terça-feira, 5 de janeiro de 2016

It's all shit!

O NG insiste comigo que Portugal é tão bom e os EUA são uma merda -- os EUA são sempre uma merda diz o NG sempre que me comenta, mas o NG, tal como eu, faz uma vida muito interessante na merda dos EUA. O NG passeia em Los Angeles e S. Francisco; eu vou passear para Nova Orleães, mas também já fui a S. Francisco e a Los Angeles -- vou a todas, que eu não sou esquisita, apesar daquele ar poluído sobre a baixa de Los Angeles ser uma grande merda. Mas quando se está na encosta do J. Paul Getty Museum a olhar para a skyline de L.A., muita merda é tolerável. A sério!

Não nasci ontem, não há países ideais, todos os países têm merda e se não sabem a merda que há é porque não prestam muita atenção. Quanto aos salários mínimos dos empregados de mesa nos EUA, efectivamente no papel são uma merda. Nos EUA, as refeições são mais rápidas do que em Portugal e não é comum ficar-se na mesa durante muito tempo depois de se terminar. Assim, cada mesa rende mais, o empregado atende mais pessoas e ganha mais gorjetas. Um bom empregado consegue ter gorjetas que mais do que anulam a merda do salário mínimo--até é capaz de dar para comprar desodorizante para a casa. E depois, quem ganha verdadeiramente merda são os empregados que limpam a mesa, lavam os pratos, cozinham, etc. Nunca leram o Kitchen Confidential do Anthony Bourdain?

restaurantes que querem acabar com o sistema de gorjetas americano porque acham que os empregados de mesa ficam a ganhar muito bem, mas quem trabalha nas traseiras fica a ganhar mal. Afinal, quem trabalha no ramo, acha que os empregados de mesa têm uma merda bem cheirosa. Isto porque quando a comida vem para a mesa, o aspecto do prato e a sua qualidade não têm nada a ver com o trabalho do empregado, mas sim com o de alguém que se esfolou a trabalhar sem a perspectiva de uma gorjeta. E as condições nas traseiras são tão más que, em muitos casos, só os imigrantes ilegais lá trabalham. Mas que raio fazem estes imigrantes ilegais a esfolarem-se a trabalhar nos EUA, que é um país de merda? Eles arriscam a vida a atravessar a fronteira para vir trabalhar na merda? São tolos, só pode...

Se calhar, no México ou em El Salvador é melhor. Ou talvez na Índia seja bom: há aqueles fulaninhos -- os dabbawallahs -- que levam comida durante a hora de almoço e que são altamente eficientes, mas a profissão só dura enquanto eles conseguirem aguentar o elevado esforço físico, e garanto-vos que não ganham o salário do Cristiano Ronaldo; também não fazem depilação ao peito é verdade, se calhar nem têm manicures. Também na Índia, os homens fazem fila do lado de fora dos prédios em construção, na esperança de um desgraçado cair e morrer para poderem ter o emprego dele. E parece que isto nem é a pior merda que existe, um amigo meu indiano dizia-me que ao menos a Índia tinha leis de protecção aos trabalhadores muito melhores do que a China.

Mas não foi em Portugal, há seis meses, que se encontrou um homem que era mantido como escravo? E a Alemanha, um país tão supimpa e puro, onde aquele piloto suicida decidiu matar toda a gente no avião? E os canadianos, o povo mais simpático do mundo e que discrimina os aborígenes e as mulheres aborígenes são vítimas de violência doméstica a taxas malucas. Mas na América é pior, lá há violência com armas, as pessoas de cor são mortas pela polícia, e os empregados de mesa ganham uma merda de salário mínimo.

Portugal, pelo que me conta o NG, parece ser um país muito decente porque as pessoas não vivem de gorjetas, há serviços mínimos do estado, há salário mínimo, etc. Portugal é um país tão bom no papel, logo não compreendo esta coisa da emigração portuguesa. Na realidade, não é um país perfeito. Parece que é como as crianças quando fazem um bocadinho de xixi nas cuecas, mas continuam a ser crianças bestiais.

Em Portugal, há muita gente a ganhar abaixo do salário mínimo e sem perspectivas de emprego decente. Há quem se esfole a trabalhar e os patrões preferem mandá-los embora -- em vez de lhes aumentar o salário ou contratá-los como efectivos --, e contratar outra pessoa a quem pagam o salário mínimo. Há mulheres que são mal pagas porque os patrões lhes dizem que, se viverem com um homem que tenha emprego, podem pagar as contas à vontade.

No entanto, há o RSI, têm médico de graça, etc., e podem sempre ir lavar escadas e pratos às escondidas para suplementar o RSI. E podem sempre ir morrer ao hospital porque chegam lá à sexta-feira e os médicos, técnicos, e enfermeiros acham que sexta-feira à tarde já é fim-de-semana e não dá para operar.

Os EUA têm merda a mais e Portugal também não tem falta de merda. E não são só estes países -- há merda em todo o lado. Essa é a verdade: podem ser merdas diferentes, mas o que não falta é merda! It's all shit, my friends...

