sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Falta de noção

Finalmente, chegou a moda de se designar os empregados das empresas como talento. Agora em vez de se falar em fuga de cérebros fala-se em fuga de talento. E para se encontrar talento devia-se contactar uma empresa de recrutamento, como na América, que é o país que inventa este tipo de coisas. A solução para a fuga de talento é, na opinião de Soledade Carvalho Duarte, que se modifiquem as políticas fiscais e salariais.

Apesar da alta carga fiscal, a decisão de praticar salários baixos é essencialmente das empresas e não me parece que possa ser alterada por decreto. Aliás, o salário mínimo que é alterado por decreto, é relativamente alto quando comparado com o salário médio e não parece ter tido grande efeito no desaceleramento da fuga de talento. Faria sentido haver uma reforma fiscal que simplificasse o sistema, mas é das tais coisas em que o cão ladra mas não morde, pois os portugueses já sabem como manipular a situação e falam, falam, mas não querem mudança. Afinal o PS governa desde 2015 e mesmo que nas próximas eleições ganhe outro partido, é quase certo que só dura um mandato, se isso.

De qualquer das formas, o poder político reage às modas e, antes do PM Costa se demitir, o PS falou em devolver um ano de propinas, que representa 697 euros por ano, por cada ano que um licenciado trabalhasse em Portugal. Em princípio esta política não devia ter efeito prático porque facilmente se consegue um salário mais alto no estrangeiro que cubra este valor, que afinal representa 58 euros por mês. E quem não consegue um salário melhor no estrangeiro não ia emigrar de qualquer forma, logo não faz sentido o estado pagar a quem não ia emigrar. E se vai pagar a alguém, não é socialmente justo pagar aos licenciados a quem já pagou a maior parte da licenciatura--é que as propinas não representam o custo total da educação recebida.

No essencial, não há qualquer noção de como tirar o país do percurso não sustentável em que segue; mas retornando à questão de recrutar talento, há uns largos anos calhou um "head hunter" recrutar-me para um emprego. Como ele estava em início de actividade foi bastante transparente comigo e disse-me que a empresa lhe tinha pagado $40 mil por me ter encontrado. Duvido que haja uma única empresa em Portugal que consiga pagar este tipo de dinheiro só para encontrar um empregado, ou seja, Portugal não oferece qualquer competição na retenção de talento face ao estrangeiro.

3 comentários:

  1. "a decisão de praticar salários baixos é essencialmente das empresas e não me parece que possa ser alterada por decreto."

    Teehee!

    O nivel dos salarios num determinado pais depende essencialmente do espectro de especializacao produtiva em que a economia de determinado pais se encontra focada.
    Uma vez que o padrao de especializacao produtiva de uma economia traduz estrategias e politicas economicas prosseguidas por governos, segue o corolario - nada por acaso - que o nivel de salarios de um pais e, de facto, alterado por decreto.
    Alias quem nunca o alterara, sao mesmo as empresas.

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    1. Por essa lógica, também não são as empresas que geram emprego ou riqueza, e sim os governos que o fazem ao definir esse padrão de especialização produtiva, certo?

      Essa visão "absolve" as empresas de tudo o que fazem (mau e bom). É uma lógica que pode ser aceitável a quem advoga a estatização completa da sociedade, mas parece estranho ser defendida por quem pretenda diminuir o papel do estado na sociedade.

      Na realidade as empresas não são omniscientes ou omnipotentes, mas tem a capacidade de alterar a sua posição produtiva (nomeadamente através de escolhas de investimento de capital e de remuneração do trabalho ou substituição do mesmo por investimento). Essa escolha não é 100% livre, mas na maior parte dos países ocidentais as empresas tem bastante liberdade nessa alocação.

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    2. IV, ha por ai uns quantos postulados e pre-concepcoes subjacentes a sua resposta que mereceriam desafio.
      Mas por agora finjo aceitar esses postulados e respondo-lhe nos proprios termos em que argumenta.

      Diga-me la, especificamente se possivel, IV, como e que uma empresa especializada na producao de bens e servicos de turismo, e baseada num pais Ocidental com "bastante liberdade nessa alocacao [de recursos]", "altera a sua posicao produtiva" por forma a produzir um bem ou servico com tanto valor acrescentado como aquele produzido por uma empresa especializada na producao de biotecnologia ou robotica?

      Teehee!

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