domingo, 23 de abril de 2023

Ainda o Boaventura

Durante a minha licenciatura em Economia na FEUC, o nome e a pessoa de Boaventura de Sousa Santos apareceu frequentemente. Nos idos anos 90, ele era capaz de ser a estrela não só em termos de sucesso académico, como didático, dado que os seus estudantes gostavam bastante das suas aulas. Houve algumas vezes, em que vi salas de aulas que tinham as mesas fora do sítio, tendo sido configuradas em forma de O quadrado, e soube que tinha sido por causa dele. A ideia, explicou-me uma aluna, era ter uma forma mais egalitária de ensinar, em que o professor não fosse colocado num pedestal a olhar para os alunos sentados. Nós de economia, que tinhamos professores que nos ensinavam de forma tradicional, eramos uns seres menores. Nunca ouvi ninguém dizer que ele se aproveitava das alunas então.

Recordo-me de uma vez ver o BSS passar pela faculdade todo vestido em couro preto, até a boina. Era über-cool, o homem, naquela altura com uns 50 anos. O texto dele "Um Discurso sobre as Ciências Sociais" fazia parte do nosso currículo de Introdução às Ciências Sociais. Infelizmente, nunca consegui ler aquilo. Sempre que tentei, mal passei das primeiras páginas e até é uma coisa que eu tento ler de vez em quando porque trouxe o livro para cá, mas não dá. Quanto às mesas e cadeiras, tê-las alinhadas à frente de um professor que nos ensina de pé, dá perfeitamente para eu aprender. Aliás, nem eu queria ser igual aos meus professores, prefiro pensar que naquela altura eles estavam bastante acima de mim e por isso havia bastante a aprender deles. Mas agora com estas acusações de assédio, não consigo tirar da cabeça que se calhar ele metia as mesas assim para ver as pernas da alunas, dado que a maioria eram mulheres.

Que estas acusações viessem agora à luz não me choca, mas o que me fez cair o queixo foi a carta que ele escreveu, a tal de sete páginas, onde na primeira menciona o "mau comportamento" de uma das investigadoras, que identifica pelo nome. Os processos disciplinares são coisas internas de uma organização e não são informação pública, até porque, por poderem manchar a reputação profissional de alguém e terem consequências a longo prazo, devem ser matidos em sigilo para não dar aso a processos em tribunal. Um processo disciplinar não é uma situação equilibrada, pois a pessoa que está a ser sujeita ao mesmo tem muito menos poder do que a organização. O comportamento de BSS demonstra mesmo isso, ele acha que pode e manda e faz o que lhe dá na telha.

O único factor redentivo do homem é que as suas alunas finalmente interiorizaram o que ele ensinou e fizeram-lhe frente.

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