segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Somos modernos

Esta semana, uma série de notícias sobre a morte solitária de velhos abandonados em apartamentos provocou uma tomada de consciência sobre o fenómeno. Muita gente mostrou-se horrorizada com estes sinais de desumanidade. No seu habitual sermão de domingo, Marcelo Rebelo de Sousa perorou sobre as causas e as soluções do problema. Num ponto, pelo menos, Marcelo está enganado. Portugal não se está a afastar dos seus parceiros europeus nesta matéria. Pelo contrário. Verifica-se aqui uma horripilante convergência.

Em França, a canícula de 2003 dizimou mais de 10 mil velhos no espaço de duas semanas. Muitos morreram sozinhos nos seus apartamentos, outros no hospital ou em lares de idosos, mas, fosse lá onde fosse, morreram por falta de assistência.

Muita gente na altura considerou isto indigno de um país moderno. Viram mal o problema. Só um “país moderno” seria capaz de tratar os velhos como puros dejectos. Ao contrário, em África ou num país da Ásia tradicional é impensável votar os velhos a tamanho abandono e desprezo. Ainda não são "modernos". Como nós.

Estas tristes histórias são mais um sinal do colapso ético das sociedades "modernas".

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Duas interpretações notáveis

Se houver (alguma) justiça no mundo, Gary Oldman e Glenn Close vão finalmente ganhar o Óscar este ano – esta é, aliás, a primeira nomeação de Oldman e há 24 anos que Close andava arredada destas andanças, a última vez foi em 1988 com Ligações Perigosas.
Tinker Tailor Soldier Spy (A Toupeira) e Albert Nobbs (ainda não estreou em Portugal) retratam épocas e mundos completamente diferentes. E, no entanto, George Smiley e Albert Nobbs têm muito em comum na sua duplicidade e na educação e delicadeza extremas. Apesar de se tratar de dois papéis de (perfeita) contenção, percebemos facilmente a fragilidade das personagens e, sobretudo, que se podem desmoronar por completo a qualquer momento. A explosão está sempre iminente. Absolutamente notável.

Nota: esta entrada é de autoria de José Carlos Alexandre, que por qualquer motivo não consegue entrar na sua conta.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

80/20

Economistas americanos, baseados em estudos empíricos, definiram uma lei conhecida como 80/20. Em todas as instituições, 80% do trabalho é feito por 20% dos trabalhadores. Por mais voltas que se dê à legislação laboral esta lei universal permanecerá. Serão os mesmos 20% que continuarão a resolver os problemas e a fazerem as coisas andar e avançar.

O “acordo histórico” (Passos Coelho dixit, enfim, a habitual humildade da classe política) alcançado hoje entre o governo, os patrões e a UGT pode servir para muita coisa, mas não certamente para aumentar a produtividade.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

no DE de hoje: “Competitividade limitada a soluções de terceira escolha”

Um artigo de opinião no Diário Económico de hoje. Foi escrito antes de conhecermos o acordo obtido na Concertação Social. Mas as ideias principais mantêm-se.

“Competitividade limitada a soluções de terceira escolha”
Não há dúvida que a urgente e necessária correcção dos desequilíbrios externos da economia portuguesa passa por uma melhoria da competitividade do país. Porém, os instrumentos de política económica disponíveis para tal nunca foram tão limitados. Impossibilitada que está o uso da política cambial, fruto da adesão ao Euro, o recurso alternativo a medidas de política orçamental e fiscal está também fortemente condicionada pela necessidade de reequilibrar as finanças públicas. Esta dificuldade mostrou-se evidente quando se optou por abandonar a “desvalorização fiscal”, uma das poucas alternativas possíveis de aumentar a competitividade externa no curto prazo. Assim, e com impactos imediatos, não são muitas as opções que restam para além de uma desvalorização salarial com custos sociais e políticos muito elevados.
O aumento do horário de trabalho, não sendo a melhor opção, é, nestas circunstâncias, a alternativa menos gravosa para os trabalhadores e consumidores, sem colocar em causa a consolidação das contas públicas. O aumento do tempo de trabalho conduzirá a uma diminuição do custo hora, nomeadamente através da redução da necessidade de recorrer a horas extraordinárias, com efeitos positivos na competitividade quer do sector de bens transaccionáveis, contribuindo para a melhoria do défice da balança corrente, quer do sector de bens não transaccionáveis, nomeadamente nos serviços, limitando o crescimento dos preços preços. A eliminação de alguns feriados e ajustamentos no número de dias de férias e pontes são também medidas que vão no mesmo sentido, as quais, em complemento à anterior, poderão diminuir os custos laborais horários num valor próximo do conseguido pela redução a TSU.
Não se poderá, porém, esperar que a melhoria da competitividade externa da economia portuguesa passe apenas por alterações no funcionamento do mercado de trabalho. O mercado do produto sofre ainda de fortes restrições à concorrência, fruto de uma regulação com poucos efeitos visíveis em mercados tão importantes como energia, comunicações transportes. Espera-se que, também aqui, os decisores públicos não adiem nem adulterem as propostas contidas no memorando de entendimento.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Somos lixo

