sexta-feira, 4 de maio de 2012

Santa paciência para tanta parvoíce


Há anos que nos queixamos da falta de concorrência que existe em Portugal. Há livros escritos a explicar como a falta de concorrência no sector não transaccionável (aquele que não está muito sujeito a concorrência externa) é uma das causas da estagnação da economia portuguesa dos últimos 12 anos.
Agora que, finalmente, se avizinha uma guerra de preços num desses sectores, mais precisamente o dos supermercados e hipermercados, levanta-se um conjunto imenso de vozes em coro a protestar, tendo já a ministra da agricultura prometido legislação adequada.
Caramba, mas querem competição, ou querem sectores protegidos a viver das tão propaladas rendas? Toda esta discussão em torno do Pingo Doce só me merece mais um comentário: tanta estupidez junta devia pagar imposto.

32 comentários:

  1. O comércio nas grandes superfícies faz parte do sector não transacionável? Como assim?

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Essa é nova. Então e as mercearias fecharam todas porquê? Por falta de concorrência, querem ver?

      Eliminar
    2. Nuno Gaspar, você faz sequer a mais pequena ideia do que quer dizer "sector transaccionável"?

      Eliminar
    3. O "não-transacionável" no termo técnico "sector não-transacionável" refere-se, mais ou menos, a "não-transacionável de uma área geográfica para outra"; os supermercados, barbearias, etc. são "não-transacionáveis" no sentido em que não dá jeito ir de propósito de Portimão a Sevilha comprar leite ou cortar o cabelo. Arrisco-me a dizer que, na prática, acaba por ser algo muito parecido com o sector dos serviços (com montes de excepções).

      É verdade que o termo é um bocado enganador, já que pode dar a ideia que estamos a falar do sector cujos produtos não se transaccionam no mercado (Estado e afins)

      Eliminar
    4. Eu não. Por isso lhe perguntei. Como você não respondeu fui agora à procura

      http://www.knoow.net/cienceconempr/economia/bensnaotransaccionaveis.htm

      Além da construção, parece-me que é o sector relativo aos bens que deveriam ser garantidos pelos estado, os tais porcos que o estado português andou a cevar para agora entregar à faca do estado chinês, do estado angolano e de dois ou três "Donos de Portugal". Mas explique-me o Sr. Professor, por favor. Estou a ouvi-lo.

      Eliminar
    5. O Miguel Madeira já teve a delicadeza de lhe responder.

      Eliminar
    6. Perdoem-me a ignorância mas julgo que não estamos a falar de compra e venda dos armazéns dos supermercados e sim de arroz e açucar e dos respectivos canais de distribuição. Se me derem exemplos de bens que nos últimos 30 anos, descontada a inflação, mais tenham baixado de preço à produção (talvez por no seu mercado existir concorrência saudável, não sei)do que os bens alimentares agradeço.

      Eliminar
    7. "Perdoem-me a ignorância (...)"

      Está perdoado.

      Eliminar
    8. Obrigado e parabéns à academia.

      Eliminar
    9. "e sim de arroz e açucar"

      Qual arroz e qual açúcar? O arroz comprado ao produtor ou o arroz vendido ao consumidor? O primeiro é, é verdade, um bem transaccionavel, que pode ser comprado em França e trazido para Portugal.

      Mas o arroz vendido em doses razoáveis para alguém ter em casa para acompanhar os bifes é um bem não-transcionável: ninguém vai comprar um (ou mesmo 5) pacotes de arroz a outro país para ter em casa (a menos que tenha ido a esse outro país por um motivo qualquer e aproveitado para comprar o arroz, mas isso é um caso atípico).

      Quanto a terem baixado no preço pago aos produtores, não vejo muito bem o que isso tem a ver com serem ou não transacionáveis.

      Note-se, já agora, que sector não-transacionável não quer dizer que não haja concorrência nesse sector; apenas que o sector não está sujeito à concorrência internacional.

