segunda-feira, 5 de março de 2012

O ruído do mundo

Sábado, José Pacheco Pereira (JPP) no seu artigo do Público relembrava a velha regra de Max Weber: a maioria das acções dos políticos “tem resultados exactamente opostos ao pretendido. Aplica-se também aos economistas a fazer política.”

Uma verdade confirmada repetidamente pela história. Um exemplo. Nos idos anos 1990, Cavaco Silva e o grosso dos economistas indígenas acreditavam que a adesão de Portugal à moeda única aumentaria a competitividade nacional. O raciocínio era simples. As empresas seriam forçadas a centrar a sua competitividade nos ganhos de produtividade, uma vez que ficariam sem a muleta das desvalorizações cambiais. Como é sabido, não foi nada disso que aconteceu. Os grandes grupos, como a Sonae, direccionaram, muito racionalmente, os seus negócios para os chamados bens não transaccionáveis (consumo interno), até porque o euro fez subir o preço das nossas exportações, ou seja, tornou-nos menos competitivos.

Em contrapartida, a adesão ao euro provocou uma bebedeira de crédito e, por consequência, de endividamento público e privado devido à descida acentuada das taxas de juro.

Retrospectivamente, parece incrível que ninguém – ou quase ninguém – tenha previsto a catástrofe. É o “ruído do mundo” que provoca este desacerto entre as intenções (e previsões) e os resultados obtidos, relembra-nos uma vez mais JPP.

Se as actividades das sociedades de mercado resultassem apenas de leis económicas, a ciência económica poderia prever e agir. Mas manifestamente não é esse o caso. Há de facto demasiado “ruído no mundo”.

Só num ponto JPP parece estar equivocado. Os economistas – pelo menos, os que merecem esse epíteto - estão fartos de saber disso.

11 comentários:

  1. O seu post tem muito que se lhe diga.
    Para não me alongar muito vou referir-me apenas a uma ou outra das suas afirmações.

    Trabalhei durante muitos anos numa empresa industrial que foi, e se não me engano nas contas ainda é, a maior exportadora de valor acrescentado nacional.

    Pois posso garantir-lhe que, sujeita à concorrência mundial e sem a muleta da desvalorização, a empresa ganhou músculo e tornou-se uma referência no sector.

    Mais: Em consequência das exigências impostas pelos regulamentos de protecção ambiental internacionais, o sector, e não só a nossa empresa, evoluiu tecnologicamente para processos que reduziram a quase zero os impactos ambientais em muitos aspectos.

    Curiosamente, tanto a moeda forte como as leis ambientais mais exigentes conduziram a melhores resultados financeiros. A conjuntura também ajudou, diga-se de passagem, nomeadamente o crescimento económico (espante-se) na China!

    Só para terminar este ponto: Não creio que o regresso à moeda fraca, só por si, alterasse sustentadamente a debilidade da falta de produtividade dos sectores mais fragilizados.

    Quanto a essa tão repetida frase de que "quase ninguém previu" apetece-me sempre dizer: Só não previu quem não quis prever. E não quis "porque estava a dar"

    Há dias falava com um colega, que tem assento no CA de um banco, e ele justificava a compra de tanta dívida pública pelos bancos porque os governos convocavam os banqueiros e eles ...coitados deles, tinham que obedecer e subscrever.

    Tretas! respondi-lhe eu. Então não havia uma Associação Portuguesa de Bancos, presidido pelo João Salgueiro, não havia um Banco de Portugal governado pelo Vítor Constâncio, que sabiam o que se passava e que só podia dar porcaria mais tarde ou mais cedo?

    E mais: Também foram convocados os bancos portugueses pelo governo grego para meterem lá massa? Não sabiam como estava a Grécia?

    TODOS SABIAM! meu caro! Mas estavam tão entretidos com a mamadeira que continuaram a
    mamar até a porca cair de lado.

