quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Do alinhamento

O José Carlos Alexandre fala aqui do primeiro episódio da terceira temporada do Black Mirror. É para mim um tratado emocionante sobre a conformidade. Mostra os mecanismos invisíveis que levam as pessoas a prescindir da liberdade e a alinhar. Aquilo que leva tanta gente à nossa volta a pensar muito bem antes de falar, a alinhar com quem tem poder, ou a não desalinhar, a dar graxa, a formatar a opinião não com base no que é dito, mas em quem diz. O meu rating pode ser baixo, ninguém me dá nada, mas retenho a liberdade do FUCK YOU espontâneo. Do FUCK YOU a quem quer que seja. Que, vendo bem, é a única genuína liberdade. E isso basta-me. 

Na mesma semana que vi o episódio do Black Mirror, vi também o Trainspotting 2 - e é também maravilhoso.

Há obras que nos ajudam a não ter de inventar as nossas próprias palavras. O trainspotting foi o filme que deu à minha geração a metáfora ideal para a dificuldade da entrada na vida adulta. Escolhe a vida. Choose life. Escolhe a televisão gigante, a máquina de lavar, o carro, a vida tal como ela é vivida pelos adultos que tu conheces. Escolhe o rating elevado. Ou então encontra uma boa alienação, que não te destrua. Boa sorte, dirão os cínicos.

Passados 20 anos do Trainspotting, a vida escolheu a maioria de nós. Fazemos por ela, não é verdade? Mas há sempre momentos em que nos lembramos que também há vida para além da vida que vivemos, mas que simplesmente não temos tempo para ela. A boa arte não é aquela que nos deixa experienciar, por um bocadinho, em modo compacto e arrumadinho, essa vida para além da vida (era só o que faltava que fosse tão simples); a boa arte mostra-nos que as compensações que vamos arranjando podem ser muita coisa, mas não são realmente compensações.

Uma sequela do Trainspotting tinha tudo para correr tão mal – teria tudo para se tornar uma espécie de caricatura de si mesma, onde as personagens mostravam o que acontece quando viciados em heroína acabam por escolher a vida. Felizmente, o Danny Boyle não mostra nada disso. Em referências sucessivas e subtis ao primeiro filme, faz-me uma visita guiada, mas não condescendente, a um mundo projetado a partir dos sonhos da nossa adolescência. Mostra-nos que mudamos pouco. Que, se procurávamos alienação, e se a alienação não nos matou pelo caminho, o mais provável é que tenhamos encontrado entretanto outra alienação para a substituir. Mostra-nos com humor os limites dessa alienação - mas também nos mostra os limites do mundo real. E é algures entre os limites dos dois que temos a possibilidade de sermos felizes. 

2 comentários:

  1. E agora deixaste-me também curioso em ver o Trainspotting II - adorei o primeiro, há 20 (?) anos.

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  2. Eu gosto do School of Rock: you have to stick it to the man!

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