      Eliminar
    10. Então e quando os produtores nacionais desistirem todos e o país se transformar num gigantesco matagal e passarmos a comprar mesmo tudo o que comemos no exterior os bens alimentares já passam a ser transaccionáveis? Ou são só transaccionáveis até chegarem à fronteira?
      Bom. Chamem-lhe o que quiserem. É demais evidente que a riqueza e os empregos criados na grande distribuição e nos seus grandes fornecedores não compensaram as perdas na produção e na pequena distribuição. E é demais evidente que o desequilíbio de forças estabelecido na cadeia de valor não se corrige com o mercado à rédea solta. No interesse de consumidores, produtores e até da grande distribuição, a intervenção do governo pode ser favorável. E já foi. Se não tem havido este alarido é muito provável que a factura da promoção já estivesse na casa dos fornecedores.

      Eliminar
    11. Esse voluntarismo ingénuo explica, em grande parte, por que motivo Portugal tem a melhor legislação do mundo com os piores resultados possíveis.
      Nuno Gaspar, eu vou-lhe dizer o que se vai passar. A legislação que o Nuno quer vai mesmo avançar. Quer a ministra do CDS quer o líder do Bloco de Esquerda já declaram que vão avançar com propostas nesse sentido. Depois, quando a legislação for aprovada, ou ela é ignorada (a melhor das hipóteses) ou é mesmo aplicada. Se for aplicada, então as grandes superfícies comerciais vão recorrer ainda mais a produtos estrangeiros, pelo que os produtores nacionais se lixam. Depois, devido a estes problemas todos, os hipermercados concorrentes vão chegar a um conluio tácito para não haver guerras de preços, cobrando assim mais aos consumidores.
      O resultado final vai ser simples. Os produtores nacionais, que enfrentam concorrência externa, vão perder clientes e capacidade de escoação de produtos. Os consumidores vão pagar mais caro e as grandes superfícies vão aumentar os seus lucros. A turba ululante vai ficar indignada e exigir mais impostos sobre os grandes lucros. De caminho queixam-se que o memorando da troika, no que toca à diminuição das rendas no sector não transaccionável, não foi aplicado.

      Eliminar
    12. O que as alterações podem fazer não sabemos. O resultado do caminho seguido até aqui tem sido precisamente aquilo que você diz que vai acontecer: a concentração da riqueza em quem intermedeia as importações ao consumidor, e um país falido por causa disso. O que conta nas rendas excessivas no sector não transaccionável (ou lá no que lhe quiser chamar) são os tais porquinhos da energia, das autoestradas, das águas e saneamento, das telecomunicações, cujas rendas excessivas, se as houvesse, deveriam beneficiar o estado e que foram entregues à bicharada. Sem a inversão, a mal ou a bem, deste rumo: desprezo pela produção interna e transferência dos rendimentos da prestação de serviços e bens que deveriam ser públicos para estados estrangeiros ou concentrados em dois ou três magnatas, o nosso destino colectivo está traçadíssimo. E se o mercado dá sinais de não ser capaz de fazer isso sozinho, temos que o ajudar.

      Eliminar
    13. Esquecia-me de perguntar-lhe, Luis: Como é que se aumenta a concorrência sem aumentar, ou reduzindo até, o número de concorrentes?

      Eliminar
    14. O primeiro passo é eliminar legislação que impede a concorrência e que favorece comportamentos de cartel e conluios tácitos.

      Eliminar
    15. Excesso de legislação foi uma das razões que nos trouxe até aqui. Só muito grandes empresas e em reduzido número conseguem vencer a teia burocrática e regulamentar que requer baterias de advogados, dimensão e influência para ser vencida. Pode ser que fogo contra fogo apague o incêndio.

