domingo, 5 de fevereiro de 2017

Ascensão e queda de um populista

No início de dezembro de 2016, na terceira volta das eleições presidenciais austríacas (o tribunal mandou repetir as eleições da segunda volta),  Alexander Van Der Bellen do partido os verdes venceu o populista Norbert Hofer do FPÖ, o partido da liberdade. Antes, em maio, na primeira volta, os candidatos haviam obtido, respectivamente, 21% e 35%. O partido social-democrata (SPÖ) e os conservadores do partido popular (ÖVP) obtiveram apenas um quarto dos votos. Pela primeira vez, desde o pós-guerra, a “grande coligação” ficou abaixo dos 50%. Era mais um aviso lançado à Europa e ao mundo. A seguir viriam o Brexit e Trump.
Já poucos se lembram, mas foi Jörg Haider (1950-2008) quem revolucionou por completo o FPÖ a partir de 1986, ano em que assumiu a sua liderança. Até então, o FPÖ não passava dos 5% do eleitorado. Nos anos 50, começou por ser um albergue dos “nacional socialistas". A partir dos anos 60 tornou-se um partido liberal. Pretendia aproximar-se do centro e transformar-se num partido de poder. Em 1983, entrou numa coligação com os social-democratas, a qual cairia em 1986 com a chegada de Haider.

Haider anunciou desde o início que o seu fito era ser chanceler. Rodeou-se de jovens, bem vestidos e bem-parecidos, sendo ele próprio um fanático do corpo em forma. A juventude era, desde logo, uma forma de se diferenciar dos outros partidos. Toda a sua estratégia assentava numa presença permanente nos media, em especial na televisão. Tornou-se uma pop star. Chegava a mudar de roupa dez vezes por dia, de forma a adaptar-se à audiência que tinha à sua frente. Casaco de cabedal, trajes tradicionais, fatos de excelente corte... Utilizava inclusive diferentes sotaques, conforme a região onde discursasse.
Com uma liderança autoritária, em que tudo passava pelo chefe, os críticos internos eram silenciados ou expulsos do partido – em 1993, vários ex-dirigentes do FPÖ bateram com a porta e formaram o partido liberal (LIF). Este tipo de procedimentos era impossível dentro dos principais partidos austríacos, com os seus milhares de militantes e grupos de interesse bem definidos.
Haider tinha uma equipa a procurar permanentemente escândalos da oligarquia e não hesitava em atirá-los à cara dos seus adversários, nomeadamente em debates televisivos, em que era exímio e temível. Introduziu na Áustria uma “campanha permanente”, com slogans bem conseguidos – muitos, ao que consta, da sua própria autoria; ele, pelos menos, gostava de dizer que quando saísse da política se dedicaria à publicidade. Esta estratégia de comunicação não era barata. Alguns estudos falam em 70 milhões de euros gastos durante a liderança de Haider, apesar deste sublinhar que não recorria a sondagens.
Haider exigia referendos, nomeadamente sobre questões “europeias”. O FPÖ deixou de ser um partido pró-Europa. A União Europeia, com a sua burocracia e atropelos às soberanias nacionais, passou a ser um dos alvos principais de Haider. As instituições políticas tradicionais eram apresentadas como o principal inimigo do povo. Carregados de privilégios, os “oligarcas” apenas perseguiam os seus próprios interesses, não ouviam as pessoas e eram incapazes de resolver os problemas “reais”. Com esta mesma fórmula, atacava a União Europeia – “Bruxelas tira-nos o dinheiro”, “A Europa rouba-nos a soberania e tenta controlar-nos”, etc.
Haider soube explorar de forma eficaz o problema da imigração. O seu discurso tinha uma alta carga emocional e era carregado de estereótipos. Os “traficantes de droga negros”, os imigrantes ligados a actividades criminosas. A lei e a ordem eram associadas à imigração sem controlo. Enfim, numa realidade cada vez mais complexa, Haider explorou assuntos emocionais e construiu assim um inimigo claro e bem definido que dava alguma orientação às ansiedades e receios populares.
Partindo de um resultado de 5%, Haider alienou sem hesitações o eleitorado tradicional do FPÖ, nomeadamente os colarinhos brancos e quadros intermédios. As classes trabalhadoras e os jovens passaram a ser os seus principais públicos-alvo. Os social-democratas viram assim fugir muito do seu eleitorado. Em 1999, o FPÖ obteve 26,9% dos votos nas eleições legislativas, o mesmo resultado que os conservadores do partido popular (ÖVP). Os dois partidos formaram uma coligação. Devido sobretudo às pressões da União Europeia, Haider ficou fora do governo e abandonou a liderança do partido. Em 2002, o governo caiu e o FPÖ obteve apenas 10% nas eleições. A perda da liderança eficaz de Haider, o mau desempenho de vários ministros do FPÖ no governo, a impossibilidade de pôr em prática muitas das promessas eleitorais foram fatais.
Haider foi, entretanto, eleito governador de Caríntia. Em 2005 saiu do FPÖ e fundou um novo partido, a Aliança para o futuro da Áustria (BZÖ), mas sem grande sucesso. Em 2008, morreu num acidente de automóvel. Mas o populismo na Áustria não morreu com Haider, como alguns vaticinaram. Como referimos no início, em 2016, o FPÖ esteve muito próximo de ganhar as presidenciais. O perigo permanece bem vivo. Haider foi apenas o primeiro aviso.

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