segunda-feira, 28 de julho de 2025

Ideologias e cidadanias

Depois de ler a Eneida, estou agora a ler a Ilíada. São livros que são o foco de aulas online por um jovem inglês que tirou o mestrado em Clássicas em Oxford. Inscrevi-me porque penso que sozinha não me atreveria a ler estas obras, mas achei importante lê-las, logo pagar para as ler cria um custo e uma espécie de obrigação que tenho cumprido. É pena que não funcione exactamente assim com o meu pagamento ao ginásio.

Se a Eneida era violenta (recordo-me em particular da descrição da morte de Priam), a Ilíada é brutal, verdadeiramente animalesca, em que se aceita com normalidade matar pessoas, violar mulheres, matar crianças, maltratar corpos, etc. Grande parte dos acontecimentos da Ilíada são relatados na Eneida, mas com menos violência gráfica. Os dois relatos referem acontecimentos que ocorreram por volta do séculos XIII a XII A.C.: a Ilíada talvez tenha sido composta por volta de 750 a 700 A.C., ou seja quase meio milénio depois, e a Eneida foi publicada no ano de 19 A.C. Supõe-se que Homero, que compôs a Ilíada, tenha sido uma amalgama de pessoas em vez de apenas um poeta, enquanto que a Eneida foi composta por Virgílio, o poeta romano, que a escreveu para elogiar e talvez criticar ou influenciar o Imperador Augusto.

Sendo a Ilíada supostamente o produto de vários homens, é impressionante a consistência de violência gráfica, mas isso está mais na mimha cabeça do que na cabeça deles, se calhar. Nessa altura, a vida era assim e a Europa era um sítio violento e não é preciso recuar muito para encontrar níveis absurdos de violência durante a nossa vida. Talvez o que distinga um período de paz de um período de guerra seja para além do número de vítimas, o facto de homens em idade activa serem alvo de violência porque as mulheres, as crianças, os idosos, enfim as minorias são sempre alvo de violência, haja paz ou guerra. Mas já Virgílio foi mais contido talvez porque não tivesse experiência de combater numa guerra, ou talvez nestes quase sete séculos entre os dois relatos tivesse havido progresso em termos do que era aceitável, uma mudança de ideologia, portanto.

O facto de tanta da história da humanidade ser dominada por conflitos e guerras devia pôr-nos de pé atrás: não devíamos achar que a paz é o estado natural da nossa existência; pelo contrário, a paz deve ser encarada como um alvo em constante movimento e o ideal é formar cidadãos que tenham apreço e um sentido de responsabilidade pelo esforço necessário para trabalhar para a paz.

Posto isto, quando penso em cidadania, não me vem à cabeça educação sexual, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, gestão de ansiedade, etc., mas faz sentido falar de coisas como o movimento gay e LGBTQ, o feminismo, o racismo, etc. porque são casos concretos em que podemos observar como se molda a sociedade no sentido de haver mais dignidade humana, tanto a nível da participação individual, como da função e funcionamento das instituições. A dignidade da pessoa humana é um valor fundamental na sociedade portuguesa, dado que é a base da República Portuguesa.

Agora, isto não implica que não seja importante discutir temas de cariz sexual nas escolas. Aliás, é um tema extremamente crítico hoje em dia por causa da forma como os jovens têm acesso à informação e também de como são alvo de predadores sexuais ou de como iniciam a sua actividade sexual: pornografia online, apps como o Tinder, redes de tráfico humano, etc. Depois, como a política de saúde pública mundial dos EUA mudou, devemos também preparar-nos para poder haver um aumento das doenças sexualmente transmissíveis a nível mundial e como Portugal está com maior abertura a pessoas internacionais, decerto que há potencial para a situação piorar.

