terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Ajustes

"O problema com as pessoas com offshores é que elas agem dentro do que permite a lei pagando menos impostos enquanto os tótós que não podem fugir pagam o couro e o cabelo para sustentar um Estado gordo que nem faz o seu trabalho de escrutínio numa coisa tão simples como a publicação da lista. Estou convencido que somos capazes de estar perante uma nova lista vip num orgão de bem chamado Estado."

~ Bartolomeu num comentário anterior

Tenho muita dificuldade com este argumento. As off shores são controladas fora de Portugal, ou seja, o governo português não controla as condições que outros países dão ao capital que entra nesses países, logo é uma variável exógena a Portugal. O que é se pode ser controlado por Portugal? Portugal pode decidir a forma como organiza a economia, a despesa pública, os incentivos que dá em termos de impostos, o funcionamento dos tribunais, o enquadramento legal da actividade económica, a previsibilidade que dá aos agentes económicos (um país que está sempre a mudar de impostos e leis, por exemplo, não dá previsibilidade nenhuma porque tudo muda ao sabor de quem entra no governo), etc. Isto são variáveis endógenas controladas pelos governos e parlamentos que os portugueses elegem.

Há algumas em que se teria de negociar com a União Europeia, mas se Portugal decidisse apresentar um plano razoável, é natural que tivesse algum poder de negociação. Portugal poderia ainda decidir dar condições mais competitivas com as off shores, se bem que teria pouco poder de negociação com a União Europeia para instituir uma economia desse tipo, mas teria algum se o plano fosse minimamente aceitável; afinal, a Irlanda é uma off shore, o Luxemburgo, etc.

O dinheiro que sai para off shores depois de pagar impostos em Portugal não deve nada a Portugal; é dinheiro de quem o ganhou e quem o ganha decide o que fazer com ele. Se sai muito dinheiro para off shores é porque os donos desse dinheiro não têm confiança no país ou não vêem como o investir em Portugal de forma a obter um retorno desejado. Se o dinheiro que vai para off shores se aproveita de benefícios fiscais generosos e consegue escapar sem pagar impostos, isso é uma consequência da fiscalidade do país que resulta da legislação do parlamento e do governo. Foram os portugueses que escolheram a Assembleia da República e desta saem os governantes. Se os portugueses estão insatisfeitos têm várias opções: saem para a rua e protestam, organizam-se em partidos políticos novos e concorrem a eleições, votam em partidos diferentes, etc.

Há algum partido político que ofereça grandes reformas do país de forma a o país ficar auto-sustentável, atrair poupanças, e ter menos dependência do exterior? Não há. Todos os governos eleitos fazem manutenção do sistema que existe e que sabemos não ser sustentável no longo prazo. Já tivemos quantas intervenções do FMI? Mas em vez de se exigir mudar as coisas que podemos controlar, andamos a queixar-nos das off shores que não controlamos, da União Europeia que é uma mázinha, etc.

É muito fácil olhar para os outros e achar que eles são responsáveis pelos nossos problemas, mas isso só funciona durante um tempo limitado. O mundo não tem de se ajustar a Portugal porque Portugal é um país pequeno; é Portugal e são os portugueses que têm de se ajustar ao mundo.

5 comentários:

  1. Quando quiser comprar acções em Portugal e em toda a parte do mundo abre uma empresa na Holanda, onde os dividendos não são tributados. Com o dinheiro que poupa acaba por comprar um BMW dos novos e anda a passear com ele nas ruas em Portugal, e a dizer à boca cheia que cumpriu com tudo dentro da legalidade. Quem diz tributação de dividendos, diz impostos de rendas, doação, transmissão causa mortis.

    É quase como aquela história do Passos/Portas que a recueração deve dar-se pelo aumento da riqueza dos mais ricos, que traz por arrasto uma melhoria das condições de vida dos mais pobres. Os que estão em cima devem ter liberdade e quem está em baixo deve sofrer ajustamentos e cortes porque para Passos/Portas estes últimos já estão muito acima do que devem estar e como tal tem de ser postos na ordem e devolvidos às suas posses habituais. Para Passos/Portas, o Estado garantir um equilibrio social é uma violação das regras da Economia, a economia não pode dar mais a quem está em baixo mas os que estão em cima não tem essas restrições. É por estas razões que existe toda esta indiferença do que acontece com os offshores e muitos defenderem isto como se fosse considerado completamenta normal. É isto que defende?

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    1. Acho que não leu o que eu escrevi. Eu não defendi a indiferença às off shores.

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  2. Permita-me partilhar um texto do Pacheco Pereira:

    Já comparei este tipo de argumento com o dos defensores das armas nos EUA: “Não são as armas que matam as pessoas, são as pessoas que matam as pessoas.” Aqui é “não são os offshores que levam à fraude fiscal, à evasão fiscal, à lavagem de dinheiro criminoso, da droga, dos subornos, etc., são as pessoas que fazem tudo isso.” O instrumento é impoluto, é “legal”.

    Claro que há uma pergunta que tem ainda mais sentido com os offshores do que com as armas: qual é a utilidade económica dos offshores? E depois outra pergunta: por que razão, havendo tantos meios “legais” de ter guardado o seu dinheiro, sólidos bancos, colchões, cofres na parede, os muito, muito ricos, têm uma espécie de predilecção intensa por esta forma de “legalidade” que são os offshores?

    É que o mundo dos “mercados” e de muita política capturada por eles, não mobiliza milhares, nem milhões, mobiliza biliões e triliões. Isto é que é amor pela “legalidade”!”

    José Pacheco Pereira

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    1. Você pode espernear o que quiser, fazendo de conta que se revolta contra as off-shores, mas não lhe adianta nada. Já exigir que o governo reforme o país para melhor ser uma alternativa às off-shores não o inspira para fazer nada. Ou seja, você não é revoltado; você é mal-informado.

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  3. Ireland is certainly an offshore country, if you live, say, in Liverpool.

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