domingo, 9 de setembro de 2018

Heroína

Depois de ler "Um Momento Definidor para Portugal" fiquei um bocado perplexa com os argumentos apresentados. A tese da peça de opinião, escrita por Miguel Morgado, António Leitão Amaro, Duarte Marques, Miguel Poiares Maduro, e José Eduardo Martins, assenta na premissa de que o futuro de Portugal depende da continuidade de Joana Marques Vidal no papel que ocupa actualmente de Procuradora Geral da República Portuguesa. Este argumento é muito caro aos portugueses porque, no essencial, é o Sebastianismo: só há uma pessoa que pode salvar Portugal e, se falta essa, tudo o resto desmorona.

É estranho que num país que se diz democrático o futuro dependa de apenas uma só pessoa; mas o mais misterioso é que um artigo escrito por cinco homens venha elevar a condição de uma mulher a heroína da República. Portugal continua a ser dominado por homens incapazes, mas de vez em quando lá vem a migalhinha e o "olhem para o que dizemos, não olhem para o que fazemos". Só que não dizem nada de jeito porque:
  1. Na peça menciona-se frequentemente o "passado recente" e uma pessoa fica ali parada a pensar no que é o passado recente. Será que o governo de José Sócrates acabou recentemente? Depois de Sócrates sair do governo, PSD/CDS governaram por quatro anos; entretanto, a Geringonça já vai em dois anos. Mas talvez nos escape o devido apreço pelo facto de Portugal ter 900 anos e, no grande esquema das coisas, tudo é recente.
  2. Por falar em coisas que nos escapam, fica-se sem perceber o que querem os autores do Presidente da República. Em Portugal, o papel do Presidente da República é defender a Constituição da República Portuguesa e esta, por sinal, é a mesma com ou sem artigos de opinião no Expresso. Dado que o actual Presidente da República até tem publicações em Direito Constitucional, é um bocado estranho estar a dar-lhe lições.
  3. A escolha do regime e do país que se quer é feita no Parlamento, que é a entidade em Portugal que representa o povo e que legisla. Como é que alguns dos autores, que são deputados no Parlamento, escrevem como se não tivessem ideia das responsabilidades que assumiram perante o povo que os elegeu? Ou será que ser eleito para o Parlamento se resume à aquisição de direitos sem contra-partida de responsabilidades?
  4. Por muito boa que a Joana Marques Vidal seja, a justiça portuguesa continua a não funcionar. O sucesso é avaliado por resultados, não é avaliado pelo processo: um bom processo sem resultados tem uma taxa de sucesso igual a um mau processo sem resultados. Ou seja, Joana Marques Vidal não é heroína no sentido de ser o feminino de herói; é heroína porque é mais parecida com uma droga que atenua os sentidos do povo, que tem o objectivo de dar a impressão que o sistema está melhor, que há pessoas que estão a fazer o seu trabalho, quando a realidade é que o sistema está na mesma.





2 comentários:

  1. Joana Marques Vidal desprestigiou a justiça por permitir (promover?) que esta passasse a ser feita nos jornais e televisões, tornando as decisões dos tribunais irrelevantes. O facto da renovação do seu mandato se ter tornado uma disputa partidária indica não ser o nome mais adequado para a função.

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    1. Como se em Portugal as decisões dos tribunais existissem e fossem relevantes. Era ela a PGR quando se deu o caso Casa Pia ou o Freeport?

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