Em Julho, quando a Moody’s nos despromoveu a lixo, ia caindo o Carmo e a Trindade. Até Cavaco Silva se indignou, contrariando a sua anterior tese de que não servia de nada protestarmos contra as agências de rating. Entretanto, a Fitch atirou-nos também para a lixeira. Faltava a sentença da Standard and Poors. Chegou na sexta-feira 13, e desta vez nem a França escapou, perdendo um A. Ouvem-se aqui e acolá alguns gemidos de indignação mas isto na realidade já não provoca tumultos na alma a ninguém. Interiorizámos finalmente que somos lixo.

Há, claro, uma teoria da conspiração para o que se está a passar. Ao que consta, existem razões políticas por detrás desta despromoção “sistémica” e uma guerra entre o dólar e o euro. Infelizmente, não nos são fornecidos muitos detalhes sobre o assunto. Presumo, no entanto, que haverá uma mão de Obama nesta tramóia. Curiosamente, os partidários destas “teorias” também nunca explicam bem o que é que os EUA ganhariam com a desintegração do euro e a consequente hecatombe da União Europeia. Sim, repito, que vantagens económicas teriam os EUA com uma Europa de rastos? Não se percebe.

Ou melhor, até se percebe. É mais reconfortante acreditar que foram os americanos que malevolamente nos atiraram para o caixote do lixo do que admitir que fomos lá parar por culpa nossa.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Ferreira Leite, hemodiálise e a riqueza do país

Disse Manuela Ferreira Leite que o Estado não poderá pagar a hemodiálise porque "O país não produz riqueza para isso." Como economista, MFL deveria lembrar-se que a riqueza de um país nunca chega para todas as necessidades, reais ou imaginadas. Esse é o problema económico, o da escassez. E para lidar com esse problema, é necessário fazer escolhas. O problema com os gastos na saúde não é apenas um problema de "quanto se gasta" mas também um problema de "se gastarmos na saúde, onde teremos de poupar?". Pagar ou não pagar a hemodiálise não é um problema de não haver riqueza no país. É antes de sabermos em que nível de prioridade estão estes gastos. Quanto a mim, não tenho dúvidas sobre o nível em que estão.

Brasil: brevíssima história de um capitalismo sem risco que morreu às mãos de um (ex) socialista