    Esse meu amigo terá dito ao então presidente: Mas senhor Fulano, esta política de crédito ao consumo vai dar torto pela certa.
    Acha, meu amigo?, respondeu-lhe o tal presidente que mamava que se fartava. Estamos a fazer as pessoas felizes!

    Ninguém previu???
    Até eu previ, e ando geralmente mal informado.

    De um modo mais geral,

    Qualquer pessoa que visitasse os EUA há uns cinco, seis anos atrás sabia que havia subprime, sabia que havia concessão de crédito na hora, feito por entidades sem estatuto nem sede.

    Publicitavam em tabuletas colocadas ao longo da estrada prometendo crédito imobiliário sem restrições, bastava telefonar para o telefone tal.

    O que não sabia o cidadão comum é que esses créditos eram mais tarde embalados como rebuçados e vendidos como coisa séria por todo o mundo.

    O que é está por detrás de tudo isto? "Moral hazard". O maior problema dos EUA dizia Bernanke à Time há dois ou três anos é o "Too big to fail". Continua a ser.

    Uma coisa que continua a proteger os roubos que foram feitos e a nós nos sacam nos impostos.

    Quando um dia li no Washington Post pela primeira vez um artigo de Nouriel Roubini acerca da inevitabilidade da crise disse para comigo: Muita gente sabe que é assim, o tipo apenas tem a coragem de o denunciar.

    Mas, entretanto, durante muito tempo eles, os banqueiros, continuaram a mamar.

    Agora menos. A teta está seca. Mesmo assim vão tentando. Quando não dá leite deita sangue.

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  2. Leio sempre com muito gosto e interesse os comentários do Rui Fonseca. Além de escrever bem, os seus comentários são sérios, informados e inteligentes. Dito isto, vamos lá ver se consigo defender a minha dama.
    O Rui Fonseca exemplifica com a empresa onde trabalhou para mostrar que com o euro (ou apesar dele?) as empresas podiam ter-se tornado de facto mais competitivas e cumprir assim profecia. O facto é que, regra geral, não tornaram. Pelo menos, todos os dias ouvimos dizer que Portugal tem um problema de competitividade e penso que ninguém questiona isso. Teria sido diferente se Portugal não tivesse aderido ao euro? Também ninguém pode responder a isso com certezas. O clássico “ e se” é sempre um exercício especulativo. Mas o meu ponto era apenas que as previsões adiantadas nos anos 90 não se concretizaram. Por outras palavras, Cavaco e companhia sonharam com empresas competitivas como a do Rui Fonseca e o resultado (inesperado?) foi o brutal endividamento em que estamos atolados.
    O Rui Fonseca acha que muita gente tinha consciência da catástrofe que se avizinhava. Talvez. Esqueçamo-nos agora dos banqueiros e especuladores. Quantos economistas a previram? Quantos nos alertaram? Se a adivinhavam, por que motivo não o disseram? O que os impedia? O descrédito junto da academia? Lembro-me do Fernando Alexandre há tempos ter escrito um post chamando a atenção para o facto de alguns economistas terem alertado com antecedência para os perigos iminentes. Mas foram uma minoria a fazê-lo. Não, meu caro, a maioria não disse nada porque não cheirou a catástrofe mesmo quando o vento já estava a bater nas janelas. Nem Alan Greenspan, o então “mago das finanças”, a viu debaixo do nariz. Ou o Rui acha que o homem sabia o que aí vinha?
    A minha questão é que não nos devíamos surpreender com a incapacidade dos economistas em prever o futuro. E estou convencido de que a maioria dos economistas tem consciência dessa impossibilidade. Em relação ao futuro, somos todos especuladores – uns melhores do que outros.

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  3. "Esqueçamo-nos agora dos banqueiros...."

    É um esquecimento fatal.
    Porque todo este imbróglio foi tecido por eles.
    Se esquecermos o seu papel decisivo no chocar do ovo da serpente estamos a atirar para alvos errados. E nunca poderemos tomar medidas para acertar a pontaria.

