sábado, 4 de dezembro de 2021

Literalmente, um rabo gordo

A "literalidade" é capaz de ser um dos meus maiores defeitos, mas não acho que seja mesmo defeito, é apenas uma característica do meu cérebro, e muitas vezes quando ouço alguém falar, ou até quando leio, não percebo o que é dito. Depois há ainda outra dificuldade porque, à medida que o mundo se torna global, mesmo global, no sentido em que conhecemos e convivemos com pessoas de sítios muito diferentes, com quem podemos ter uma língua em comum, mas significados diferentes, a possibilidade de falhas na compreensão aumenta. Ruído é tudo o que impede a compreensão, dizia o meu livro de português do quinto ano de escolaridade.

Estava numa amena cavaqueira com uma amiga brasileira e deparei comigo muito encalhada na conversa. O tópico era homens e sexo, logo reconheço que estou em desvantagem -- claramente -- porque desde que mudei de Portugal, decerto que a língua mudou nestas conversas e depois há o detalhe de sermos de dois países diferentes. Ela falava em namorar e eu imaginava os idílios amorosos da minha juventude, se calhar mais inspirados pelo Camões, em que os elementos do casal olhavam um para o outro e o mundo estendia-se a seus pés. ã medida que a conversa fluía, salvo seja, percebi que o namorar dela era o que eu chamava de foder porque, lá está, sou literal.

Hoje de manhã, acordei a pensar que havia muito ruído na conversa. Se calhar, mal apanhei o fio à meada, o que inspirou aquele suspiro de resignação como se vê nos filmes. Há mais de 20 anos, suspirei assim porque a bagageira do meu carro estava cheia de tralha, o que confessei ao meu namorado:

Eu: "I have so much junk in my trunk!"
Ele: "Don't ever say that again."
Eu: "Why not? It's the truth."
Ele: "It means you have a fat ass."
Eu: "Oh..."

2 comentários:

  1. "so much junk in my trunk!"

    Não imaginava essa interpretação!
    Nunca tinha pensado num ponto, que quanto mais diversidade existe, mais temos de ser literais. É a melhor forma de evitar ruído.

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  2. O equívoco que referiu é célebre quando se trata de brasileiros/as que ainda tiveram poucos contactos com portugueses/as e, sobretudo, se o lado brasileiro for pouco culto. Até existe por aí uma bela recensão do tempo em que ainda não havia internet.

    Há algum tempo, num pequeno restaurante lisboeta que uso há anos e anos e cujos novos domos estavam no seu primeiro dia, fiz uma encomenda "take away" que não estava pronta quando cheguei (só estava pronta uma das duas refeições que eu encomendara uma hora antes).

    Tendo-me sido pedido "um minutinho" (os novos donos são brasileiros) para preparar a outra, respondi que "apenas quero o que já está pronto".

    Então, tudo descambou e só imagino que a minha expressão tenha tido para eles/elas algum significado que eu nem sequer saiba imaginar.

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