Entre 1950 e 1970, a ideologia dominante sobre o desenvolvimento da América Latina era emanada da Comissão Económica para a América Latina (CEPAL). O “cepalismo” promoveu o modelo de desenvolvimento de industrialização por substituição de importações (ISI), o intervencionismo económico do Estado, o populismo e o nacionalismo. O Estado era o principal actor e o mercado era relegado para um papel secundário no processo de desenvolvimento.
Numa palavra, o desenvolvimento seria o resultado da aplicação da ISI através do planeamento estatal. O Brasil não saiu deste esquema geral que marcou a América Latina, principalmente no pós-guerra. Pelo contrário: foi um dos países latino-americanos que seguiram o modelo “cepalista” mais a rigor.
A ISI gerou, paulatinamente, a ascensão de novas classes sociais na arena política brasileira: primeiro, das classes médias e, no começo dos anos 1940, das massas populares. A elite política não podia continuar a ignorar os desejos e as ambições destes grupos, que exigiam um novo modelo político que lhes permitisse uma maior participação política e lhes aumentasse os rendimentos.
Depois da II Guerra Mundial, o Brasil tornou-se a maior potência da América Latina, destronando a velha rival Argentina. A ISI obteve no Brasil melhores resultados económicos do que nos seus vizinhos latino-americanos. Este sucesso relativo deveu-se, em grande parte, à maior dimensão do mercado brasileiro, que permitiu obter importantes economias de escala e, assim, criar e desenvolver novas indústrias. Este sucesso tinha, todavia, algo de artificial, uma vez que se apoiava num proteccionismo obsessivo, que atravessou todo o período 1930-1985, e que gozava de um apoio quase unânime dentro da sociedade brasileira.
O Brasil verificou depois da II Guerra Mundial períodos de grande crescimento económico, em especial na segunda metade dos anos 1950 com Juscelino Kubitschek (taxa média anual de 6%) e, na ditadura militar (1964-1985), entre 1967 e 1973 (taxa média anual de 8%).
A inflação e, em especial a partir do início dos anos 1980, o endividamento externo foram o reverso da medalha de décadas sucessivas de forte intervencionismo estatal. Este modelo de desenvolvimento estava, em meados dos anos 1980, esgotado.
Verificaram-se também melhorias notáveis em vários indicadores sociais. Por exemplo, entre
1965 e 1985 a taxa de mortalidade infantil passou de 104 por mil para 67 em 1985; a percentagem de pessoas com capacidade de ler escrever passou de 61% para 76%.
Infelizmente, o desenvolvimento não chegou a toda a população. O Brasil continuava uma sociedade escandalosamente desigual.
Depois de 1985, o regime democrático seguiu, no início, uma política tão xenófoba como a da ditadura militar. As reformas receberam grande oposição da esquerda, dos tecnocratas nacionalistas, dos sindicatos, da comunidade empresarial. Numa palavra, ninguém – ou quase ninguém - queria as reformas.
Os primeiros anos da democracia não foram fáceis e o Brasil mergulhou num caos político. Era difícil conciliar os interesses de uma classe política habituada a viver debaixo da protecção da ditadura militar e a decidir autoritariamente com uma classe política mais jovem.
Por ironia da história, foi um ex-socialista (para alguns, marxista) que começou, em meados dos anos 1990, a desmantelar o Estado populista e proteccionista, fundado por Getúlio Vargas em 1930, construído pelos seus herdeiros e expandido pelos militares. Fernando Henrique Cardoso foi o homem que conduziu o Brasil no caminho da liberalização económica, provocando uma ruptura numa história que durava há mais de 60 anos. É, sem dúvida alguma, o maior estadista brasileiro do século XX.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Dois mundos inconciliáveis

Declarações de Mitt Ronney, o mais que provável candidato republicano às eleições presidenciais americanas em Novembro, após a sua vitória clara (39%) no Estado de New Hampshire:

O Presidente Obama quer transformar profundamente a América. Nós queremos restaurar os princípios fundadores que tornaram este país grande. Ele quer converter a América numa sociedade subsidiodependente de estilo europeu. Nós queremos continuar a ser uma terra de oportunidade livre e próspera. O modelo deste Presidente são as capitais da Europa. Nós inspiramo-nos nas cidades e small towns da América.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Maiores negócios de 2011 no sector da energia

Reparem na nacionalidade das empresas responsáveis pelos maiores negócios de 2011 no sector da energia. Interessante não?

Via Cachimbo de Magritte.
Fonte original.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Uma vergonha

Pedro Santos Guerreiro no Jornal de Negócios.

Uma inversão

Rui Ramos no seu último artigo no Expresso relembra que o discurso sobre a necessidade de reformas estruturais já tem em Portugal cerca de 30 anos – Mota Pinto terá sido o primeiro em 1984 a declarar a sua urgência. Foram prometidas e anunciadas por todos os governos mas desgraçadamente o problema nunca mais fica resolvido e o país continua a patinar ou, pior ainda, a andar para trás.

