Fiquei bastante surpreendida ao ler em comentários no Facebook de pessoas portuguesas que o COVID-19 é uma criação dos media americanos para atacar o Presidente Trump. Penso que as pessoas em Portugal não conhecem o fluxo de notícias dos media americanos, apesar de dizerem que estão ao corrente da comunicação social americana.
Até 5 de Fevereiro de 2020, a maior parte das notícias nos EUA eram sobre o julgamento de impugnação de Trump, que foi votado no Senado nesse dia e culminava um processo iniciado a 24 de Setembro de 2019, com a abertura do inquérito na Câmara dos Representantes.
Em 15 de Janeiro de 2020, foi assinada a primeira fase do acordo comercial dos EUA com a China, depois de 18 meses de uma guerra comercial entre os dois países, que não só dominou as notícias, como tem desgastado a economia americana -- a Reserva Federal começou a baixar a taxa de juro de referência por causa do efeito da guerra comercial. Uma curiosidade: desde o início da guerra comercial, o período mais longo de apreciação do S&P 500 foi durante o processo de impugnação de Trump; antes, o S&P 500 teve várias quedas repentinas, muitas delas associadas a tuítes do Presidente Trump.
Os Centers for Disease Control, a organização nos EUA que investiga e controla doenças, anunciou, em 17 de Janeiro, que iria iniciar medidas de despiste do virus em três aeroportos americanos, mas pouco ou nada se falava sobre o virus então. Só que quando a China impôs medidas de quarentena em três cidades, que foi anunciado a 23 de Janeiro e alargado a 24 cidades no dia seguinte, a China basicamente admitiu que o COVID-19 era um caso sério, e salta para as primeiras páginas dos jornais.
A seriedade do assunto foi confirmada a 3 de Fevereiro, quando o Presidente Xi Jinping afirmou na TV chinesa que o combate ao virus era o assunto de maior prioridade para os chineses. No dia seguinte, Larry Kudlow o Economic Adviser do Presidente Trump disse que as metas do acordo comercial assinado poderão ser adiadas, mas o acordo mantinha-se.
A maior parte dos americanos acha a Administração Trump incapaz de lidar com o vírus, a começar pelo facto de nem sequer se saber se o que Trump diz é verdade ou não. Por exemplo, a certa altura Trump afirmou que o virus era a nova patranha dos Democratas, depois da de impugnação. Para além disso, as pessoas ainda se recordam do furacão Maria que atingiu Porto Rico em 2017 e que oficialmente tinha matado 64 pessoas e um ano depois houve uma revisão do número de vítimas fatais e admitiu-se que excede 3000.
O povo americanos é muito ciente dos riscos que corre porque não só o território nacional está sujeito a bastantes catástrofes naturais, como o próprio país foi sendo organizado em consequência de tragédias naturais. Por exemplo, os Centers for Disease Control foram criados em resposta aos surtos de febre amarela do século XIX e a delineação de poderes entre o governo federal e os governos dos estados também foi condicionada por esses mesmos surtos.
Toda a máquina federal americana está ao serviço da população para a manter informada e ao corrente dos riscos que corre. Mas note-se que este esforço não beneficia apenas americanos, pois os EUA alertam e colaboram com outros países quando identificam um risco, por exemplo, terramotos, furacões, etc. Talvez vocês não saibam, mas os CDC mantêm um sistema de alerta mundial de surtos de doenças infecciosas e ajudam outros países a investigar surtos. Podem ver a missão dos CDC na sua página de Internet.
Hoje em dia, qualquer pessoa tem acesso à Internet. Não há razão para as pessoas não terem melhor noção de como o mundo funciona.
Um blogue de tip@s que percebem montes de Economia, Estatística, História, Filosofia, Cinema, Roupa Interior Feminina, Literatura, Laser Alexandrite, Religião, Pontes, Educação, Direito e Constituições. Numa palavra, holísticos.
sábado, 29 de fevereiro de 2020
Cultura geral
sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020
À carona do corona
O COVID-19 tem uma taxa de mortalidade alta na população mais idosa e suspeita-se, ou até podemos considerar que já é certo, que bastantes pessoas estejam contaminadas, sem que ainda se saiba. A medida de prevenção mais usada até agora tem sido a quarentena, que Portugal declarou inconstitucional.
