terça-feira, 31 de dezembro de 2024

De quatro a dois

"No one's picking up the phone. Guess it's me and me.

And this little masochist, she's ready to confess,

All the things that I never thought that she could feel"

~ "Hey Jupiter," Tori Amos

Há coisa de um mês, demiti-me da Home Owner's Association, a associação de moradores da minha vizinhança. Tinha-se tornado num exersício demasiado teatral, o que me corroia a alma. As minhas funções eram a de tesoureira e de autora do boletim de notícias da vizinhança. Os meu objectivos eram bastante básicos, mas também ambiciosos. Por um lado, quis ser tesoureira porque achei que seria uma função bastante tecnocrática e imune a dramas; por outro, a escrita do boletim permitia-me mensalmente comunicar com os vizinhos de forma mais humana e mais conduciva à criação de uma comunidade--era como se eles recebessem uma carta mensal de um amigo. Em ambos os esforços tive sucesso, mais do que os que me antecederam, mas tal teve mais do que um preço.

Nas últimas vezes que escrevi aos vizinhos, achei que a tarefa se estava a tornar penosa e o prazer que antes sentia tinha-se esmorecido; no entanto, sempre que conversava com os vizinhos do sítio, especialmente as vizinhas, todos adoravam o boletim de notícias. Sempre que o recebiam, ansiavam por lê-lo, por vezes, mal podiam esperar assim que o recebiam. Mas tirava-me um pouco a vontade de escrever noutros sítios e, perante um presidente da associação de vizinhos medíocre e controlador, sem apreço pela escrita e que por fim achei ser uma pessoa má, achei por bem desistir. O masoquismo não tem sido o meu forte ultimamente e sentia que não podia ter tanto contacto com uma pessoa de tal estirpe.

Depois há também o detalhe de a idade ser ingrata e passar muito tempo em frente do computador ou telemóvel a escrever ou a tirar e apreciar fotos não ser o melhor para a saúde dos meus olhos. Então desisti e, depois, quando fui à consulta bianual de oftalmologia veio a confirmação de quefiz bem porque a minha visão estava a deteriorar-se, especialmente o meu olho esquerdo--a esquerda deixa sempre muito a desejar, constato. A visão ao perto esvai-se, mas, felizmente, ainda dá para ver bem ao longe, o que me permite apreciar os poucos planetas e estrelas que escapam à poluição luminososa da cidade. Este mês, com a cooperação da meteorologia, deu para ver Júpiter brilhante tal qual uma estrela.

Há uns tempos estava no Dubai com uns colegas e calhou olhar para o céu e não reconhecer as estrelas que via. Puxei do meu telemóvel e usei uma app para idenitificar o que via. Um colega meu chinês gostou muito da app e pediu-me o nome. Na próxima vez que estivemos no Dubai pediu-me outra vez o nome da app que uso porque tinha mudado de telefone e não tinha transferido a dita. É a Sky Guide. Não vivo sem ela, ainda por cima tem uma música muito cativante.

Ultimamente, tenho sentido alguma proximidade com Júpiter porque estou a frequentar uma aula de literatura em que lemos a Eneida de Virgílio, e Júpiter aparece frequentemente. Não acho grande piada a Eneias, aliás, acho-o um autêntico traste, mas Júpiter gosto, apesar de como deus estar bastante aquém, mas que Deus não está? Talvez o Hey Jupiter da Tori Amos, tema que me agrada bastante, seja o que me faz gostar dele.

O tempo tem estado menos frio e à noite, esta semana, tenho ido para o jardim olhar para o céu. Daqui a uns dias, os meu óculos novos, progressivos, que supostamente irão diminuir a frustração que sinto com a deterioração da visão, estarão prontos. Tenho medo que não dêem para ver as estrelas tão bem, mas, por enquanto, dá sempre para abandonar os quatro e regressar aos dois olhos originais. Merda da idade...

Sem comentários:

Enviar um comentário

Não são permitidos comentários anónimos.