domingo, 18 de setembro de 2011

O fim da Europa como a conhecemos

A zona euro vive uma crise gravíssima, que terá consequências muito sérias para os portugueses e para a União Europeia. Reuniões inconclusivas dos responsáveis da área do euro e da União Europeia sucedem-se. E as dúvidas em relação ao futuro do euro acumulam-se.

No início da crise da dívida soberana, Grécia, Portugal e a Irlanda deviam milhares de milhões de euros e o problema era desses países, ou seja, teriam que corrigir os seus desequilíbrios através de medidas de austeridade. Na fase actual da crise, Espanha, Itália, Bélgica e França devem milhões de milhões de euros e o problema passou a ser também dos países credores – e será a estes que caberá a última palavra na solução para a crise da zona euro.

No entanto, desde o início da crise da dívida soberana da zona euro tem estado presente, de forma mais ou menos explícita, a esperança de os países em dificuldades convencerem os seus parceiros europeus a alterar a orientação do BCE, no sentido de adoptar uma política monetária expansionista, e a adoptarem políticas orçamentais expansionistas, que estimulem as importações de bens produzidos pelos países em dificuldades. Países como a Alemanha poderiam ainda tomar medidas para aumentar os salários e estimular a procura por essa via, reduzindo o superávite externo. De acordo com esta visão, desta crise poderia ainda sair uma solução para a fragilidade estrutural da moeda europeia através da criação de um "governo europeu", que recolhesse impostos e distribuisse subsídios e outras despesas públicas à escala europeia. Este governo poria em acção um mecanismo de "estabilização automática" dentro da zona euro: quando Portugal estivesse em recessão, como agora acontece, e a Alemanha estivesse em expansão, os impostos recolhidos na Alemanha pagariam, por exemplo, o subsídio de desemprego em Portugal. Por definição, este governo europeu seria financiado por euro-obrigações.

A evolução da crise tem mostrado que aquela é uma esperança vã por não ser aceitável para a generalidade dos alemães e para outros povos da Europa Central e do Norte. A concretização daquele cenário significaria que seriam os países em situação económica mais frágil, e que seguiram políticas económicas que se revelaram incompatíveis com a estabilidade do euro, a determinar a política económica dos países mais ricos e do BCE. Se o caminho continuar a ser este, o cenário mais verosímil será os países da Europa Central e do Norte deixarem cair os países com crises de dívida soberana. Neste caso, o euro acabaria e a União Europeia, como a conhecemos, também, ou pelo menos o número de membros seria reduzido significativamente. Seguir-se-ia um período de caos económico, social e político, com quedas abruptas do nível de vida, acompanhado pelo ressurgimento de tensões internacionais. Este processo teria consequências imprevisíveis, mas potencialmente dramáticas a um nível extremo, impensável na Europa ocidental antes da crise. Quanto a Portugal, passado o caos, certamente voltaria a ser o que era antes de iniciar o processo de integração europeia: um país pobre e periférico, e com grande instabilidade política.

No entanto, antes de isso acontecer, os países da zona euro, para salvarem a moeda europeia, poderão escolher soluções que envolverão políticas mais activas do BCE e/ou maior integração orçamental, e que correspondem a dois cenários possíveis.

No primeiro cenário, durante os próximos anos o BCE (e o FEEF) intervém de forma resoluta e em larga escala no mercado de dívida pública, comprando títulos dos países europeus com dificuldades em se financiar a taxas de juro que não ponham em causa a solvabilidade dos países e que evitem situações de pânico. Ao mesmo tempo, os países na mira dos investidores levam a cabo com sucesso programas de ajustamento orçamental, podendo ser auxiliados por alguma forma de reestruturação suave da dívida. Daqui por alguns anos, os investidores recuperam alguma confiança nesses países e o FEEF e o BCE podem mesmo deixar de comprar títulos de dívida pública desses países. Nessa altura, a zona euro volta à normalidade dos seus primeiros anos de vida, mas com spreads mais elevados para os países suspeitos, que tentarão manter as finanças públicas sob controlo de modo a evitarem uma repetição da crise. Contudo, o BCE (e o FEEF) terá que permanecer pronto a reentrar em acção quando voltar a haver algum alarme entre os investidores.

