terça-feira, 18 de novembro de 2014

Contra o aumento do salário mínimo, sendo a favor

Porque, como o Luis bem notou há bocadinho, estava mais que na hora de começar a minha a participação neste mui nobre espaço (elogio o qual se deve quase única e exclusivamente ao rigor científico que o resto dos elementos da destreza dedicam à análise sempre problemática da roupa interior feminina).

De modo muito resumido, uma subida do salário mínimo tem dois efeitos maiores na economia: por um lado, aumenta o rendimento dos trabalhadores com salários mais baixos, e por outro aumenta os custos das empresas. Se o primeiro aumenta o rendimento dos mais pobres, e pode aumentar a procura agregada, o segundo pode diminuir os níveis de emprego, e é esta combinação de factores (vulgo trade-off) que faz do salário mínimo um objecto de enorme discussão, e pouco consenso. 
E assim, comecemos pela segunda parte do título deste post: Porque poderá um aumento do salário mínimo ser uma boa ideia na conjuntura económica actual?

"I find your lack of faith disturbing."- Darth Vader

O principal factor que joga a favor de um aumento do salário mínimo é o facto de que quando os agregados familiares têm rendimentos mais reduzidos não lhes resta outra opção senão consumir uma proporção mais elevada dos mesmos (se não a totalidade). 
Isto é importante pois aumenta a velocidade com a qual os rendimentos retirados às empresas pela via de um aumento salarial obrigatório retornam às mesmas sob a forma de um aumento da procura dos seus bens/serviços.  Ou seja, o efeito positivo de um aumento do salário mínimo nos níveis de emprego será mais acentuado quando a propensão a consumir dos trabalhadores que o auferem é mais elevada. Esta propensão será provavelmente mais alta durante uma recessão (técnica ou não).

Acrescente-se ainda a favor desta subida a menor propensão para poupar que resulta das taxas de juro em vigor, e o facto de a pressão inflacionária que pode advir desta subida dos custos para as empresas não ser efectivamente perigosa (por muito que nos tentem convencer do contrário) nos dias que correm.

Tendo estes três factores em consideração, e na minha perspectiva, aumentar o salário mínimo é capaz de ter sido no final de contas uma boa ideia...mas ainda assim, não posso ser a favor.

"A Jedi's strength flows from the Force. But beware of the dark side." – Yoda

A argumentação anterior, por muito boa que possa ser, não passa disso mesmo: argumentação. 
E , talvez utopicamente, decisões politicas desta magnitude não podem/devem ser feitas com base em argumentos, mas sim em estudos na matéria, com metodologias consistentes, que possam defender estes resultados. 
Um dos objectivos do projecto profissional no qual estou enquadrado neste momento pretende analisar o efeito mencionado anteriormente. Mas os resultados ainda estão a meses de distància e, tanto quanto sabemos, não existe nenhum outro estudo que chegue à conclusão que os meus argumentos anteriores podem sugerir
O único estudo consistente e independente, como sabemos, é o trabalho do João Cerejeira e demais co-autores, segundo o qual aumentar o salário mínimo nesta altura não é aconselhável.  
E assim sendo, e mesmo jogando contra a minha intuição e esperança, a minha honestidade intelectual não me permite defender uma subida do salário mínimo no contexto actual.

Infelizmente, os problemas não ficam por aqui.

