quarta-feira, 5 de novembro de 2014

HOMENS E MULHERES, DIVISÃO DE TRABALHO, OU REDEFINIÇÃO DE PRIORIDADES

Saiu esta semana um estudo da OCDE sobre alocação do tempo dos homens em mulheres, repartido por tempo de trabalho pago, tempo de lazer e tempo de trabalho não pago. 

A abordagem mais geral seguida pela imprensa, foi a de analisar as diferenças de género no peso do trabalho não pago. A realidade mostrava, que as mulheres trabalhavam mais horas do que os homens em todos os países. Mas mostravam que Portugal (a par com o Japão, Coreia do Sul, México, Turquia e Espanha), estava entre os países em que a percentagem do trabalho feito pelas mulheres era mais elevado (77% cabia às mulheres/23% aos homens). 

O contraste com os países escandinavos era bastante notório. Fui ver os números e a Noruega surgia junto a Portugal (pois estavam por ordem alfabética), mas a divisão do tempo entre homens e mulheres apresentava uma clara diferença. A Noruega, à semelhança dos restantes países escandinavos, apesar de não apresentar uma situação de 50%/50%, aproximava-se apresentando uma distribuição mais próxima do equilíbrio (60%/40%), apresentando valores melhores do que os da Suécia e Finlândia e ligeiramente abaixo dos da Dinamarca – ver quadro 1 – valores em percentagem. 

Quadro 1 – Distribuição do trabalho não pago entre homens e mulheres (em %)

Mulheres
Homens
Mulheres
Homens

Norway
Norway
Portugal
Portugal
routine housework
64
36
83
17
Shopping
57
43
66
34
care for household members
58
42
81
19
care for non household members
0
0
71
29
travel related to household activities
50
50
42
58
Total Unpaid work
60
40
77
23


O comentário a estes resultados pela imprensa, relacionava o fenómeno com conservadorismo, machismo, injustiça social, baixo respeito pela condição feminina, posição privilegiada que os homens assumem nos casais em Portugal, etc. O problema é a falta de colaboração do macho português. Penso que muitos destes comentários são justos. Outros podem ser um pouco exagerados, ou mesmo errados quando generalizados, ou quando não se diferencia entre gerações.

A verdade é que as mulheres portuguesas estão entre as que mais horas de trabalho não pago têm na OCDE - com 328 minutos por dia (5 horas e meia), ficam apenas atrás das turcas e mexicanas. 

Mas será que este problema vem maioritariamente da atitude e falta de colaboração dos homens portugueses? 

Fui então verificar a diferença entre os homens Noruegueses e os Portugueses. Estava à espera de encontrar uns latinos mandriões que nada fazem em casa ou fora dela, que se dedicam ao lazer, enquanto as mulheres fazem o trabalho de casa e os homens e mulheres dos países do Norte da Europa trabalham para os subsidiar. Mas não foi isso que encontrei.

O número de minutos médios diários (incluindo fins de semana) que os homens e mulheres de cada país dedicam a cada tipo de tarefas estão no quadro 2, e desmentem a ideia de que os homens portugueses trabalhem muito menos do que os Noruegueses. 

Os homens portugueses trabalham de facto menos em casa do que os noruegueses, mas essa diferença é relativamente pequena - cerca de 10 minutos por dia (105 minutos para os Noruegueses/95 nos portugueses). Em compensação trabalham em média mais 50 minutos por dia no seu emprego e perdem o dobro do tempo a chegar ao trabalho. No final o homem latino português dedica menos 90 minutos por dia do que o norueguês ao lazer (inclui desportos, espectáculos, ver televisão…).

Quadro 2 –Número médio de minutos por dia dedicado a cada tarefa

Homens

Mulheres


Norway
Portugal
Norway
Portugal
routine housework
59
51
104
253
Shopping
13
10
18
19
care for household members
19
6
26
26
care for non household members
0
4
0
10
travel related to household activities
13
24
14
17
Total unpaid work
105
95
161
326
Paid Work
251
300
185
179
Travel to work
16
32
12
20
Leisure
379
289
376
200


Chega-se então a um paradoxo. Aparentemente o homem português dedica um esforço apenas ligeiramente menor que o norueguês às actividades domésticas. Mas a mulher portuguesa, pelo contrário dedica o dobro do esforço da mulher norueguesa. 

A divisão das tarefas não é a única diferença. Aparentemente havia algumas tarefas a que os portugueses dedicam muito mais tempo do que os Noruegueses, e em alguns casos do que a maioria dos europeus.

Por exemplo em actividades rotineiras de trabalho doméstico, os portugueses (média homens e mulheres) despendiam em média 160 minutos por dia (3º valor mais alto da OCDE), enquanto nos EUA e Reino Unido, se gastava 100, e na Noruega, Suécia, Irlanda e Japão, os valores estavam próximos de 90 minutos dia. 