De facto, parece-nos que as decisões dos líderes europeus revelam a esperança, pelo menos aparentemente, de que esta solução resulte. No entanto, esta solução tem dois problemas: por um lado, não garante que o comportamento dos governos se venha a alterar de forma a evitar a repetição da crise – permanece um problema de risco moral, que poderá ser agravado neste novo enquadramento. Por outro lado, a alteração do comportamento do BCE dificilmente será aceite pelos cidadãos alemães. Assim, a dificuldade em implementar esta solução é que os mercados financeiros não têm acreditado na sua viabilidade, sentimento para o qual também contribuem o comportamento errático e a falta de consenso entre os próprios líderes europeus. As propostas de revisão do pacto de estabilidade e crescimento, nomeadamente através do estabelecimento de sanções automáticas para os prevaricadores, são uma forma de tentar ultrapassar este problema. Mas, se o pacto de estabilidade e crescimento falhou, o que garante que as novas propostas sejam eficazes (mesmo que venham a ser aceites por todos os países, o que também não é garantido)?

No segundo cenário, os países europeus chegam a um acordo político para reduzir, se não eliminar, a probabilidade de a zona euro voltar a enfrentar uma crise deste tipo. As medidas incluem (além de intervenções do BCE e de reestruturações suaves das dívidas) uma transferência das competências orçamentais para uma entidade europeia ‘desenhada’ pelos países da Europa Central e do Norte. Esta entidade compromete-se a apresentar orçamentos equilibrados (que poderão ter em conta a situação económica de cada país) para cada país sob a sua alçada. As autoridades nacionais poderão escolher o nível e a composição da despesa pública e o tipo de impostos que financiará essa despesa. A intervenção da entidade europeia no processo orçamental garantirá o cumprimento das metas orçamentais, impondo as medidas necessárias para corrigir desvios orçamentais. Pelo menos nos primeiros anos, esta solução deverá implicar a continuação da austeridade, de forma a reduzir o peso da dívida pública. O refinanciamento da dívida e o financiamento de défices temporários poderão ser feitos através de euro-obrigações, permitindo aliviar as medidas de austeridade.

Esta opção elimina o risco moral acima descrito através de uma transferência de poderes para uma entidade mais credível. Contudo, isto teria certamente a oposição de sectores importantes dentro dos países da zona euro, que a sentiriam como uma perda de soberania e uma submissão a regras estúpidas (que seriam sempre muito difíceis de definir).

No entanto, se nenhuma destas duas soluções resultar, o colapso do euro e o caos na União Europeia, em especial nos países periféricos, tornar-se-ão inevitáveis.

(escrito com Pedro Bação)

2 comentários:

  1. 2 cenário descritos impossiveis tanto pelas razões referidas como pela "reestruturação suave da divida" qualquer semelhança com um reestruturação leve a activação dos CDS que estão disseminados pela banca europeia (o Mercado de derivados é quase sempre muito maior do que o do activo subjacente). É esta a razão porque a Grécia ainda não faliu oficialmente já que quando acontecer oficialmente os CDS serão activados e aí será o bom e o bonito na Banca do euro.
    Existe somente uma solução para o euro que passa por 4 passos fundamentais;
    - um - expansão monetária (quantative easing à americana) com inflação moderada associada e queda do valor do euro as dívidas de todos os países de euro ficam menores, os compromissos (reais) futuros dos Estados diminuem e TODOS ficamos mais pobres (consequência desastrosa mas sempre inevitável),
    - dois - esta expansão monetária serviria para comprar divida a fundo + - perdido dos países em excesso de divida directamente pelo BCE,
    - três - saída da Alemanha (e provavelmente países de influencia directa da Alemanha) do euro (penso consequência da implementação do passo um)
    - quatro - introdução das novas moedas nacionais em co-circulação com o euro e extinção progressiva do euro que se deverá continuar a desvalorizar ficando o BCE as dividas em euro desvalorizadas...
    A alternativa a este cenário é a implentação de uma URSE (união da repúblicas socialistas europeias) comandada por burocratas em Bruxelas com posterior erupção de violência (e mesmo guerra) entre devedores sem liberdade e credores sem crédito e posterior implementação de governos nacionalistas (de esquerda ou de direita) e fim que qualquer laço de união entre os europeus.

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  2. So ha 2 saidas possiveis para esta crise:
    1 - Integracao economica.
    2 - Desagregagcao do Euro.

    Todos os outros cenarios sao meras fantasias de quem ainda anda agarrado a contos de fadas que asseguram que o Euro, com a sua arquitectura actual e algo de sustentavel.
    Restruturar dividas sem resolver os desiquilibrios gerados pelo Euro e pura fantasia. "Reformas estruturais" diz ele... pode ser que a fada da confianca apareca.

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