"There is a great disturbance in the Force." - Darth Sidious

Um dos problemas maiores (senão o maior) do salário mínimo em Portugal é o processo de ajustamento do mesmo. É óbvio que um aumento de cerca de 4% no salário mínimo poderá ter um impacto significativo nas empresas que empregam trabalhadores a este custo, dado ser pouco credível que a maior parte delas tenha níveis de crescimento sequer perto de 4% num futuro próximo (ou condições financeira para suportar sem problemas um acréscimo nos custos de produção dessa magnitude). 
Ora, se este aumento tivesse sido distribuído igualmente pelos anos em que o salário mínimo esteve congelado teríamos tido aumentos anuais a rondar 1%, que permitiria um ajuste mais gradual das entidades empregadoras, porventura evitando tantos despedimentos como aqueles que podem resultar de uma subida abrupta do mesmo. 
Acresce a esta forma desajustada de ajustar o salário mínimo a ideia de que deve existir um plano de longo prazo para o mesmo (defendido pela CGTP, por exemplo). Não terá sido lição suficiente a imprevisibilidade económica da crise que se arrasta há meia década para percebermos que tomar decisões políticas com base em previsões económicas que podem perfeitamente estar erradas deve ser evitado a menos que seja totalmente indispensável? 
E, dadas as condicionantes políticas que afectam assuntos como este, não estaria o mercado de trabalho português mais bem servido deixando a decisão (ou o estudo da mesma pelo menos) a cargo de uma entidade independente, que faça uma recomendação anual, baseada numa metodologia consistente e independente , sobre o ajustamento do salário mínimo nesse ano (tal como acontece já em países como o Reino Unido por exemplo)?



Talvez esta última sugestão seja pedir um pouco demais. Mas o ano novo está quase a chegar, e todos temos o direito a sonhar. E, pelo menos por enquanto, os sonhos em Portugal ainda não pagam impostos.

Moreover, the Force will be with you. Always. - Obi Wan Kenobi








8 comentários:

  1. Caro André Gama,

    Antes de mais, bem-vindo.

    Uma pergunta, já que está a estudar o caso: quais são os sectores com maior predominância de salário mínimo? A pergunta tem uma razão: até que ponto será correcto considerar que existe retorno do salário mínimo às empresas que o pagam?

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  2. Penso que não será de todo correcto.A análise que estou a fazer encara a economia como um todo, ou seja quando referia esse canal estava a referir-me à procura agregada.
    O projecto em que estou enquadrado está focado nos 28 países membro da UE, pelo que nos é impossível fazer uma análise sectorial como está a pedir. Mas é por isso que é tão importante um trabalho como este como aquele que o João e outros desenvolveram, que faz uma análise mais detalhada para o caso Português:

    http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/14227/1/cef.up_nipe_salario_minimo_relatorio_final.pdf

    Mas de qualquer forma, a decisão do governo é sobre o salário mínimo para a economia como um todo, pelo que terão que ser os valores agregados a fundamentar a decisão. Isto é, na minha opinião, se aumentar o salário mínimo levar à criação de 100 postos de trabalho num sector e à destruição de 50 noutro, a decisão do governo é simples. O problema é chegar a números exactos e convincentes.

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    1. Obrigado pelo link ao estudo.

      Estou, profissionalmente, muito ligado ao sector têxtil pelo que tenho eventualmente algum excesso de sensibilidade (pelo que me comunicam os industriais do sector e pelo o que observamos) ao problema do SMN. E a ideia que tenho (novamente) é que não me parece que um aumento do SMN se traduza em mais consumo interno, mas antes a maior consumo de produtos importados (por dois motivos: tendem a ter preços menores - nós, e falando da têxtil, quase só produzimos "a feitio" para segmentos médios e altos; e correspondem a categorias de bens não forçosamente produzidos cá). Obviamente que distribuição e retalho beneficiam, mas "trocar" postos de trabalho da indústria para os serviços não me parece um resultado fantástico.

      Quanto ao resto, e voltando ao seu post inicial, confirmo a "percepção" no terreno e no sector do aumento do SMN: despede-se (ou não se contrata) e os que existem trabalham mais.

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    2. Trocar 50 postos de trabalho num sector por 100 noutro pode ser uma decisão que o governo tenha que fazer. As implicações no que toca ao impacto na estrutura da economia fazem parte de outra discussão que é importante que aconteça paralelamente.

      Relativamente às importações, e de novo puxando a braza à minha sardinha, o projecto em que estou a trabalhar tem como um dos objectivos estudar a possibilidade da introdução de um certo nível de coordenação entre o nível de salário mínimo dos diferentes Estados Membro da UE. Uma coordenação a esse nível mitigaria parte do impacto do aumento do salário mínimo nas importações.