A inconstitucionalidade é uma ideia engraçada quando não há ninguém doente, mas Portugal tem uma das populações mais envelhecidas do mundo e se se encontrarem casos em Portugal, decerto que bastantes pessoas morrerão, especialmente em Lisboa. Como os mais idosos gostam de votar PS, vamos ver quanto tempo durará a inconstitucionalidade ou se o Parlamento decide rever a CRP antes do PS perder parte do eleitorado.
A inconstitucionalidade é uma ideia engraçada quando não há ninguém doente, mas Portugal tem uma das populações mais envelhecidas do mundo e se se encontrarem casos em Portugal, decerto que bastantes pessoas morrerão, especialmente em Lisboa. Como os mais idosos gostam de votar PS, vamos ver quanto tempo durará a inconstitucionalidade ou se o Parlamento decide rever a CRP antes do PS perder parte do eleitorado.
domingo, 16 de fevereiro de 2020
A tentação de matar André Ventura
Na semana passada, diziam-me os meus amigos portugueses que uma quarentena era inconstitucional porque, durante o tempo da ditadura, havia pessoas opostas ao regime que eram internadas, obviamente por motivos políticos e não por causa da sua saúde.
Sem quarentena, apesar do risco ser pequeno, abrimos a hipótese de ter casos de coronavirus que têm uma taxa de mortalidade alta, mas suponho que essas mortes, se se vierem a materializar, são o preço que pagamos para garantir que o governo não cai na tentação de isolar por umas duas semanas membros da oposição.
Esta semana, alguém decidiu que se devia discutir a eutanásia. Os argumentos usados são interessantes, pois dizem-nos que a vida não é um direito absoluto, o que é consistente com a possibilidade de morrerem pessoas de coronavirus para se garantir que os membros da oposição não sejam internados. Faz sentido...
Só que o problema complica-se um bocado se pensarmos que, na semana passada disseram-nos que não devíamos confiar na administração de quarentenas pelo governo porque os serviços de saúde podiam decidir incluir pessoas que não deviam, mas nesta semana pedem-nos para confiar que o governo e os serviços de saúde merecem a nossa confiança para administrar um programa de morte voluntária.
Durante a ditadura, também houve casos de membros da oposição mortos, por isso como é que se garante que o governo não decide cair na tentação de enviar o André Ventura para a lista da eutanásia?
Sem quarentena, apesar do risco ser pequeno, abrimos a hipótese de ter casos de coronavirus que têm uma taxa de mortalidade alta, mas suponho que essas mortes, se se vierem a materializar, são o preço que pagamos para garantir que o governo não cai na tentação de isolar por umas duas semanas membros da oposição.
Esta semana, alguém decidiu que se devia discutir a eutanásia. Os argumentos usados são interessantes, pois dizem-nos que a vida não é um direito absoluto, o que é consistente com a possibilidade de morrerem pessoas de coronavirus para se garantir que os membros da oposição não sejam internados. Faz sentido...
Só que o problema complica-se um bocado se pensarmos que, na semana passada disseram-nos que não devíamos confiar na administração de quarentenas pelo governo porque os serviços de saúde podiam decidir incluir pessoas que não deviam, mas nesta semana pedem-nos para confiar que o governo e os serviços de saúde merecem a nossa confiança para administrar um programa de morte voluntária.
Durante a ditadura, também houve casos de membros da oposição mortos, por isso como é que se garante que o governo não decide cair na tentação de enviar o André Ventura para a lista da eutanásia?
