Se a Eneida era violenta (recordo-me em particular da descrição da morte de Priam), a Ilíada é brutal, verdadeiramente animalesca, em que se aceita com normalidade matar pessoas, violar mulheres, matar crianças, maltratar corpos, etc. Grande parte dos acontecimentos da Ilíada são relatados na Eneida, mas com menos violência gráfica. Os dois relatos referem acontecimentos que ocorreram por volta do séculos XIII a XII A.C.: a Ilíada talvez tenha sido composta por volta de 750 a 700 A.C., ou seja quase meio milénio depois, e a Eneida foi publicada no ano de 19 A.C. Supõe-se que Homero, que compôs a Ilíada, tenha sido uma amalgama de pessoas em vez de apenas um poeta, enquanto que a Eneida foi composta por Virgílio, o poeta romano, que a escreveu para elogiar e talvez criticar ou influenciar o Imperador Augusto.
Sendo a Ilíada supostamente o produto de vários homens, é impressionante a consistência de violência gráfica, mas isso está mais na mimha cabeça do que na cabeça deles, se calhar. Nessa altura, a vida era assim e a Europa era um sítio violento e não é preciso recuar muito para encontrar níveis absurdos de violência durante a nossa vida. Talvez o que distinga um período de paz de um período de guerra seja para além do número de vítimas, o facto de homens em idade activa serem alvo de violência porque as mulheres, as crianças, os idosos, enfim as minorias são sempre alvo de violência, haja paz ou guerra. Mas já Virgílio foi mais contido talvez porque não tivesse experiência de combater numa guerra, ou talvez nestes quase sete séculos entre os dois relatos tivesse havido progresso em termos do que era aceitável, uma mudança de ideologia, portanto.
O facto de tanta da história da humanidade ser dominada por conflitos e guerras devia pôr-nos de pé atrás: não devíamos achar que a paz é o estado natural da nossa existência; pelo contrário, a paz deve ser encarada como um alvo em constante movimento e o ideal é formar cidadãos que tenham apreço e um sentido de responsabilidade pelo esforço necessário para trabalhar para a paz.
Posto isto, quando penso em cidadania, não me vem à cabeça educação sexual, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, gestão de ansiedade, etc., mas faz sentido falar de coisas como o movimento gay e LGBTQ, o feminismo, o racismo, etc. porque são casos concretos em que podemos observar como se molda a sociedade no sentido de haver mais dignidade humana, tanto a nível da participação individual, como da função e funcionamento das instituições. A dignidade da pessoa humana é um valor fundamental na sociedade portuguesa, dado que é a base da República Portuguesa.
Agora, isto não implica que não seja importante discutir temas de cariz sexual nas escolas. Aliás, é um tema extremamente crítico hoje em dia por causa da forma como os jovens têm acesso à informação e também de como são alvo de predadores sexuais ou de como iniciam a sua actividade sexual: pornografia online, apps como o Tinder, redes de tráfico humano, etc. Depois, como a política de saúde pública mundial dos EUA mudou, devemos também preparar-nos para poder haver um aumento das doenças sexualmente transmissíveis a nível mundial e como Portugal está com maior abertura a pessoas internacionais, decerto que há potencial para a situação piorar.
Por isso surpreendem-me duas coisas: uma que o governo, meta estes assuntos na gaveta da ideologia; outra que a oposição insista que a única forma é exigir que estes assuntos sejam inseridos na aula de "cidadania". Países como a Suécia, Países Baixos, Reino Unido, e Canadá oferecem aulas de educação sexual nas escolas, porque é que Portugal não oferece também?