Rui Ramos acredita que pode ser desta que a coisa seconcretize. Não porque tenha uma fé especial neste governo ou no PSD. Pelo contrário. Não se pode esperar dos principais beneficiários do regime qualquer mudança que ponha em causa ou diminua o seu poder – e as reformas necessárias passam precisamente por aí: tirar poder ao Estado, ou melhor, aos agentes dos partidos -, aliás, como seria de esperar, o assalto ao Estado pelos boys do PSD já começou em força e de forma cada vez mais despudorada.

Rui Ramos vê na falta de dinheiro uma oportunidade para forçar a mudança. Muito bem. É todavia preocupante verificar a ausência, por parte do governo, de um pensamento estruturado sobre o sentido e o alcance das tais reformas estruturais. O que temos visto até ao momento é um exercício político pragmático, feito em cima do joelho como resposta a situações de emergência e às exigências da Troika. Mas as respostas surgem aparentemente isoladas e sem coerência. Para onde nos querem levar? Acho que ainda ninguém percebeu bem. O problema é que provavelmente o governo também não.

Nada de novo. Em Portugal sempre foi assim. Primeiro conquista-se o poder, depois fazem-se as reformas em cima dos acontecimentos e, no fim, é que aparecem, às três pancadas, a teoria e as explicações. Há quem chame a isto pragmatismo. A mim parece-me mais a inversão do processo normal e, se calhar, uma das razões para estarmos onde estamos.

sábado, 7 de janeiro de 2012

Caladinhos é melhor

A polémica sobre a Jerónimo Martins transferir uma sede fiscal para a Holanda é tão absurda que nem merece comentário. Mas ontem, na SIC Notícias, Pedro Adão Silva adiantou uma explicação para o sucedido, no que foi secundado por aquele senhor simpático, ex- director do Expresso e cujo nome agora me escapa.

O que nos diz Adão e Silva? Alexandre Soares dos Santos transformou-se nos últimos tempos num “agente político”. Em vez de se “concentrar na sua actividade empresarial” deu-lhe, vá-se lá saber porquê, para se pôr a falar dos problemas da pátria e, de caminho, acusar, incompreensivelmente, a classe política de incompetência. Tem agora, no fundo, a resposta que merece.

Normalmente, os empresários são acusados (sobretudo pela esquerda) de actuarem na sombra dos gabinetes do poder, congeminando planos de enriquecimento pessoal à custa do erário público. Mas, pelos vistos, também não devem falar muito. Caladinhos é melhor.

Com uma classe política destas, o normal é que Alexandre Soares dos Santos comece a pensar em mudar-se de vez. Depois não se queixem.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Os países às vezes bloqueiam: uma pequena, breve e abreviada história da Argentina das últimas décadas