7 comentários:

  1. An increasingly all-American girl! Good for you!

    "A América é atroz, é um país de bárbaros", exclama a asséptica classe média e média-alta portuguesa. "Imaginem que nem tem Serviço Nacional de Saúde onde uma pessoa possa morrer sossegadamente ao fim de semana! Imaginem que o desemprego está nos 5%, assim privando imensa gente de receber o respectivo subsídio , o qual a civilizada Europa da zona euro paga a uma média de 10% da população activa (os ingleses, uns gajos parecidos com os americanos - até falam americano, vejam só! - do alto da sua insuportável arrogância e primitivismo, cometeram o estrondoso erro de não aderirem à nossa maravilhosa moeda única, com o resultado - bem feito! - de, também eles, só pagarem subsídio de desemprego a 5% da população activa! Não há pachorra para estes selvagens dos anglo-saxónixos e seu destravado 'neoliberalismo'. Portugal é que é bom (já para não falar na 'Eruopa')!."

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  2. Ó Rita, lamento que algum comentário meu suscite um post com tantas palavras desagradáveis. Nunca disse que os EUA não são um país extraordinário, onde não quero ou não tenho gosto em viver, tal como Portugal. Bem pelo contrário. Impressionam-me outras coisas, não a culinária (até agora) ou a aversão ao Estado Social (não em tudo). Por exemplo, entrar numa Universidade e ver 7 lugares de estacionamento reservados para laureados com o Prémio Nobel. Ou ter os meus filhos a estudar numa das melhores escolas do Estado, sem pagar um tostão, recebendo todos os manuais de estudo, impecáveis, como novos, com as nomes dos alunos que deles se serviram, e o computador portátil, na primeira semana de aulas para entregar na última, na condição em que lhes foi entregue. Como em todo o lado, aqui encontramos aspectos muito interessantes e aspectos pouco interessantes, o excepcional e o sublime e o que corre menos bem. O que lhe disse é que me parece uma saloíce achar que os EUA são o primeiro mundo onde tudo funciona na perfeição e Portugal a parvónia, onde nada presta, ou o contrário. Não leve a mal mas essa atitude faz-me lembrar a imagem dos carros de marca, com matrícula estrangeira, que, às vezes vejo, no mês de Agosto, a acelerar, com fumaça, pelas ruas da minha querida aldeia. Sei que não tem a ver consigo.

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    1. Os EUA têm coisas boas e coisas más. Eu escrevo sobre coisas boas e coisas más que aqui vejo. Por acaso, nunca disse que o sistema de gorjetas americano era uma coisa muito boa dos EUA. O que eu disse, e parece que você não entende o meu português, foi que quando eu vou a Portugal, estou tão habituada ao sistema americano que penso na qualidade da experiência que me proporciona quem me serve comida e quero recompensá-los pelo esforço. Isso é uma maneira de pensar americana, à qual eu me habituei.

      Depois, em Portugal, eu também não tenho a certeza de que o empregado de mesa seja realmente pago o salário mínimo ou um salário decente. Uma pessoa com experiência não deve apenas ganhar o salário mínimo a meu ver. A realidade portuguesa é muito complicada; a realidade americana também, e você deveria sair da Califórnia porque a Califórnia é muito diferente do resto da América.

      Quanto às minhas palavras serem desagradáveis, não há palavras desagradáveis. Há pessoas que reagem com desagrado às palavras. Se eu chamar a alguém "grande cabrão" no Porto, muita gente pensará que eu estou a ser carinhosa; já em Lisboa, pensariam que eu estou a insultar. As palavras são as mesmas; as reacções são opostas.

      A saloíce portuguesa também se demonstra muito na ideia de que Portugal é o melhor do mundo. Não há países perfeitos; há coisas boas e más em todos os sítios. E é por isso que eu escrevo sobre situações concretas, coisas que gosto e não gosto. Relativamente à sua querida aldeia, é tão querida que você escolhe viver do outro lado do mundo. É muito giro dizer aos portugueses que Portugal é óptimo quando nós vivemos noutro sítio.

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    2. A parte relativa a Portugal tem várias falhas, de certo modo no estilo dos emigrantes dos anos 70 e que tinham saido sem conhecerem bem o país. Em todo o caso, li com muito interesse, porque parte da parte má está subavaliada - o real é mesmo pior que o assinalado (em alguns sítios). Há, no entanto, algumas boas notícias, certamente pouco circuladas.

      Quanto à economia das gorgetas refere-se, antes de mais, a um sistema de estímulos com vários segmentos. Por exemplo, devido ao seu impacto fiscal algumas organizações centralizam-as e fazem a sua distribuição por todos.

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  3. Aborígenes no Canadá? Não é na Austrália?

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    1. O termo também é usado no Canadá, nas formas "Aboriginal peoples in Canada" ou "Aboriginal Canadians".

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    2. a·bo·rí·ge·ne
      (latim Aborigines, -um, primeiros habitantes de um país)
      adjectivo de dois géneros e substantivo de dois géneros
      1. Que ou quem é originário do país em que vive. = AUTÓCTONE, INDÍGENA, NATIVO ≠ ALIENÍGENA, ESTRANGEIRO, FORASTEIRO
      adjectivo de dois géneros
      2. Que foi o primeiro a habitar ou pertenceu aos primitivos habitantes.
      3. Que é relativo ao conjunto das tribos indígenas australianas.
      substantivo de dois géneros
      4. Indivíduo que pertence a uma das tribos indígenas australianas.

      "aborígene", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/abor%C3%ADgene [consultado em 05-01-2016].

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