Porquê? Não sei. Nem a OCDE explica. Pode ser por razões culturais (Espanha e Itália também surgem com valores elevados, com 125 e 132 minutos), que levam a prolongar algumas tarefas, como por exemplo: demorar muito tempo a cozinhar, porque se valoriza, ou só se aprendeu a fazer uma comida elaborada; limpar mais frequentemente a casa; utilizar mais loiça, e lavar a loiça antes de a colocar na máquina; passar a ferro toda a roupa; levar os filhos à escola e a mil actividades, mesmo quando estes já têm 14 ou 15 anos, etc. 

Esta discussão não deve servir para alimentar conversas de quem é que tem razão. Ou falsas guerras dos sexos. Deve antes servir para reflectir sobre que muitas vezes quando se anda a discutir a divisão se esquece que se calhar o maior problema não é a percentagem que cada um fica do bolo (ou do trabalho), mas antes a dimensão do mesmo bolo, ou a carga de trabalho.

Dos números apresentados pela OCDE fica a ideia de que as mulheres portuguesas trabalham mais 165 minutos que as norueguesas. Mas fica também a ideia de que se as mulheres portuguesas tivessem maridos que ajudassem tanto como os Noruegueses, isso pouco mudaria a sua situação, pois trabalhariam ainda mais 155 minutos que as norueguesas. Centrar a discussão sobre a escravidão do lar da mulher portuguesa nos 10 minutos a menos é perder o sentido do mais importante, pois dos 165 minutos a mais, 155 nada têm a ver com isso. Estas duas horas e meia a mais têm a ver com padrões culturais, herdados pelas mães e pais sobre o que é o mínimo de uma casa bem mantida, ou uma refeição do dia a dia, que não estando errados, podem não estar muito adaptados à vida moderna de quem trabalha. 

Se queremos que homens e mulheres portuguesas tenham mais espaço de lazer temos de conseguir essa simplificação. Mas essa é uma escolha, e uma escolha com custos, pois quem conhece outras culturas sabe que essa simplificação das rotinas domésticas também traz problemas como o empobrecimento culinário, etc.

7 comentários:

  1. O factor "empregadas domésticas" (lembrando-me de uma discussão que em tempos houve neste blogue) poderá influir aqui? Diga-se que não faço a mínima ideia se na Noruega há mais ou menos empregadas domésticas (e se trabalham mais ou menos horas) do que em Portugal, mas talvez haja essa estatistica algures.

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    1. Nos países nórdicos há muito menos trabalho doméstico remunerado do que em Portugal.
      Na altura dessa discussão vi esses números

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  2. Um aspecto, não comentado e que me parece ter saliência, é a ausência de alocação de tempo dos Noruegueses (de ambos os géneros) a actividades de “care for non household members”, em contraste com os Portugueses. Será uma omissão resultante de deficiente uniformização / tradução / interpretação do questionário do survey da OECD? Ou os noruegueses não dedicam mesmo tempo nenhum a tratar de pessoas não residentes na sua habitação (o que inclui ascendentes, colaterais e não familiares). Naquele país, ninguém trata dos “velhotes”, nem exerce qualquer voluntariado social? Será que o estado socialista paga todas estas actividades? Sei que na vizinha Dinamarca (o badalado “paraíso terrestre” da Escandinávia) o estado paga aos avós para tomarem conta dos netos.
    Valerá a pena revisitar o estudo para esclarecer este ponto?

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  3. Sobre empregadas domésticas: Assumo que existem mais em Portugal, mas aqui não contam pois trata-se de trabalho não remunerado, e o das empregadas domésticas é remunerado.
    A questão da Cynara é interessante. Eu penso que seja uma questão estatística, pois há vários países que não apresentam os non household - eu admito que estejam agregados, quando não são descriminados.
    Penso que de qualquer modo esta questão não altera a principal ideia que sobressai dos dados que é a enorme diferença do tempo gasto em tarefas domésticas, que faz com que, mesmo com uma divisão mais equitativa, estas assumam um peso muito forte num país onde também se trabalha mais horas e também se perde mais horas em deslocações.

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    1. Contam, já que, em principio, mais uma hora de trabalho doméstico remunerado será menos uma hora de trabalho doméstico não remunerado; no entanto, havendo mais empregadas domésticas em Portugal, o efeito até seria o oposto (menos trabalho doméstico não remunerado do que na Norouega)

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  4. A diferença pode ser cultural. Uma diferente utilização do tempo "livre". O tempo que o(a)s nórdico(a)s presumivelmente dedicam a mais ao desporto, às actividades culturais e associativas seria utilizado pelos portugueses para actividades que são consideradas como domésticas. Por outras palavras, o "desporto" dos portugueses é em casa. Será isso?

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  5. "Mas essa é uma escolha, e uma escolha com custos"

    Esses custos talvez não sejam assim tão grandes - suspeito que muito do trabalho doméstico tem uma componente "QWERTY" (faz-se porque sempre se fez e toda a gente faz) e se deixar, no conjunto da sociedade, de ser feito, pouco mal vem daí (o passar a roupa a ferro, p.ex., é capaz de ter muito disso)

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