terça-feira, 4 de fevereiro de 2020
Os idiotas passivos
Para os gregos da Antiguidade Clássica, o idiota (idiotés) era aquele que não participava nos assuntos públicos e estava focado apenas nos seus interesses privados. Péricles verberou os indiferentes, os que não se envolviam naquilo que a todos dizia respeito. O mundo mudou. Hoje, tendemos a achar espertos aqueles que pensam apenas em si próprios e que, por vezes, até querem destruir o que é público. Mais: tendemos a valorizar pouco a inteligência dos que nos pastoreiam. Claro que cada um é livre de ser indiferente, de não querer ser incomodado pela política. O problema é que essa talvez seja a pior maneira de conseguir o almejado sossego, como nos lembram autores como Daniel Innerarity. Sem querer, os passivos acabam por se tornar aliados inconscientes daqueles que têm a sacrossanta intenção de não deixar ninguém em paz. Numa palavra, os passivos são idiotas, como diriam os gregos há mais de dois mil anos.
domingo, 2 de fevereiro de 2020
Uma justiça eficiente
A propósito das "leaks" serem ou não admissíveis como prova, imagine-se uma situação em que um indivíduo rouba um carro e encontra na mala o cadáver de uma pessoa desaparecida. Como tem medo de ser acusado de homicídio, decide ir à polícia confessar que roubou um carro, mas que nada tinha a ver com o que tinha acontecido ao corpo que encontrou na mala. Pela lógica da Juíza Cláudia Pina, dois males não podem produzir um bem, logo o corpo e todas as provas que possam ser retiradas da análise do carro não são admissíveis em tribunal.
Continuemos a exploração deste exemplo, imagine-se agora que nestas circunstâncias prevalece a não admissibilidade de provas. Presuma-se também que havia um suspeito no desaparecimento do corpo, que é levado a tribunal pelo suposto homicídio. No julgamento, a defesa vai argumentar que não há crime: o corpo e quaisquer análises do carro e corpo não são admissíveis como prova, logo não podemos concluir que tenha havido homicídio apesar das provas e, sem corpo e sem provas, não há homicídio e o caso continua a ser um de desaparecimento.
Agora, pensemos no caso do BES: a Justiça portuguesa, no decorrer normal da sua actividade, sem violar os direitos de ninguém, encontrou provas relativas ao caso do BES. Diz a Juíza que não são admissíveis, pois foram obtidas ilegalmente pelo hacker. Nesse caso, nada que o hacker encontrou é admissível em qualquer processo, logo a polícia nem sequer devia analisar os dados. E não podendo analisar os dados, como é que se pode provar que a informação que o hacker tinha não era do próprio?
Mas o caso ainda se torna mais sórdido, pois imaginemos agora que o caso do BES vai mesmo a tribunal, o que é que a defesa irá dizer? Que nenhumas das provas apresentadas pela acusação são admissíveis pois a sua obtenção foi contaminada pelas provas encontradas pelo hacker, que não eram admissíveis. Ou seja, com a suposta não-admissibilidade das provas, o caso do BES está arrumado. Já não era sem tempo...
Continuemos a exploração deste exemplo, imagine-se agora que nestas circunstâncias prevalece a não admissibilidade de provas. Presuma-se também que havia um suspeito no desaparecimento do corpo, que é levado a tribunal pelo suposto homicídio. No julgamento, a defesa vai argumentar que não há crime: o corpo e quaisquer análises do carro e corpo não são admissíveis como prova, logo não podemos concluir que tenha havido homicídio apesar das provas e, sem corpo e sem provas, não há homicídio e o caso continua a ser um de desaparecimento.
Agora, pensemos no caso do BES: a Justiça portuguesa, no decorrer normal da sua actividade, sem violar os direitos de ninguém, encontrou provas relativas ao caso do BES. Diz a Juíza que não são admissíveis, pois foram obtidas ilegalmente pelo hacker. Nesse caso, nada que o hacker encontrou é admissível em qualquer processo, logo a polícia nem sequer devia analisar os dados. E não podendo analisar os dados, como é que se pode provar que a informação que o hacker tinha não era do próprio?
Mas o caso ainda se torna mais sórdido, pois imaginemos agora que o caso do BES vai mesmo a tribunal, o que é que a defesa irá dizer? Que nenhumas das provas apresentadas pela acusação são admissíveis pois a sua obtenção foi contaminada pelas provas encontradas pelo hacker, que não eram admissíveis. Ou seja, com a suposta não-admissibilidade das provas, o caso do BES está arrumado. Já não era sem tempo...
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