europa”, houve, isso sim, uma “europeização” de problemas internos.

Para começar, no final da II Guerra Mundial, ainda ecoavam os planos nazis de uma "Nova Ordem Europeia" e, por isso, a ideia de uma Europa Unida surgia então com conotações sinistras. Em meados dos anos 50, era raro descobrir na Europa políticos ou intelectuais essencialmente preocupados com uma Europa unida. A maioria estava concentrada nos problemas e nas políticas do seu próprio país. Os egoísmos nacionais não nasceram ontem, como parecem acreditar alguns. Estiveram presentes desde o primeiro minuto. Na verdade, a “Europa” surgiu de um conjunto de circunstâncias fortuitas.

A história é conhecida, mas volta e meia vale a pena repeti-la. A França, uma das grandes derrotadas da II Guerra Mundial, precisava desesperadamente de carvão para a sua indústria de aço e só a Alemanha lho podia fornecer. Depois de várias tentativas frustradas, que passaram inclusive por negociações com os russos (que controlavam uma parte da Alemanha), viram-se obrigados a fazer um acordo com a Alemanha, os países do Benelux e a Itália para criar a CECA em 1951. Foi uma iniciativa inspirada e de pura sorte. Os americanos e, sobretudo, os ingleses estavam ansiosos por se verem livres do fardo de alimentar milhões de bocas (10 milhões vinham das antigas comunidades alemãs na Checoslováquia, Polónia, Roménia, etc.) e interessava-lhes em consequência que a Alemanha se desenvolvesse. Por seu lado, o chanceler Konrad Adenauer viu logo no Plano Schuman uma ” oportunidade” da Alemanha recuperar a sua soberania e regressar ao seio da comunidade internacional.

Tratou-se, por conseguinte, de um casamento de conveniências que funcionou enquanto houve dinheiro.

A famigerada “solidariedade europeia” não passa de mais uma invenção com fins propagandísticos. Os alemães elegeram democraticamente um governo para os representar e defender os seus interesses concretos, e não uma abstracção chamada “Europa” - a “Europa” só lhes interessa enquanto acharem que lhes traz vantagens. O mesmo se passa com os portugueses, os gregos, os ingleses, os finlandeses, os holandeses, os polacos, os romenos e por aí fora. Não há, nem nunca houve, “cidadãos europeus”.

Às vezes, convém descer à terra e não andar a alimentar lirismos. Foram os lirismos, misturados com megalomania e demagogia, que conduziram a “Europa” a um beco sem saída.

5 comentários:

  1. Sim, mas porque é que no século XXI não pode finalmente haver algo mais do que a perseguição de interesses próprios? Eu não estou a dizer que sejamos uns anjinhos inocentes, que acreditam na bondade de estranhos, mas deveríamos exigir que todos se esforçassem para melhorar a situação actual. O que se vê é toda a gente a tentar manter o status quo pré-crise financeira. O Regresso ao Passado era um bom programa do Júlio Isidro, mas não me parece ser um bom programa de gestão da UE.

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  2. Eu acho o "projecto europeu" uma coisa notável e detestava voltar aos tempos das fronteiras e passaportes, das economias fechadas. ´Mas devemos ter os pés assentes na terra e acho que não nos leva a lado nenhum a propaganda europeia, que ignora a história e inventa uma ficção que nada tem a ver com a realidade. Ignorar a realidade costuma sair caro porque, sem darmos conta, ela entra-nos pela porta dentro e deita tudo abaixo. Foi o que fizeram os líderes europeus do passado (Delors e companhia) ao avançarem, por exemplo, para o euro. Ninguém sabe como é que se resolve agora o problema, eu só acho que, se houver solução, terá de partir da realidade como ela é e não de mitos.

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    1. Eu concordo contigo que não devemos ser ingénuos, mas não acho que ambos os objectivos sejam mutuamente exclusivos. E preocupa-me que, sendo o sistema tão imperfeito, toda a gente esteja tão determinada em não utilizar esta crise para melhorar o sistema. Em Portugal, preocupa-me a deferência cega que temos para com as políticas da UE. Parecemos umas pessoas que não sabem pensar criticamente. Prosseguir políticas que nos enfraquecem não são boas para nós nem para a UE.

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  3. Nada se faz na Europa que a Alemanha não queira. E uma coisa que a Alemanha não quer é pagar as dívidas portuguesa e grega. Se os alemães ainda nos põem a mão por baixo (e aos gregos) é por um motivo simples: é porque parte da dívida é a bancos alemães ou a bancos que os alemães controlam. É triste, mas é a realidade. Nós temos de viver com o dinheiro que temos.

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    1. Eu acho que nós temos de lutar para criar mais dinheiro que vem de fora da UE, em vez de apenas planearmos gastar o que temos agora. Nós deveríamos exportar mais para fora e esquecer o mercado da UE porque nós só temos fronteira com a Espanha e dependemos demasiado deles. A UE está estagnada, não é um mercado que permita grande crescimento. Hoje temos o mesmo desafio que tínhamos antes dos descobrimentos. Mas repara que ninguém no governo sabe definir uma estratégia de crescimento; ninguém sabe identificar oportunidades para Portugal porque há um profundo desconhecimento da economia mundial e das tendências futuras.

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