Nos anos 1930, a Argentina estava entre os cinco países mais ricos do mundo em termos de rendimento per capita. No final da II Guerra Mundial, continuava dentro do clube dos 10 mais ricos.
A economia expandiu-se a um bom ritmo até 1940, mas depois entrou num processo de desaceleração, com desempenhos medíocres: entre 1950-1983 o rendimento per capita cresceu somente 1%. Em 1983, a Argentina já não registava um rendimento comparável ao dos países mais desenvolvidos: era somente um terço do italiano e um sexto do canadiano e ligeiramente superior ao do Brasil, Chile e México.
A transformação política foi total. Depois de 1930, a Argentina flutuou entre ditaduras militares, regimes populistas e democracias restritivas. De 1930 até ao restabelecimento da democracia liberal em 1983, sofreu seis golpes militares: 1930, 1943, 1955, 1962, 1966 e 1976. Neste período, houve 25 presidentes, apesar da administração de Péron ter durado quase 10 anos (1946-1955). Entre 1955 e 1983, a instabilidade política atingiu níveis críticos. Houve 18 presidentes e somente um não foi apeado do poder – Perón, que morreu em 1974, antes de terminar o mandato.
A chegada de Juan Perón ao poder em 1946 (após uma vitória eleitoral) é o ponto de viragem da história contemporânea Argentina. Perón foi o homem providencial, o chefe carismático ou o ditador que ocupou o novo espaço político aberto pela insatisfação das classes médias e trabalhadoras nascidas com a recente industrialização da Argentina e, ao mesmo tempo, foi o homem que surgiu aos olhos de uma parte das elites como a melhor garantia de apartar qualquer (injustificada, diga-se) ameaça revolucionária comunista. A essência do peronismo foi a tentativa, e o fracasso, de incorporar estas forças através de um Estado corporativo.
O governo peronista caiu em Setembro de 1955, mas o peronismo manter-se-ia muito activo na vida política argentina. O peronismo sobreviveu à queda do seu governo e tornou-se o eixo de um vigoroso movimento opositor.
O golpe militar que derrubou Perón dividiu a sociedade argentina ao meio, sem que nenhuma das partes tivesse força suficiente para impor o seu projecto à outra, mas cada uma tinha a força suficiente para bloquear os projectos da outra. Tanto os governos civis como os militares que se sucederam ao longo deste período estiveram marcados pelo fracasso na consecução dos seus principais objectivos.
Em suma, a Argentina tornou-se um país ingovernável. Estava presa num impasse, que se tornaria sangrento nos anos 1970, com a guerrilha, e o terrorismo de Estado da ditadura militar (1976-1983).
A ditadura militar terminaria ingloriamente, na sequência da humilhante derrota militar com o Reino Unido nas ilhas Malvinas (Falkland Islands). A Junta militar viu-se forçada a marcar eleições, que seriam ganhas em Dezembro de 1983 por Raúl Alfonsin do Partido Radical.
A democracia era restabelecida em tempos muito difíceis. Décadas de populismo e ingovernabilidade tinham deixado um legado de pesado endividamento externo e inflação, incompatível com os ventos do liberalismo em voga.
Verdade que a Argentina susteve a mudança enquanto foi possível, mas a mudança acabaria por ser brutalmente imposta de fora.
Timidamente, Alfonsin deu os primeiros passos. Seria Carlos Menen (1989-1999) – curiosamente, membro do Partido Justicialista, fundado nos anos 1940 por Perón – que, com entusiasmo, implantou, nos anos 1990, as reformas de liberalização, privatização e desregulação. Já sabemos que estas políticas desembocariam na bancarrota de 2001. A boa notícia é que a partir de 2004 a Argentina começou a crescer a um bom ritmo. Até hoje.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Um (relativo) fracasso retórico

Baseado nos escritos de David Bromwich, um professor de literatura em Yale, Rogério Casanova elucida-nos, na última edição da Ipsilon, sobre o “fracasso retórico” de Obama. Um fracasso, diga-se, imprevisto por todos, a começar pelos seus detractores. Desde o início, os seus críticos mais acérrimos limitaram-se a prever uma quebra inevitável de popularidade quando a retórica embatesse no duro pavimento da realidade. Partiram, todavia, do pressuposto errado de que as “inquestionáveis faculdades retóricas” de Obama se manteriam intactas.

A que se deveu afinal esta surpreendente degeneração retórica? Casanova conclui que “nenhuma retórica sobrevive muito tempo ao desgaste de nunca querer contrariar ninguém”.

Obama é um mediador genial, cujo principal fito parece ser conciliar tudo e todos. É possível conciliar posições que distam pouco uma da outra. Desgraçadamente, não é possível conciliar posições situadas em extremos opostos - o mais certo, nestes casos, é acabar por ser desprezado e odiado por ambas as partes. Por outras palavras, Obama perdeu (ou nunca teve) a noção do limite possível das distâncias e o centro nem sempre é a melhor posição para tomar decisões.

Ainda hoje ninguém percebe, por exemplo, o que é que ele pretendia exactamente com a reforma do sistema de saúde. Obama é avesso ao risco e evita, sempre que possível, tomadas de posição. Prefere equilíbrios e consensos, que adora embrulhar com vacuidades, às vezes dignas de um António José Seguro. Sim, sim, o fracasso já atingiu proporções desta magnitude.

E, no entanto, como o próprio Casanova reconhece, o mais certo é Obama voltar a ganhar as eleições deste ano. Porquê? Casanova não explica. E eu também não.