    Sabe onde fica o mi(n)istério da economia deste país? Nos bancos. Foram eles que irrigaram o que imeditamente mais lucros (fictícios, como se vê agora) de milhões e milhões "justificaram" os rendimentos com que ficaram riquíssimos.

    Não, Caro José Carlos Alexandre. Se quer pegar na questão pegue pelos bancos.
    A começar por essa coisa incompreensível que se chama Caixa Geral de Depósitos.

    Sabe quanto nos custa o BPN e quem ganhou com isso? Ninguém nos diz.
    Sabe quanto custa o BPP e quem ganhou o que perdemos? Ninguém nos diz.
    Sabe quanto nos custa as habilidades feitas pelos administradores da Caixa em
    financiamentos especulativos e quem foram os premiados? Ninguém nos diz.

    A lista é muito longa e não serei eu capaz de alinhavar uma centésima parte dela.

    Esse dinheiro que correu para a especulação, para a irracionalidade económica, pela força da ganância, endividou-nos até ao cocuruto e contribuiu para a seca que destruiu a economia produtiva já ameaçada por muitos outros factores.

    Salvo melhor opinião.

    PS - Quanto ao "Greenspan", o "Mago", ele sabia, de certeza, o que se estava a passar. Em "The Age of Turbulence" é muito claro que ele se adaptou para sobreviver. Aliás, pouco tempo depois, veio dizer que se enganou. Ele não se enganou. Fez por isso.
    Mas, como referi, enquanto não for sanada a tara que sustenta o sistema (o moral hazard)não há nada que possa evitar que as mesmas causas produzam os mesmos efeitos.

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  4. Totalmente de acordo com o Rui Fonseca.

    Esquecer os banqueiros é um esquecimento fatal...

    Um economista galardoado com o nobel afirmou (referindo-se aos EUA) que era impossível os reguladores não terem previsto o que aconteceu. O problema é que dava tanto dinheiro e eles estavam de tal modo apanhados na teia que nada fizeram.

    O BPN chegou onde chegou, custou-nos e continua a custar milhões, e responsabilidades? Só um coitado é que está preso?

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  5. As empresas seriam forçadas a centrar a sua competitividade nos ganhos de produtividade, uma vez que ficariam sem a muleta da(s) desvalorização(ões) cambiail(s)....que diga-se de passagem não ajudou o chianti italiano
    em eurros vende-se muito melhore do que em liras

    Os grandes grupos, como a Sonae, direccionaram, muito (ir)racionalmente porque é um ganho de curto prazo que se esgota em alguns anos (durou mais do que se esperava mas...), os seus negócios para os chamados bens não transaccionáveis (consumo interno)......ora ora e os negócios de imobiliário em spain

    é con sumo interno?

    ou os centros comerciais fora de putogal...investiram em muita coisa
    na sonae indústria é que nem porr isso

    e investir dinheiro do qren e antecessores em fornos de cerâmica pra fazer tijolo?

    ao menos o azulejo inda se exporta...agora tijolame para adonde?

    ou dar 2 milhões a um falsário como o Thierry-rousseau que nem a fortuna do onassis investia cá na terra

    foram investimentos inteligentes

    e a rede de rega e de barragens

    já fazemos algodão como os gregos?

    comé queles fazem 200 quilotones de algodão pra exportar

    e açúcar de beterraba e nós fechámos a nossa quase antes de ter funk cionado?

    a cana ficava mai barata nã era...

