É curioso reler o que se escreveu na imprensa nacional aquando da
entrada em circulação do euro, em 1 de Janeiro de 2002. Regra geral, o tom foi
de celebração e euforia com “este simples e prodigioso testemunho (…) legado
por uma geração ímpar de homens convictos e corajosos” (Público, 02-01-02), “O
triunfo da visão estratégica e da vontade política” (Público, 06-01-02), o “símbolo
de um acesso ao desenvolvimento duramente conquistado” (DN, 06-01-02), “uma
ideia que funciona” (Público, 05-01-02).
Verdade que havia a noção de que nem tudo eram rosas. O Diário
de Notícias falava da “frivolidade guterrista” (05-01-02), que teria a
obrigação de “saber tirar partido dessa mais-valia” e se não soubesse estaria a
“falsear os cidadãos”. O Público admite que “ o euro não é um passo de mágica
que desfizesse nomeadamente as desigualdades sociais” (06-01-02). Aqui e acolá,
vislumbram-se mesmo algumas sombras. O euro poderia ser uma “droga” para “um
doente em estado terminal de bulimia financeira” (Público, 07-01-02), os
portugueses poderiam ver “ a sua vida continuar a andar para trás” (DN,
02-01-02). Curiosamente, as falhas, a existirem, seriam sempre da
responsabilidade de instâncias governativas internas, que poderiam não ter arte
nem engenho para saber aproveitar esta oportunidade histórica. E, claro, sobre
o defunto escudo, nem uma palavrinha de tristeza ou saudade.
No meio desta “euroforia”, o militar Carlos Azeredo foi uma
das poucas vozes dissonantes. Segundo o general, em causa estava “ a extinção
da nossa moeda nacional abrir o caminho para a dissolução da nossa pequena mas
antiga realidade como nação independente na vastidão de uma unidade (?)
europeia, na qual os mais poderosos vão fatal e inexoravelmente impor os seus
interesses.” (Diário de Notícias,11-02-02). O euro colocaria fatalmente a
Alemanha como o (perigoso) centro do poder, “aquilo que Hitler não conseguiu
com a mauser, vai finalmente ser consumado pelo marco ‘travestido’ em euro.”
De acordo com o general, não se tratava apenas de um problema
de perda de soberania e de “esmagamento” do país face aos países maiores. Havia
também um problema de ilegitimidade da decisão, um processo de “assassínio” por
parte de um “conjunto de políticos e economistas que tomaram esta decisão sem
qualquer arrepio e bem nas costas do povo português”.
Na altura, a opinião do general passou despercebida no meio
do ruído dos festejos e celebrações; quando muito, era apenas mais um “velho do
Restelo”. Hoje, parece-me interessante verificar que o general estava mais
perto da verdade do que a carrada de políticos, economistas, gestores,
comentadores e jornalistas que embarcou nesta aventura sem uma hesitação, sem
um “arrepio”.