Se a Grécia entrar em incumprimento ou bancarrota, os credores – “especuladores”, se quiserem, designação que até me
parece apropriada, dado que o que eles fazem de facto é especular sobre o
futuro - ficam a arder com os gregos.
Não seria a primeira vez que tal aconteceria. A história está cheia desses exemplos dramáticos: pessoas que foram à ruína de um dia para o outro.
A inflação e o incumprimento são desde sempre os inimigos
mortais dos credores. Antes, no século XIX, a Inglaterra bonbardeava
os países incumpridores (em especial os latino-americanos, que rapidamente descobriram as vantagens de não pagar) para os pôr na ordem. A hiperinflação que se seguiu às duas
grandes guerras foi devastadora e deixou os credores a penar. Nos anos 1920, Keynes falava na
"eutanásia dos credores".
No pós-guerra, com Bretton Woods
e o seu sistema de câmbios fixos e as moedas atreladas ao dólar, mas com a
circulação de capitais controlada pelos Estados, os ventos também não lhes corriam
de feição. Em Agosto de 1971, quando Nixon declarou o fim da convertibilidade
do dólar em ouro, soou o sino fúnebre do sistema idealizado, entre outros,
por Keynes. No final dos anos 1970 e início dos anos 1980, primeiro na Inglaterra
com Margaret Thatcher e depois nos EUA com
Ronald Reagan, começaram a vingar as chamadas teorias monetaristas. Uma inflação baixa
e estável passou entretanto a ser uma prioridade dos governos. Resultado: nunca
se emprestou tanto dinheiro e nunca os credores obtiveram tanto lucro, a ponto de
muitos considerarem que eles mandam hoje no mundo. A verdade é que nada disto
os livrou de apanhar vários escaldões. Basta recordar, por exemplo, o brutal perdão de dívida
que se seguiu à bancarrota da Argentina em 2001 – como é que este país conseguiu, mesmo
assim, começar a crescer a bom ritmo a partir de 2004 é uma questão que me
escapa.
Há muito que os credores deixaram
de poder contar com os navios de guerra de Sua Majestade para intimidar os caloteiros. O
melhor que arranjaram nesse aspecto foi o FMI, uma relíquia de Bretton Woods. Mas
o FMI é um polícia desarmado, munido de uma cartilha conhecida como consenso de
Washington, aplicada a países em dificuldades. Grosso modo, a receita costuma
ser: 1. Impor disciplina fiscal; 2. Reformar a tributação; 3. Liberalizar as
taxas de juro; 4. Aumentar a despesa na saúde e educação; 5. Assegurar os
direitos de propriedade; 6. Privatizar as indústrias estatais; 7. Desregular os
mercados; 8. Adoptar uma taxa cambial competitiva, 9. Remover os obstáculos ao
comércio; 10. Remover os obstáculos ao investimento directo estrangeiro.
Ao que consta, estes princípios,
políticas ou simples desejos foram escritos originalmente por um tal de John
Williamson em 1989. Muitos consideram-nos autênticas armas de destruição
maciça; outros, mero bom senso. Seja como for, entre os bombardeamentos do século XIX e a
prescrição de uma terapia de efeitos por vezes duvidosos, parece-me preferível
a segunda hipótese – estou a falar, claro, na perspectiva de quem está à beira
da bancarrota.