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  3. Apenas umas questões adicionais. O contributo de aumento de emprego que o aumento do salário mínimo pode criar (por aumento da procura agregada) será nos sectores que beneficiam do aumento da procura interna (principalmente os não transaccionáveis) enquanto a destruição de emprego deverá ser concentrada no sectores exportadores ou expostos à concorrência externa. Nesse sentido o aumento do salário mínimo pode também ter efeitos no equilíbrio externo, e se os tiver pode obrigar a prazo a reduções da procura agregada (para reequilibrar).
    Como contra-argumento refira-se apenas que a relação entre exportações e baixas de salários tem andado a falhar. A queda de salários e de custos unitários de trabalho, que se verifica desde final de 2011, não resultou num acelerar do crescimento das exportações, mas pelo contrário, foi acompanhada por um desacelerar das exportações, em particular das de produtos manufacturados (as que melhor deviam reagir a descidas de salários). As exportações que estavam a crescer acima dos 10% em 2010 e 2011 (e também em 2006 e 2007), em 2012, 2013 e 2014 devem crescer em média 3, talvez 4%. Os últimos dados de 2014 mostram as exportações de bens a crescerem 1,5%, depois das fortes descidas de salários de 2012 e 2013. Ou seja a competitividade e os empregos parecem depender de mais coisas do que apenas dos salários. Poderemos ter assim a surpresa de ter aumentos de emprego, simultâneos aos aumentos do salário mínimo, mesmo numa economia a crescer pouco, que podem revelar que muitos dos que estão no salário mínimo, estão nesse nível salarial não porque esse seja o valor da sua produtividade marginal, mas porque num mercado com muito desemprego os empregadores têm capacidade de pagar um salário muito abaixo do valor da sua produtividade marginal. Nestes casos não há incentivos a despedir, mesmo com aumento do salário mínimo.

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    1. Caro Manuel Cabral,

      Eu posso falar (apenas) da têxtil, sendo que o sector tem muito menos impacto do que tinha, apesar de estar fortemente dependente do salário mínimo.

      A têxtil, na sua maioria, trabalha "a feitio" (i.e. subcontratada por terceiros para lhes manufacturar os artigos, não tendo marcas próprias ou integração vertical da estrutura produtiva). O que a torna, acima de tudo, dependente do volume de encomendas provenientes do exterior. Daí que um abaixamente dos custos de trabalho não se traduzam em mais exportações, traduzem-se é na melhoria financeira das empresas (mais lucros).

      Já o contrário (aumento dos salários) pode ter impacto, ao tornar os produtos não competitivos com eventuais concorrentes externos. Mais, actualmente tem-se visto um investimento razoável por parte das referidas empresas na renovação de equipamentos e alguma diversificação de linhas de produção (em que, infelizmente, parecem estar todos a diversificar para o mesmo lado...). E esses investimentos, ao contrário do que foi costume, tem sido feito muitas vezes com recursos próprios (tesouraria ou investimento dos sócios/accionistas). E tal só foi possível porque, de facto, existiu algum entesouramento anterior.

      Finalmente, em relação ao excesso de mão-de-obra disponível, ela existe mais não neste sector. Ainda se vê, por exemplo, dificuldade em contratar costureiras. E um "trolha" não terá muito jeito para coser bainhas.

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  4. Tenho alguma dificuldade em perceber, conceptual e empiricamente, como é que durante uma recessao quem ganha o salario minimo aumenta a propensao para o consumo durante uma recessao. Aquilo que verificamos é o contrario: a poupanca aumenta, e aumenta naqueles que mantiveram rendimento. Apenas se reduz em quem perde rendimento. Nem sequer compreendo como é que o contrario sucederia...

    Importa-se de explicar a sustentaçao da sua afirmaçao?

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    1. Penso que o que querem dizer, é que quem ganha o salário mínimo, ganha tão mal que não consegue poupar. Assim, aumentos do salário mínimo traduzem-se em aumentos iguais do consumo.
      Quanto à propensão aumentar durante uma recessão, tem a ver com o alisamento do consumo. Alguém que se esforce por manter o consumo mais ou menos estável, tenderá a poupar mais nos anos bons e a poupar menos nos anos maus. Isto é algo que é empiricamente observado.
      Com a crise brutal que vivemos, a propensão a poupar aumentou. Mas penso que o que se passou é que a incerteza relativamente ao futuro (poupança por precaução) se sobrepôs a questões de alisamento do consumo.

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