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  6. Os economistas que se formaram nestes 30 anos (e gestores de empresas) viveram como os restantes para o imediatismo...o dinheiro é para se ter carros bons

    quando um gestor investe meio-milhão numa carripana que dava para dobrar a produção na sua fabriqueta e comprar um de 1 milhão passados 4 ou 5 anos...

    ninguém viu?

    tanta gente viu...uns lixaram-se para isso...

    outros como um gajo do ministério da economia ou doutro qualquer...
    ora ora em eurros ou em escudos vou ter sempre o meu lugar vou criar ondas para quê...
    e assis instauração de processos que desapareceram a bem da competitividade da indústria do lixo...a única com competitividade assegurada em anos

    viveu-se de ideias....o ambiente vai dar milhões de empregos em 2000 e ...

    acho que nesta foram 60 mil eurros em impressão de convites e salgadinhos
    (e um torreão em madeira com um painel solar para as pás do moinho andarem
    1500 eurros para pôr um brinquedo numa con ferência...pois

    ninguém viu nada...casas de 10 mil contos a 200 mil euros em 12 anos..

    (1+ x)12= 4 isto dá quanto de aumento anual?

    é só fazer as con tásse...não tass? então pode ser a lusa ou a anop

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  7. Notoriamente, o Rui Fonseca conhece muito melhor os meandros do mundo financeiro do que eu. O Luís disse uma vez que um blog deve ser como uma conversa de café entre pessoas civilizadas que trocam opiniões. Concordo com esta ideia. Por isso, aqui vão algumas impressões.
    É incontestável que houve muita imprudência e “greed” na banca. Algo que decerto teria chocado Adam Smith, o pai do liberalismo económico, para quem a prudência era a maior das virtudes e aquela que poderia ser mais útil a cada individuo.
    De qualquer maneira, parece-me excessivo pôr os banqueiros todos no mesmo saco. Primeiro, há diferenças entre os países. Nos EUA, Irlanda e Islândia não há dúvidas de que foi a ganância da banca que gerou a crise que, entretanto, alastrou à chamada economia real. Em Portugal, o processo foi diferente. Foram as políticas fiscais desastrosas – em 2009 e 2010 ainda andávamos a discutir o TGV!!! - e a crise da economia (o tal problema de competitividade) que contagiaram a banca. Isto não quer dizer que não tenha havido muita imprudência e incompetência dos banqueiros nacionais. Houve, sem dúvida. Mas proporcionalmente não há comparação com o exemplo dos países acima referidos. Todavia, não por acaso a Irlanda já está recuperar. A diferença é que a Irlanda tem uma economia competitiva, que continua a atrair investimento. E nós não.

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  8. A diferença é que a Irlanda tem uma economia com fortes laços com os EUA e a Grã-Bretanha e sua Commonwealth...
    of the Ireland-Canada Chamber of Commerce. Our mandate is to foster the growth of hundreds of Irish, Canadian and ...havia 500 empresas em 2002...em 2012 devem ainda restar bastantes (em 1992 só havia 40)

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  9. aparentemente o cepese...inda existe um pouco mais deflorestado...deve ser dos incêndios...

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  10. Acho piada a estes comentadores que aparecem a defender o Euro.
    O que acontece é simples, a realidade mostra-o, o Euro foi um falhanço e nenhuma das suas promessas foi cumprida.
    Claro que, depois do jogo, é fácil fazer comentários e dar explicações mas, antes do jogo aí por meados dos anos noventa é que seria útil ter-se discutido o assunto o que não foi feito. Foi-nos vendido o paraíso (Euro, uma moeda para Portugal, lembram-se?) e foi um paraíso podre e, pior, um paraíso órfão pois ninguém assume a responsabilidade.
    O Euro não funcionou? Então a culpa é nossa que não percebemos a maravilha que tínhamos na mão...

    Mas o pior, mesmo o pior, é que as luminárias que nos meteram no Euro não previram um plano B, isto é, que fazer se o Euro não funcionar como previam?

    E, não funcionou e ficamos com as calças na mão...

    Mas, não duvidemos, os proponentes do Euro ficarão na História como autores da pior decisão económica da nossa História. Ao lado do Euro o tratado de Methuen do Século XVIII foi uma brincadeira de crianças...

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  11. Não sei se a criação do euro foi a pior decisão económica, mas parece-me uma séria candidata a esse título.

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