      Eliminar
    16. "Se não tem havido este alarido é muito provável que a factura da promoção já estivesse na casa dos fornecedores"

      Olha, enganei-me. Já seguiu para o correio. Foi preciso só aguardar que outro assunto ocupasse as parangonas para desembainhar a espada.
      http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=555377

      Eliminar
  2. Não é de estranhar a reacção. Se os interesses instalados quisessem um ambiente genuíno de competição já existiria à anos. Estamos a assistir ao mesmo guião. Que esperar de uma economia que sofreu um choque comunista após décadas de condicionamento industrial?

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. LAC, ainda bem que cheguei até aqui nos comentários, aliviado fico. Percebo que a minha estupidez (eu não pago impostos aí) se deve ao gonçalvismo, não é legado familiar nem opção individual. Uma saudação para si, e para co-bloguistas, holistas para quem, pelos vistos, o mundo (ou esse rincão) é um mero mercado.

      Eliminar
    2. JPT, o dono do Pingo Doce já veio dizer que este tipo de promoções não era para fazer novamente. Sai muito caro à empresa. Portanto, pessoas como o Nuno Gaspar, o JPT e a maioria dos portugueses têm exactamente aquilo que querem. No fundo, no fundo, o imenso mercado português é democrático.

      Eliminar
    3. LAC eu não conheço o Nuno Gaspar e não posso afiançar que queira (exactamente ou não) aquilo que ele quer. Nem tão pouco que ele ou eu queiramos o que quer a maioria dos portugueses. Nem mesmo afiançarei que V. sabe o que eu quero. Acho até bastante desajustada essa sua resposta-birra. V. tem a sua opinião, que não é original (e isso não a apouca), é até recorrente: a sociedade não existe, os valores não existem, os marcos identitários não existem. Há um mercado, pronto(s). Andaram por aí (esta discussão já é velha, cheguei muito atrasado) afixados em blogs não-hippies nem marxistas, algumas regras de comercialização em países não-hippies nem marxistas, nem hiper-regulamentados. Outras, com toda a certeza, existirão. Disso, presumo, saberá mais do que eu, que não é matéria do meu ofício. Mas nem todas casam com esta sua pirraça. De mais papista do que o papa (de bloguista, no fundo, calha-nos a todos)

      Eu, acima de tudo só sorri diante dela associada ao "holismo" afixado lá em cima, mas isso é o que entendo por "holismo" - que vale o que vale, mas vale mais do que uma tontice new age (julgo que não seja por isso que aqui está metido). E sorrio quando, para colar com o seu postal, reproduz o que diz o dono do PD, que não se repete por ser caro. Francamente. "Papar" isso é de puto. Ou melhor, querer papar isso para não deslustrar um postal metido é, pura e simplesmente, taxável. Para usar a sua opinião sobre o que deve pagar impostos

      Eliminar
  3. Essa aparente guerra de preços pode ter como objectivo conseguir 1 monopólio. E aí a concorrencia acaba de vez. O sector dos hipermercado até tem concorrencia, graças a cadeias estrangeiras que ainda continuam por cá. Quanto a Jeronimo Martins e Sonae, duvido que queiram concorrencia.

    ResponderEliminar
  4. Decida-se, é uma pretensa concorrência ou, pelo contrário, a concorrência é tão fêrrea que todas as empresas, excepto uma, vão à falência? Quanto a não quererem concorrência é evidente que não querem. Só sr fossem burros é que iriam querer tal coisa. Agora, escusava é de haver uma turba de ignorantes em coro a exigir medidas do governo para garantir que não há concorrência, fazendo exactamente o que essas grandes empresas querem e prejudicando toda a população que não é accionista dessas empresas.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Ao ler este comentário do LA-C ocorreu-me uma hipótese rebuscada e algo "conspirativa" sobre qual possa ter sido o verdadeiro objectivo do Pingo Doce em fazer esta promoção numa data e condições em que era expectável que tal chocasse muita gente. Não acredito muito nesta hipótese que me ocorreu (acho que no mundo real ninguém faz planos tão tortuosos como o que estou a imaginar agora), mas...

