sábado, 4 de fevereiro de 2017

O beco sem saída dos partidos tradicionais

Na verdade, o populismo anda há muito tempo debaixo dos radares.  Por essa Europa fora, os partidos tradicionais não têm conseguido enquadrá-lo ou absorvê-lo. Por um lado, por falta de liderança e capacidade política; por outro, porque o actual sistema torna muito difícil a luta contra este vírus.
Hoje, quase todos os partidos recorrem a sondagens, focus groups, entrevistas em profundidade, fóruns online, etc.. O objectivo é apresentar programas, soluções e discursos que vão ao encontro das necessidades e desejos dos eleitores. Obviamente, pressupõe-se que as pessoas são capazes de articular os seus problemas e inquietações.  Que se interessam pelos assuntos públicos e que têm opiniões sobre eles.  Isto exige um público educado, informado e interessado. Este é o primeiro problema. Nem sempre isso acontece. Sobre esta problemática existem toneladas de literatura.
De qualquer maneira, os problemas dos líderes dos partidos tradicionais não acabam aqui. Antes de mais, é muitas vezes complicado construir um programa coerente e credível que contemple os desejos de diferentes segmentos eleitorais. Ou, dito de outra forma, não se pode prometer ao mesmo tempo os impostos do Texas e o Estado social dos países escandinavos. Além disso, é-lhes muito difícil mudar ou adaptar o discurso de forma a chegar a novos segmentos eleitorais e, de caminho, mobilizar em peso as estruturas partidárias. Muitos dos partidos tradicionais estão presos a certos grupos de interesse e a uma ideologia. A ideologia continua a ser importante. Diferencia os partidos e mobiliza os militantes. Tony Blair introduziu muitas mudanças nos anos 90 no Labour. Os críticos diziam que a “terceira via” não entusiasmava a maioria dos militantes e, por isso, estaria condenada a prazo. Não se enganaram. O resultado está hoje à vista, com o partido entregue a um bando de lunáticos, mais lunáticos que os líderes que antecederam Blair.
Depois, há outro problema com que os líderes dos partidos tradicionais se confrontam. Muitas vezes, as tentativas de auscultar ou acomodar as preocupações do povo são vistas pelos media como perigosas derivas populistas ou demagógicas. Por exemplo, qualquer político que aborde o problema da imigração, um assunto que manifestamente inquieta muitos eleitores, corre logo o risco de ser etiquetado como racista ou xenófobo.
Por fim, como é que se concilia a democracia com uma entidade supranacional como a União Europeia? A democracia está ligada a um território e esse território é o Estado-nação. Como é que os partidos tradicionais podem fazer e cumprir promessas que dependem muitas vezes da vontade de Bruxelas? Há aqui um problema difícil de resolver. Ainda ninguém inventou uma democracia supranacional.  Um Estado federal europeu seria a solução lógica. Mas, neste momento, qualquer discurso ou tentativa nesse sentido apenas fará acirrar ainda mais os ânimos nacionalistas. Enfim, os partidos tradicionais, a maioria pró-europeus, encontram-se hoje num beco sem saída. Ao menos, os movimentos populistas têm soluções simples e com alguma coerência: prometem sair do euro ou da União Europeia e devolver a soberania ao povo. Em Portugal, o populismo não será um problema enquanto a maioria dos portugueses sentir que, apesar de tudo, estamos melhor lá dentro do que cá fora ao deus dará. Desgraçadamente, já não é esse o sentimento de muitos europeus. E não vejo como é que as coisas poderão melhorar nos próximos tempos.

6 comentários:

  1. "Ainda ninguém inventou uma democracia supranacional."

    Será que não? Cada qual à sua maneira, o Reino Unido, a Índia, o Canadá, a Suíça, a Dinamarca, os Estados Federados da Micronésia, a Bélgica, etc. (talvez até mesmo os EUA?) podem ser considerados democracias supranacionais; não haverá aqui também uma questão de definição circular (isto é, se uma democracia supranacional funcionar, deixa de ser considerada supranacional, já que se há um sentimento de destino comum suficiente para o sistema funcionar, quer dizer que já podem ser considerados a mesma nação)?

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    1. Boa questão. Até ao século XVIII, todos os autores achavam inconcebível a democracia fora de uma cidade-estado, uma visão que já vinha dos gregos da Antiguidade. No século XIX, começou a associar-se a democracia a nação, um território muito mais extenso do que a cidade-Estado. De qualquer maneira, penso que para haver uma democracia tem de existir o sentimento de pertencer a uma mesma comunidade e a comunidade, graças nomeadamente aos desenvolvimentos da tecnologia e dos transportes, pode expandir-se com o tempo. Mas penso que haverá sempre limites a essa expansão. De qualquer maneira, independentemente da sua dimensão, os cidadãos têm de sentir que pertencem todos à mesma comunidade ou nação para que a democracia funcione. Ou seja, acho que esse sentimento de pertença comum tem de ser prévio à democracia.

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    2. Não precisava de ir tão longe, Miguel Madeira: tem a Espanha, aqui ao lado.

      Mas concordo com J.C. Alexandre: há necessidade de um snetimento de destino comum. Basicamente, não pode haver democracia sem um "demos", e como não há um "demos" europeu, é impossível haver democracia europeia.

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  2. Chamar populista não passa de uma tentativa de desqualificar os que têm uma opinião diferente. Os políticos suiços ou noruegueses são todos populistas por não estarem interessados na União Europeia ou na Moeda Única? É por causa disso que não se desenvolveram ou não são dos países mais ricos da Europa? Ou, noutro exemplo, é populista quem defende que a função do aparelho militar dos EUA não é derrubar pela força os governos com que não simpatiza? A grande ameaça aos partidos ditos tradicionais está em que, em muitos casos, deixou de se encontrar neles as propostas mais razoáveis.

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    1. No caso da Suíça e da Noruega, foi o povo que por referendo rejeitou entrar na UE. Sim, tem razão, muitas vezes, como disse no início do post, há mesmo incapacidade dos partidos tradicionais em encontrar soluções sensatas para os problemas de muita gente, muitas vezes, porque vivem dentro de uma bolha mediática, nem tem consciência da existência e desses problemas e depois são apanhados de surpresa. Uma das características fundamentais dos grandes políticos e estadistas é precisamente a capacidade em pressentir esses sentimentos latentes e vagos que escapam aos radares dos media e das sondagens. É uma coisa instintiva, ou se tem ou não.

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