Por isso surpreendem-me duas coisas: uma que o governo, meta estes assuntos na gaveta da ideologia; outra que a oposição insista que a única forma é exigir que estes assuntos sejam inseridos na aula de "cidadania". Países como a Suécia, Países Baixos, Reino Unido, e Canadá oferecem aulas de educação sexual nas escolas, porque é que Portugal não oferece também?

quinta-feira, 24 de julho de 2025

Algum progresso, mas nem por isso resultados

Há um mês, quando fui a Portugal, entrei com o passaporte americano. O moço que carimbou o meu passaporte no aeroporto em Lisboa disse-me que eu devia ter o português, mas eu respondi que demorava muito tempo. Respondeu que não, que era rápido. Não confiei muito porque tradicionalmente, Portugal é quase sempre complicado, e eu também preciso de renovar o cartão de cidadão e para renovar passaporte é preciso cartão de cidadão válido, logo estão a ver a complicação que vive sem pagar renda na minha cabeça. Hoje fui investigar se tinha havido algum progresso porque estava a falar com o meu sobrinho para ele renovar o passaporte dele.

Em Portugal, está tudo porreiro. Dá para agendar online, tirar o passaporte rápido e até renovar pela Internet e receber o documento pelo correio. Para quem está no estrangeiro, é mais complicado porque é preciso ir aos serviços consulares ou a Portugal presencialmente. No meu caso, a página de Internet do serviço consular em Washington, D.C., nem diz o que se pode tratar no consulado, mas dá para contactar o consulado para agendar uma marcação.

Surpreendentemente, no site do serviço consular de Boston está tudo bem esmiuçado (até falam da carta de condução), o que indica que cada serviço consular mete a informação que entende na sua página de Internet, o que me parece má prática. Porque é que o governo português não contrata uns designers digitais em Trás-os-Montes para consolidar a informação de toda a gente? É que decerto que o processo é uniforme para todos, logo faz sentido uniformizar as páginas. E digo em Trás os Montes, mas o Alentejo também serve e assim ajudava a descentralizar os serviços e a contribuir para a economia local de zonas fora de Lisboa.

Também gostaria de sugerir que facilitem o acesso aos serviços consulares no estrangeiro e estejam preparados para situações extremas. Quem está em Portugal está bem por enquanto (desde que o Ventura fique desaventurado), mas quem está no estrangeiro pode estar em risco dada a instabilidade política em tantos sítios. Por exemplo, o Trump quando deporta pessoas nem sequer os envia para o país de origem, logo não se surpreendam se um dia destes houver portugueses a acabar em prisões em El Salvador, Guatemala, Sudão do Sul, etc. e, nessa altura, Portugal tem de decidir rapidamente como agir com essas pessoas, se é que querem agir. Depois há também a situação no Médio Oriente que não se sabe se pode piorar e há bastantes portugueses que trabalham lá.

E já agora importam-se de arranjar esta página no Portal das Comunidades? É que há um link para a página aqui, mas o link devia ir para uma página onde se explica onde obter o passaporte electrónico.

quarta-feira, 23 de julho de 2025

Aceleração

Os últimos dias têm sido um rodopio de "notícias" com o caso Epstein, sugestões que Jerome Powell (Presidente da Reserva Federal) pode ser demitido por fraude (dizem que as obras na Reserva Federal têm um custo demasiado alto), o cancelamento de The Daily Show do Stephen Colbert, a insuficiência crónica venal de Trump, Trump vai processar o Wall Street Journal, o vídeo falso de Obama a ser preso que Trump postou, etc. Tudo isto em menos de uma semana e ainda temos notícias mais antigas como as inundações do Texas, em que supostamente a pessoa responsável por verificar que os anúncios de emergência meteorológica chegavam ao público alvo tinha sido aposentada por DOGE e não havia sido contratado um substituto.

A parte que me parece mais interessante é a da doença de Trump porque é muito raro a Casa Branca ser transparente no que diz respeito a doenças presidenciais, mas talvez a aparente transparência tenha sido uma necessidade depois do fiasco Biden. Também há a questão de o discurso de Trump estar cada vez mais incoerente, por exemplo, não se recorda que Powell foi nomeado por ele mesmo e não por Biden.

O facto de Trump ter adiado as tarifas comprou algum tempo para a economia, mas os dados mais recentes indicam que a actividade ecoómica está a esfriar, apesar do mercado accionista estar em máximos históricos, e a inflação pode ter acelerado. O dólar também enfraqueceu bastante o que retira poder de compra aos americanos. Foi anunciado que os EUA vão começar a pedir $250 de caução para quem precisa de visto para entrar no país, o que irá enfraquecer o turismo e as viagens de negócios ainda mais se for mesmo implementado--este valor acresce ao custo de obtenção de visto.

