O Bloco de Esquerda, talvez para se distinguir do Partido Comunista, não inclui explicitamente nos seus objectivos o fim do capitalismo. Refere apenas a ‘busca de alternativas ao capitalismo’ e aina que defende e promove ‘a perspectiva do socialismo como expressão da luta emancipatória da Humanidade contra a exploração e a opressão’. Esta indefinição, associada ao charme burguês de muitos membros deste partido, causou-me sempre alguma perplexidade sobre o tipo de sistema económico e de sociedade subjacente àquele projecto político.
Hoje, em entrevista ao jornal Público, Francisco Louçã defende que um Governo de esquerda (que não inclui certamente o PS nesta definição) tem que “controlar o crédito em Portugal”. E prossegue defendendo que
Esse controlo é necessário "para evitar o desvio da capacidade produtiva" e "a perda de investimento para a especulação financeira", que advém de existir "um sistema financeiro que se alimenta da especulação sobre o seu próprio país" (…) "Controlar o crédito é a medida essencial para ter uma política virada para o investimento."
Ou seja, parece-me que a alternativa apresentada pelo em breve ex-líder o BE é um sistema ‘capitalista’ do tipo chinês: controlo do crédito pelo Estado e aposta no investimento.
De facto, no pseudo-capitalismo da República Popular da China, a propriedade privada já é permitida. No entanto, falta-lhe um elemento fundamental do sistema capitalista: a livre iniciativa, de onde brota a inovação ou a ‘destruição-criadora’ como lhe chamou Schumpeter. Na China, a livre iniciativa está coarctada pelo controlo dos mercados de crédito pelo Estado, estando a escolha dos projectos de investimento nas mãos de burocratas, o que torna a corrupção num dos seus mais graves problemas. A China investe todos os anos, há décadas, cerca de 40% do rendimento, sendo o excesso de capital e a sua baixa produtividade são outro grave problema desta economia.
Em Portugal também temos o exemplo de algumas decisões absurdas da Caixa Geral de Depósitos, que nos podem dar uma ideia do tipo de problemas que poderiam resultar de termos o crédito nas mãos do Governo. Claro que esta proposta de Francisco Louçã assume certamente que os dirigentes estariam imunes a pressões e teriam a capacidade técnica de identificar os investimentos que garantiriam o crescimento da economia.
No entanto, é ainda importante recordar que para haver crédito para o Estado distribuir é preciso haver poupança, nacional e/ou internacional. Na China é nacional: a taxa de poupança aproxima-se de 50% do PIB, o consumo representa apenas cerca de 30% do PIB. Ou seja, o investimento é financiado à custa das famílias, que poupam porque não existe Estado Social e o crédito ao consumo é incipiente.
Em Portugal, com um Governo do tipo sugerido por Francisco Louçã, o crédito teria de ser alimentado por poupança nacional – embora falte informação, não são precisos especiais dons de predição para adivinhar o que aconteceria à classe média com este projecto.
Sendo necessário introduzir correções no funcionamento dos sistemas financeiros ocidentais, não acredito nesta alternativa de Francisco Louçã porque continuo a acreditar que o capitalismo é o melhor de todos os sistemas e o crédito bancário é essencial ao seu funcionamento. Recordo a esse propósito a definição de Capitalismo que Joseph Schumpeter escreveu para a Encyclopaedia Britannica:
“Uma sociedade diz-se capitalista se entregar a condução do seu processo económico à iniciativa privada. Pode dizer-se que isto implica, em primeiro lugar, propriedade privada dos meios de produção (…); em segundo lugar, implica produção por iniciativa privada (…); Mas, em terceiro lugar, o crédito bancário é tão essencial ao funcionamento do sistema capitalista que, apesar de não estar estritamente implicado na sua definição, deve ser acrescentado aos outros dois critérios.”