quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Sem euforias

A emissão de dívida a 5,1% é uma boa notícia. Conseguimos regressar aos mercados nas maturidades mais longas a taxas razoáveis. Todavia devia ser motivo de alerta e não de euforia.

Sem entrar em grandes detalhes matemáticos, o que verdadeiramente conta para a sustentabilidade da dívida não é a taxa de juro de per si. O que conta é a diferença entre a taxa de juro e a taxa de crescimento do PIB nominal (que por sua vez é a taxa de crescimento real mais a taxa de inflação). Se nos próximos anos as taxas de inflação continuarem tão baixas como actualmente e as taxas de crescimento real do PIB andarem na casa dos 0,5%, isso quer dizer que a taxa de crescimento nominal andará pelos 1%.

Uma taxa de juro média de 5% implica que, a não ser que tenhamos superavits razoáveis, o rácio da dívida continuará a crescer. E o que são superavits razoáveis? Correspondendo a dívida a cerca de 130% do PIB, o saldo orçamental primário devia estar na casa dos 130*(5%-1%). Ou seja, necessitamos de um saldo orçamental primário correspondente a cerca de 5,2% do PIB. Nós estamos tão longe desse valor que qualquer euforia é ainda mais deslocada do que a actual euforia dos benfiquistas  que parecem ter-se esquecido das vantagens que perderam nos últimos dois campeonatos.

Claro que podemos ser mais optimistas e considerar que o BCE vai conseguir manter a inflação a 2% e que o PIB vai crescer nos próximos tempos a taxas superiores. Mas, neste momento, é mais prudente ser pessimista.

Não me ponho para aqui a defender um programa cautelar porque isso nem sequer faz sentido. Só sabendo o preço a pagar por esse programa é que se pode saber se vale a pena ou não. Esperemos que esse programa esteja já a ser negociado para não ser apanhados de calças na mão, como em 2011.

Adenda: O João Miranda argumenta que o que conta é a taxa média e esta tenderá a ser inferior à taxa das OTs a 10 anos. Infelizmente, também é verdade que quanto menor a maturidade dos empréstimos, maiores o riscos associados a possíveis subidas de taxa de juro. Se para o ano as taxas de juro subirem para 20%, as nossas OTs a 10 anos não serão afectadas, mas quando renovarmos a divida que vence dentro de um ano, veremos a taxa de juro a disparar. Assim, não é óbvio que devamos olhar para a taxa média e não para a OT a 10. Aliás, se fosse tão simples assim,  os governos limitar-se-iam a emitir dívida a um ano e nem pensariam nos 10.  Ainda há mais detalhes que se poderiam acrescentar a esta análise mas não pretendia que isto fosse demasiado técnico.

5 comentários:

  1. Caro LA-C,

    Essa é uma coisa que eu (ainda) não consegui perceber no debate político que existe sobre a situação do País / Troika. Entre um Governo que (em maior ou menor grau) enbadeira em arco quando consegue défices abaixo do acordado com a Troika (mas ainda assim bastante acima do "zero") e uma oposição que acha que estando abaixo da meta quer dizer que se pode "estourar" dinheiro até à meta, ninguém fala do verdadeiro problema: a contínua (mais ou menos acelerada) subida da dívida pública.

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  2. Na prática, a conclusão é que se as condições macro se mantiverem a dívida é impagável!

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    1. É por isso que as taxas de juro que pagamos ainda têm um prémio de risco tão elevado. O facto de não ser muito mais elevado sugere que os mercados acreditam que as condições macro se vão modificar.

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  3. Uma saída cautelar não tem apenas a ver com o "custo" da opção (natural subida dos juros da dívida), também tem "proveitos", como seja o de "obrigar" os nossos governos a cortarem (ou pelo menos a não subirem) as despesas do Estado, coisa que, até agora e como sabe, nenhum governo fez.
    Concordará que este último aspecto é muito importante, apesar de dificilmente mensurável.

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  4. Uma saída cautelar não tem apenas a ver com o "custo" da opção (natural subida dos juros da dívida), também tem "proveitos", como seja o de "obrigar" os nossos governos a cortarem (ou pelo menos a não subirem) as despesas do Estado, coisa que, até agora e como sabe, nenhum governo fez.
    Concordará que este último aspecto é muito importante, apesar de dificilmente mensurável.

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