      Eliminar
    2. Miguel, é evidente que a tua hipótese parece algo rebuscada. Mas a verdade é que estas reacções pavlovianas são tão previsíveis que até faz algum sentido.

      Eliminar
  5. Porra, foi o que eu pensei. Já agora, e num momento em que se fala de emular os efeitos de uma desvalorização cambial (DC), é SUPOSTO que numa DC haja uma redução simultânea de todos os preços internos - preços dos produtos e preços dos salários. Só com esta sincronia é possível mitigar os efeitos que uma redução dos salários tem no poder de compra real. Mas pelos vistos há quem prefira ver só os salários a cair.

    ResponderEliminar
  6. Apenas uma dúvida: não pode haver poder de monopsónio misturado nesta questão (o que tornaria a legislação/regulação/intervenção/o-que-lhe-quiserem-chamar justificável)?

    Um comentário adicional: parece-me que grande parte dos protestos não tiveram que ver com as promoções em si, mas com o facto de terem sido realizadas a 1 de Maio, conjuntamente com a eventual coacção deita aos trabalhadores para se apresentarem ao serviço.

    ResponderEliminar
  7. Pois com certeza, Sérgio Pinto. Eu ainda vou mais longe: foi só e apenas por ter sido realizada no 1º de Maio que esta promoção teve tal repercussão. Nesse sentido esta discussão de Economia, por muito interessante que possa ser do ponto de vista conceptual, nada tem que ver com a realidade. O que esteve ali em causa foi a simbologia do acontecimento em si mesmo: por um lado, o "desplante" da JM em disputar o povo aos donos do 1º de Maio. Por outro lado, o "desplante" do povo trabalhador que, "pobre e mal agradecido", não hesitou em virar as costas ao seu maior "dia santo" para sucumbir, quais ovelhas acéfalas, aos prazeres do consumismo. Se isto mesmo tivesse ocorrido num sábado qualquer não haveria nem 1/10 das ondas de choque que houve. Já se tivesse ocorrido no dia de Natal ou de Páscoa, veríamos exactamente as mesmas reacções de nojo, mas desta vez demonstradas por outros actores sociais totalmente diversos destes que agora se manifestaram.
    Não se trata portanto de um problema económico puro. Concorrência, dumping ou mercado livre não são de facto as questões essenciais neste acontecimento. A questão essencial é que os representantes de facções, sejam elas políticas, económicas, religiosas, etc, convivem mal com o livre arbítrio de cada um, e portanto custa-lhes ver que o povo, na hora de decidir, tenha prioridades diferentes daquelas que os arautos das ditas facções têm. Quando isso acontece, e como não fica socialmente bem apelidar de burro o próprio povo que dizem defender, atacam o "mensageiro", que na maioria das vezes limita-se a ser esperto e aproveitar as "fraquezas" do seu target.
    Mas atenção que este defeito -o de querer ser dono da vontade do povo- não é um defeito da esquerda, nem da direita, nem dos ateus, nem dos religiosos. É um defeito de todos aqueles que se acham, ainda o não confessem em público, a elite de qualquer coisa. Custa-lhes que as massas não sigam os ditames do seu pensamento. Economistas incluídos, a quem custa muito por exemplo, que as decisões das pessoas não estejam sempre impregnadas da mais lógica e arrumadinha racionalidade económica.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Concordo. Foi uma sorte terem tido esta iniciativa no 1º de Maio para pôr toda a gente a falar numa das maiores agressões ao tecido económico produtivo português.

      Eliminar
    2. "Nesse sentido esta discussão de Economia, por muito interessante que possa ser do ponto de vista conceptual, nada tem que ver com a realidade."

      AJM, tens nova legislação económica a ser proposta por causa disto. Queres que discuta isto esquecendo a Economia? Bem, se calhar essa abordagem também ajuda a explicar porque é que a nossa legislação é a melhor do mundo.

      Eliminar

Não são permitidos comentários anónimos.