terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Em queda livre

O LA-C disse-me maravilhas do episódio 1 da terceira temporada da série Black Mirror – o Luís Gaspar também já havia dito o mesmo no FB. E têm razão. Aquele mini-filme de 1 hora é absolutamente genial. Num futuro não muito distante, as pessoas classificam-se umas às outras numa escala de 1 a 5 em quase tudo o que dizem e fazem. Qualquer comentário ou gesto pode ser classificado imediatamente com um simples clique no telemóvel. O reino ou tirania da likability extravasou as redes sociais online e está agora em todo o lado. A hierarquia social é formada em função da média que cada um obtém. E a classificação de cada um vai subindo e descendo. As pessoas esforçam-se ao máximo para ser simpáticas com toda a gente, mesmo com aqueles que se cruzam esporádica ou acidentalmente , na esperança de obter mais um 4 ou 5. Mais de 4 permite tratamentos especiais e mais de 4,5 abre a porta a uma série de privilégios. Aos antissociais, com menos de 2,5, estão vedados alguns direitos. Mas o seu maior castigo é o ostracismo a que são sujeitos. Os outros evitam-nos de todas as maneiras. Escusado será dizer que quase ninguém fica indiferente a esta pressão social permanente. Na verdade, este sentimento não é propriamente novo. Como dizia Locke, há mais de 300 anos, nem um em dez mil conseguiria aguentar o desprezo dos seus vizinhos. Provavelmente, com as redes sociais online, o que se alterou foi o conceito de “vizinho” e “amigo”, que se tornaram mais difusos.
Lacie é boa rapariga e esforça-se para agradar aos outros, inclusive a alguns idiotas e sacanas. A sua classificação anda nos 4,2 e precisa de chegar aos 4,5 para obter um desconto especial de 20% na renda de uma casa de sonho. Recorre a um especialista na matéria que lhe explica que tem de ser genuína e aproximar-se dos líderes, os tais que têm pontuações acima dos 4,5. E Lacie, por exemplo, examina as páginas dos líderes e vê o que eles postam. Beijos apaixonados à beira-mar, festas, imagens de exercício físico, viagens, comida, etc. É a partir daqui que começa a queda livre desta rapariga simpática e insegura. Não vale a pena contar o resto dos pormenores. Mas o filme acaba com um libertador FUCK YOU, soltado aos berros, e com um sorriso franco nos lábios da personagem principal.
Tocqueville dizia que a paixão pelo bem-estar é a mãe da servidão. E não há maior prazer do que poder falar, agir e respirar sem constrangimentos “sob o único governo de Deus e de suas leis”. A liberdade vale por si própria. Os que a amam verdadeiramente não é pelos bens que ela pode dar; amam-na por a considerarem um bem tão precioso “que nenhum outro poderia consolá-los pela sua perda”. De qualquer maneira, acrescentava o génio francês, temos de renunciar a explicar este prazer às almas servis e medíocres que “nunca o sentiram”. Lacie deu cabo da sua pontuação, mas, provavelmente, nada a havia feito sentir tão bem na vida como aquele FUCK YOU. 



2 comentários:

  1. Posso assegurar que, de vez em quando, um "Fuck you" no Facebook sabe mesmo muito bem!

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  2. Foi mesmo das melhores coisinhas que vi nos últimos anos. É um grande tratado sobre a conformidade. Todos os vias vemos aquilo acontecer, no escritório, no telejornal, no facebook, até na fila para o autocarro, mas ali são visíveis os fiozinhos por trás das marionetas.

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