E ainda não tivemos um furação a atingir o continente americano, mas é uma questão de tempo até ele chegar -- entre Trump e as catástrofes naturais, vivemos com uma faca ao pescoço.

quarta-feira, 16 de julho de 2025

Montanha ou roleta

O ambiente nos EUA continua de cortar à faca. Apesar das frequentes notícias anti-Trump na comunicação social, o tópico é evitado entre amigos e conhecidos, como se o mundo fosse um pouco bipolar.

Há duas semanas estive em Portugal para visitar o meu pai e ir a um casamento; hoje a moça que faz as minhas unhas perguntou-me que tal tinha sido ao atravessar a fronteira para entrar nos EUA. Entrei pelo aeroporto de Houston que não recomendo e foi um erro meu ter marcado a viagem por lá, mas Newark está com capacidade reduzida por causa de ter poucos controladores aéreos. As filas em Houston costumam ser maiores e o pessoal da fronteira não é tão simpático, mas nem me fizeram nenhumas perguntas desta vez, apenas mostraram uma cara de frete. Em Janeiro, quando entrei também por lá ainda Biden presidia, também houve filas enormes e o agente da TSA (Transportation Security Administratio) perguntou-me o que eu tinha comprado: são livros, meu senhor, porque rosas não deixam entrar, devia ter-lhe respondido, mas não é aconselhável usar de sarcasmo na fronteira, então só disse que tinha comprado livros.

Respondi à rapariga que não me tinha acontecido nada, e que não, nem sequer viram o conteúdo do meu telefone, que ela queria saber. Antes da viagem comentei com um colega meu que tinha receio de atravessar a fronteira, e ele disse-me: "não tens nada que recear, pagas impostos." Ah pois pago e não me incomoda pagar porque os impostos são o que se paga por se viver numa sociedade civilizada, como dizia o Oliver Wendell Holmes, Jr., apesar de que chamar às nossas circunstâncias actuais uma sociedade civilizada implica uma enorme ginástica mental.

De vez em quando penso se devia andar com o passaporte dentro do país -- isto recorda-me um episódio que se passou com o meu primo em Lisboa quando ele estava com o meu pai nos longínquos anos 80. Apareceu um polícia e pediu a identificação do meu primo que devia ter menos de 18 anos na altura. Como ele não trazia bilhete de identidade, foi levado para a esquadra e o meu pai teve de ir levar-lhe a identificação. Há uns três anos apanhei uma multa de excesso de velocidade aqui perto de casa--ia a 63 Km/h numa área de velocidade máxima de 48 km/h (sou mesmo perigosa) e aconteceu que, nesse dia tinha deixado a carteira em casa e não levava a carta de condução. Na minha ingenuidade, perguntei ao polícia se podia ir buscar, que morava mesmo perto e ele disse que não havia problema, ele ia ver no computador. Lá viu e lá apenas multou, sem que me levasse para a esquadra ou me penalizasse por não ter a carta de condução comigo. Mas isto era no tempo em que os lacaios do Musk ainda não tinham andado a brincar com as bases de dados.

Os dois temas "fracturantes", como se gosta de dizer em Portugal, da actualidade americana são as inundações do Texas e agora os documentos do caso Epstein. Normalmente, os americanos são extremamente generosos, especialmente na face de tragédias, mas instalou-se um clima de "tiveram a realidade em que votaram" e muita gente recusa-se a contribuir para os peditórios de apoio às vítimas. No caso do Epstein, parece-me que há uma ilusão de que é desta que o movimento MAGA se desentende e quiçá se desintegra, mas acho que não tem qualqer efeito. Uma das minhas melhores amigas votou Trump não porque o quisesse, mas porque não queria Kamala, pois não queria que os transsexuais que estão presos tivessem acesso a cirurgias para mudar de sexo. O marido não quis votar Trump e votou no RFK Jr., apesar de este já ter desistido da corrida. Ela agora diz que Trump é completamente louco. Ah pois, agora não há nada a fazer senão aguentar a montanha russa, ou será roleta russa?